“Dominar o mundo, a intenção é essa!” Entre sons e rolês, com vocês: Zé Maholics!

Conversamos com a banda Zé Maholics durante a festa Dancing Shoes, no Stone Pub, sobre música, gravação, o cenário capixaba e o futuro
Zé Maholics ao vivo no Stone Pub (Crédito: João Depoli)
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Eu vejo no Espírito Santo de hoje uma explosão musical igual à que aconteceu no nordeste dos anos 70,” me confidenciou um extasiado Vinicius Braga. Sua banda havia acabado de abrir a festa Dancing Shoes, no Stone Pub, e a atmosfera não poderia estar melhor. “A gente quer participar de um processo cultural aqui do estado, tá ligado? Aqui do Brasil,” proclama o guitarrista Guilherme Bozi. Cheios de sonhos e munidos de vontade e energia o suficiente para persegui-los, este é o Zé Maholics, uma banda tão leve e espontânea que, uma vez em sua presença, é impossível não se deixar levar pela sua descontração acolhedora. É como um reencontro de amigos de infância em que, por mais que tudo tenha mudado, os sorrisos prevaleceram.

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Foto: João Depoli.

Formação e entrosamento

Fruto da longa amizade entre Guilherme Bozi e o baterista Enzo Toniato, a banda se formou em Abril de 2016, na cidade de Vitória. “Eu e o batera, a gente é amigaço de infância. […] A gente começou a se enrolar numas paradas de som e tal, foi influenciado por uns brother que gostavam de som, aí a gente falou ‘vou aprender a tocar essa parada, mano’.” O próximo passo foi recrutar o baixista Guilherme Schwartz, “um brother que também estudou com a gente.

No entanto, tudo mudou quando a banda descobriu que “criar é muito mais irado que fazer cover” e despretensiosamente convidou um conhecido para um ensaio só porque ele cantava”. O resultado foi uma daquelas incríveis surpresas que têm o poder de mudar a sua vida para sempre. A imponente voz e gaita de Vinicius Braga foi tão impressionante que o pedido para se juntar à banda veio quase que como uma súplica: “Pelo amor de Deus, junta com nós, porque o bagulho virou,” recorda Bózi.

Agora com uma nova perspectiva sobre como buscar o som perfeito, o quarteto se trancou na garagem do guitarrista para “economizar uma grana” e ensaiar algumas das composições apresentadas por Vinicius. “A gente tinha mais ou menos o mesmo gosto. Fizemos as músicas e a gente sempre fazia jams. Jam, jam, jam! Porra, a gente é viciado em jams — aí ‘Jamaholics’!” Com a intenção de abrasileirar o projeto, a nova identidade veio naturalmente: Zé Maholics. Junto desta também veio Rodrigo “Meds” Nogueira, que assumiu os teclados, violão e percussão — “a gente sabia que ele mandava nos ritmos.

A introdução destes integrantes garantiu ao grupo não só a adição de um novo espectro de componentes musicais, mas também uma oportunidade de melhor trabalhar sua confiança e sonoridade frente suas influências. “A gente é completamente inspirado no álbum Blood Sugar Sex Magik [1991], do Red Hot Chili Peppers, […] Gorillaz, Planet Hemp, Marcelo D2… essa pegada.” Isso nunca foi um segredo. Quem escuta a banda logo de cara pode concluir isso. Contudo, também torna-se evidente que seus novos elementos de percussão, teclados e gaitas lhe instigaram a explorar novos mundos sonoros. “Foi muito bom não ter começado só no autoral,” afirma Guilherme. “Tocar uma música não é só tocar uma música. É fazer uma releitura e [colocar] sua cara em cima dela. A música meio que vira tipo ‘nossa’, porque a gente faz a nossa pegada.

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Foto: Gustavo Ferreira.
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Por meio de suas releituras, a banda conseguiu finalmente encontrar sua voz e compreender suas capacidades e limitações dentro do estilo que escolheu. Todo o combustível necessário para seguir em frente pareceu ter se manifestado triunfalmente diante desta afirmação de si mesmos como um grupo coeso. “A gente quer viver disso mais do que viver de qualquer coisa,” braveja Bozi enquanto se agarra à busca de seus sonhos e objetivos.

Dando a cara a tapa e correndo atrás — enquanto a greve da polícia aterrorizava o Espírito Santo em Fevereiro deste ano, o Zé Maholics aproveitou para passar os dias no estúdio —, a crescente onda de shows permitiu à banda alcançar uma determinada meta financeira e, em menos de seis meses de sua formação, o quinteto já estava a todo vapor gravando seu primeiro álbum.

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Foto: João Depoli.

Primeiro álbum

Colocando em prática a fórmula mágica de seus heróis, o primeiro registro do Zé Maholics foi feito completamente em sessões de jam. As músicas foram compostas na base da “tentativa e erro,” como lembra Meds. “Muitas vezes o Vini chega com uma parte da música. Ele cria o verso, aí desse verso a gente tem que criar um refrão totalmente novo e o processo de composição fica mais conjunto.” A banda, no entanto, “não tem nenhum prodígio“, atesta Bozi. Simplesmente compõe de forma que “um admira o que os outros quatro fizeram, curte e tenta fazer o melhor. […] A gente coloca a nossa cara no rolê inteiro.

Lançado em 11 de Abril de 2017, o álbum Zé Maholics apresenta seis belas canções distribuídas em pouco mais de trinta minutos. O resultado reflete fielmente o trabalho duro dos bastidores e todo o groove que a banda projeta no palco. A sensação de finalmente tê-lo disponibilizado às massas? “Foi iradíssimo demais, porque a gente fez a parada acontecer com sonzeira,” orgulha-se Bozi.

Gravado no Estúdio Audio Space e com arte visual de Rafael Ultramar, o disco foi produzido pelo produtor capixaba Leonardo Bortolini, que esteve recentemente envolvido na produção do álbum da banda Pura Vida, de Manguinhos. Além de amigo de infância, Bortolini “é um músico bizarro que, tipo, tem muita referência, toca muito e queria [nos] produzir.” Como se não bastasse, o registro também conta com várias participações de músicos capixabas, como o veterano Dudu Rossi na bateria, Philip Rios nos solos de guitarra e Fernanda Reuter nos vocais.

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Linguagem

Quando se tem um vocalista que já morou no exterior por um tempo e é professor de inglês, é seguro apostar que suas composições tomem a língua inglesa como base. Com o Zé Maholics não foi diferente. “A sonoridade do inglês é mais fácil,” assegura Rodrigo. Entretanto, das músicas lançadas em seu álbum, uma delas, “Macaco Politizado”, foi feita em português. Curiosamente — e no que parece ser uma corajosa afronta à sua zona de conforto —, a banda entrou num consenso de que as próximas canções serão compostas em nossa língua nativa.

A gente tá mais a fim de fazer música em português, porque a gente quer ficar no Brasil. A pegada é brasileira. A gente ama a música brasileira e estamos fazendo um esforço para fazer música em português,” declara Guilherme num tom de sinceridade e de compromisso com a cena nacional. “A gente quer [transmitir] as nossas mensagens. Não tem uma letra que fala ‘Ah, o sol…’, tá ligado? A gente quer [passar] uma mensagem para a sociedade. Então a gente quer fazer [músicas] em português para o pessoal entender.

Cenário capixaba

Quanto ao cenário musical do Espírito Santo, é evidente que atualmente existe uma grande força concentrada no movimento cover. Apesar disto, é importante ressaltar que não existem vilões nesta história. A atual posição do pêndulo musical capixaba nada mais é do que um reflexo dos tempos em que vivemos e tanto os músicos quanto o público têm a sua parcela de envolvimento sobre qual extremo prevalece ou não. Em todo o caso, o atual estado da comunidade cover — que se despertou como um atraente nicho de mercado para muitos — por vezes acaba afogando alguns esforços autorais. Contudo, é de responsabilidade destas bandas a escolha de lutar ou morrer.

É foda, porque parece que não tem muito espaço. Você faz um show e não ganha muito dinheiro e é difícil bancar o rolê. Mas a gente se sente no compromisso. […] Cada um tem o seu DNA, a sua identidade. Você tem que fazer o que saiu de dentro de você, sacou? […] Cover a galera recebe bem. Mas, cara, a galera que está se envolvendo no show do Zé Maholics está curtindo as autorais e a gente está de boa e é isso que a gente queria. O pessoal que está se envolvendo com [a banda], tipo, fortalece demais, sacou? Tem uma galera que está dando espaço para música autoral, está botando fé. Estamos vendo que tem referências bem legais e estamos conhecendo vários artistas do cenário,” confessa Bozi em meio a um sorriso. As palavras do guitarrista são acompanhadas de tanta honestidade e veemência que, se não tivessem sido proferidas por alguém tão firme e determinado em suas convicções, poderiam ser precipitadamente confundidas com mera inocência.

Igualmente esperançoso, Rodrigo complementa as palavras de seu guitarrista: “Eu entrei no começo de 2017 e hoje a cena é completamente diferente. Apesar de estar difícil, tem muito mais espaço para autoral. […] O Stone Pub é um lugar que valoriza muito música autoral, o Garagem… Tem vários rolês! […] A gente está orgulhoso de ver a cena crescer junto da gente. [Estamos] correndo atrás igual cinco desesperados para tentar fazer a coisa acontecer!

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Foto: João Depoli.
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Em busca do som do futuro

Mesmo sendo uma banda relativamente novata, o Zé Maholics parece não deixar de propositalmente nos surpreender. É como se eles constantemente resolvessem nos presentear com seu amadurecimento ininterrupto. “A gente gravou o primeiro CD com seis meses de banda, sacou? A gente ainda estava muito cru em muita coisa. Depois que a gente gravou o CD, [vimos] o que poderia ter sido feito de forma diferente. […] A gente se conscientizou de muita coisa que rolou e, tipo assim, já começamos o novo processo de composição [de uma maneira] completamente diferente. […] A gente está no auge da criatividade. Estamos muito a fim de mostrar esse som para a galera.

“Esse som” se trata do futuro segundo álbum do grupo. Um disco repleto de músicas em português e com uma mensagem clara e acessível aos seus ouvintes. Desta vez estes não precisarão se preocupar em traduzir as letras. “A gente está para produzir o segundo álbum agora em Julho. […] A gente quer fazer um álbum em português. A gente gosta de fazer coisa crítica, tipo criticar bastante alguma coisa. […] Já temos as músicas, mas [estamos] em processo de rearranjar, de fazer demo e tal. Estamos trabalhando nelas. Em 2018 a gente vai gravar o álbum e espalhar o som por ai,” explica Guilherme sem deixar de conter sua empolgação com o futuro da banda que formou.

Entre diversos “rolês” e a busca incansável por aquele “som”, a banda veio para ficar e “fazer a cena crescer junto” dela. Talvez seja como Vinicius me disse, que o Espírito Santo hoje vive uma explosão musical que mudará nossas vidas e que não podemos deixar essa chama se apagar. Só o tempo nos dirá. Mas seja como for, a proposta do Zé Maholics é tão nítida quanto a pureza de seus integrantes: acalentar, com a batida, o calor e a súplica de sua alma, todos aqueles que vivem em tristeza. Ou seria tudo isso um truque? Se jogue no groove e descubra por si só!

Texto: João Depoli.

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