“A nossa pegada é fazer um som de qualidade.” Uma conversa com os idealizadores da Substance

Conversamos com os DJs Kalunga e Led Russo, criadores da Substance, sobre a festa, sua origem, motivações e o que teremos em 2018
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Foto: NightLife FTW! Multimedia
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No último dia 18, o Stone Pub foi o palco da última edição da Substance deste ano. Comandada pelos DJs Kalunga, Led Russo, Belotti, AVIV e Tuzzão, a noite reuniu o melhor do post-punk, synthpop e new wave e ainda trouxe mini especiais de The Smiths, The Cure, New Order e She Wants Revenge. A festa contou com um público variado, que ia desde os órfãos dos anos 80 aos simpatizantes do estilo — com direito até mesmo a alguns curiosos. O resultado foi um sucesso: todas as tribos dançaram juntas até altas horas da madrugada num entusiasmo incomparável.

Concebida em 2015, a festa surgiu como um dos eventos do grupo The Dark Street Project — núcleo criado em 2002 pelos DJs Angell, Kalunga, Led Russo e Belotti para difundir gêneros como gothic rock, synthpop, post-punk, EBM/industrial e darkwave. “O Angell tocando dark wave, eu misturando os dois lados, Led tocando os remix e Belotti no vinil, sabe? Foi linda a festa,” lembra Kalunga sobre a primeira edição do evento. “A gente juntou o útil ao agradável com a Substance,” pontua Led Russo, que chefia a festa junto de Kalunga.

Desde a sua primeira investida, o evento ganhou uma vida própria e já se tornou referência na cena alternativa local. O reconhecimento veio justamente pelo zelo que seus criadores têm com a qualidade do material que apresentam. “A Substance não é só mais uma festa anos 80. […] Tem muitas festas dos anos 80 que [caem] na baixaria. Toca Balão Mágico, Show da Xuxa… vira zoeira. A gente não tem essa pegada. A galera quer ouvir um som de qualidade. A nossa pegada é fazer um som de qualidade,” assegura Kalunga.

Além disso, é importante lembrar que estamos vivendo numa época de transição de ciclos culturais. O retorno da cultura oitentista em termos visuais, estéticos e televisivos também teve seu reflexo no tipo música que as pessoas querem ouvir. “A gente antecipou uma tendência fortíssima que veio com Stranger Things,” orgulha-se Kalunga. O timing não poderia ter sido mais adequado e certamente trouxe ótimos frutos à Substance, tanto que, recentemente, a festa expandiu seus horizontes e levou sua proposta à Cervejaria Mula Rouge e ao Halloween do Spirito Jazz On The Road na Casa Cor 2017. “Tocamos para um público diferenciado e [isso] abriu um outro leque. […] Isso vai abrir muitas portas para a gente.

A festa agora está de férias e com expectativa de retorno somente para Março. Sua diretoria, embora misteriosa, não consegue conter a ansiedade com os planos futuros. Garante que a próxima edição terá surpresas incríveis que ainda não podem ser divulgadas, pois estão “esperando a assinatura do contrato.

Confira abaixo a curta, porém descontraída conversa que fizemos com os DJs Kalunga e Led Russo antes de seus sets. No final, fomos inclusive surpreendidos pelo DJ Tuzzão, do grupo Antimofo, que acabou sendo amigavelmente forçado a participar da entrevista.

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Os DJs AVIV (esq.), Led Russo, Belotti, Kalunga e Tuzzão (Foto: Victor Haratani – NightLife FTW! Multimedia).

A festa de hoje é proveniente deste núcleo, The Dark Street Project, que foi criado em 2002. A Substance, no entanto, veio apenas em 2015. Por que levou tanto tempo para ela surgir?

Kalunga: Havia uma demanda que a gente percebeu que fugia um pouco do gótico. A Dark Street sempre foi uma coisa mais voltada para o gótico, mas sempre abraçou esse tipo de som que está rolando. A gente ia desde o dark wave até o post-punk — anos 80 e tal. E [à medida que] a gente foi ficando mais velho, cada um foi fazendo suas coisas e tal, e tudo estava meio devagar. Aí me deu uma luz e eu falei, ‘galera, vamos apresentar um projeto aqui pro Stone Pub? Tem uma galera que está querendo ouvir, uma nova geração que está querendo ouvir esse tipo de som, post-punk, synthpop, e ao mesmo tempo parece que ninguém está querendo fazer a parada. A gente está desde 2002 fazendo isso, né cara? Então, vamos fazer!’ A gente fez [a primeira edição] em Novembro de 2015. Eu lembro que gerou muita desconfiança, tanto da galera que não conhecia a gente quanto da galera que conhecia a gente. ‘Ah, tá indo para um lugar diferente e tal.’ Mas a festa foi do caralho, sabe? Foi perfeito! Cada um fez o seu som. O Angell tocando dark wave, eu misturando os dois lados, Led tocando os remix, Belotti no vinil, sabe? Foi linda a festa. E, assim, foi legal [que] a gente já chegou mandando bem. E é uma coisa que a gente conseguiu realmente pegar uma conexão com o que está rolando mesmo. Tem uma galera nova de 18, 19, 20 anos que quer ouvir esse tipo de som.

Led Russo: Tem outra questão também desse lance da Substance. Quando a Substance surgiu, o Belotti tinha o “Baú de Vinil” e o Angell estava fazendo a “Wave Goth” em outros locais. O que a gente fez? A Dark Street acabou virando uma produtora de eventos. Como cada um tinha o seu projeto, a gente acabou virando uma produtora de eventos.

Kalunga: A Substance é eu e Led. O Belotti tem o “Baú de Vinil” e o Angell tem a “Wave Goth”, que é mais voltada para bandas. A Dark Street na verdade virou uma produtora e seus membros produzem os seus eventos específicos.

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E por que esse estilo de música? O que ele desperta em vocês e o que vocês acham que ele desperta na galera? Por que vocês escolheram ele?

Kalunga: A gente deu uma sorte fodida. Na verdade, a gente não está tocando nada do que a gente já não tocava, entendeu? Só que a gente reformulou um conceito — eu e o Led — e a gente fez uma festa específica para synthpop e post-punk, porque a gente captou que tinha uma galera nova que estava querendo ouvir e tinha a nossa galera das antigas que estava no lucro. E, assim, o que o som desperta? Minha raiz musical é nos anos 80. Eu nasci em 76 e minha infância e adolescência foram todas nos anos 80, então todas as minhas referências estão lá. O Angell, por exemplo, é um pouco mais velho do que eu. Belotti então, mais velho ainda. Então foi legal que houvesse essa troca no início da Dark Street, porque eles já tinham idade para frequentar as festas daquela época, e eu não. Eu era um guri ainda — tinha 10, 12 anos, sacou? Na verdade a gente está trazendo agora essa vibe que a gente era muito moleque para curtir numa balada. E o mais louco foi o seguinte — é um ponto crucial para o sucesso da Substance —, a gente antecipou uma tendência fortíssima que veio com Stranger Things, que surgiu no segundo semestre de 2016.

Led Russo: Depois que a gente já estava na fita!

Kalunga: Então, assim, é muito gratificante a gente estar tocando um tipo de som e várias músicas mais underground que estão rolando na segunda temporada.

Led Russo: Tem música que a gente toca que está na trilha sonora.

Kalunga: Exatamente. Então, assim, se alguém está querendo surfar nessa onda… bicho, quem jogou essa onda primeiro aqui foi a gente! Então, a minha vibe é essa. Eu estou conseguindo curtir aquilo que eu só ouvia em casa. E pô, a gente também toca coisa nova.

Led Russo: A minha história é parecida também, porque eu também cresci nos anos 80 e também não tinha idade pra isso. Eu sou o mais novo da galera. Só que o meu diferencial é que eu gosto de música eletrônica.

Kalunga: O Led ele investe nos remix e isso é muito bom.

Led Russo: Eu acabo mixando e colocando o que eu gosto de música eletrônica nas minhas raízes dos anos 80. Minha característica é que eu toco as músicas dos anos 80, mas todas remixadas. Por isso a gente juntou o útil ao agradável com a Substance.

Kalunga: A ideia é que a gente antecipou um — está rolando uma explosão com esse negócio do Stranger Things — a gente antecipou em quase um ano e agora a gente está no rabo do foguete, aproveitando. Se a galera quer ouvir um oitentão bom e bandas atuais que sejam referentes a essa época, vai na Substance. Isso é muito gratificante.

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AVIV e Kalunga na Substance (Foto: Victor Haratani – NightLife FTW! Multimedia).

Eu vi que no mês passado vocês tocaram na Cervejaria Mula Rouge, no Centro de Vitória, e vocês também tocaram no Halloween do Spirito Jazz, lá na Casa Cor 2017. Como surgiu esse convite?

Kalunga: A Casa Cor foi uma relação que eu já tinha com o dono do Spirito Jazz. Ele curte muito essa vibe também. Eu fiz assessoria de imprensa do Spirito Jazz anos atrás.

Led Russo: Eu também já trabalhei com o Spirito Jazz através do Kalunga. Trabalhei com edição gráfica.

Kalunga: Aí surgiu esse convite. A gente marcou presença lá num lugar incrível e isso vai abrir muitas portas para a gente também. Tocamos para um público diferenciado e [isso] abriu um outro leque. Mas é bom frisar que a Substance não é só mais uma festa anos 80. A gente tem uma característica que a gente toca os hits, mas a gente tem um lance que a gente preza pela qualidade. Tem muitas festas dos anos 80 que [caem] na baixaria. Toca Balão Mágico, Show da Xuxa… vira zoeira. A gente não tem essa pegada. A galera quer ouvir um som de qualidade. A nossa pegada é fazer um som de qualidade.

Neste momento, o DJ Tuzzão [Antimofo] se aproximou para dizer que faltavam apenas cinco minutos para o início do set do Kalunga e acabou sendo coagido a participar da entrevista.

Tuzzão: Eu vim aqui para te avisar que faltam cinco minutos pro seu set.

Kalunga: É importante você pegar a fala do Tuzzão, porque ele foi um cara que acreditou na gente. Não é demagogia só porque ele apareceu aqui não. Tuzzão é um cara que acreditou na nossa festa desde o início, sacou? Está dando uma força e um suporte desde o início.

Como é que você vê a evolução desta festa nos últimos dois anos?

Kalunga: Lembra da primeira? Você imprimiu as fotos das bandas…

Tuzzão: Colocamos fotos de várias bandas ali no palco e tal. Cara, se tem uma coisa que eu gosto de ouvir é anos 80. Eu sou dos anos 80 também, um pouco mais novo que essa galera aí da Dark Street, mas minhas referências musicais são muito dos anos 80.

Led Russo: Todo mundo em Vitória é mais novo do que a galera da Dark Street. O mais novo sou eu, que tenho 40. Imagina o resto!

Tuzzão: É verdade. A gente tem a nossa festa retrô, que é anos 80 somente. Só que toca de tudo! Toca hard rock, toca pop, toca post-punk, toca bagaceira, toca Gretchen e não sei o quê. E quando o Kalunga veio com a ideia da Dark Street de fazer uma festa, Substance, ‘que vai ser uma festa mais dark wave, mais post-punk e tudo o que envolve esse mundo,’ aí eu falei, ‘caralho, massa demais,’ porque é uma coisa que eu curto pra caralho. A primeira vez que eu ouvi industrial foi aqui, na Substance, porque a gente não tem público pra isso nas nossas festas retrô. Quando a galera veio com ‘eu tenho um público que é dark,’ aí eu, ‘caralho!

Led Russo: Da primeira vez que a gente fez a festa aqui, foi uma festa mais dark. O nosso público é mais dark, então veio a galera tudo no estilo — o pessoal com salto plataforma. Só que misturou com o público da casa, que não está muito acostumado com isso. Aí ficaram assim, ‘pô, essa galera está na festa certa?’ Eles não sabiam que eu era DJ, e eu estava perto deles, aí eu fui escutando eles conversarem. ‘Será que esse pessoal veio para a festa certa?’ Aí todo mundo ficou meio assustado. Só sei que, no final da história, às três horas da manhã, essa menina que falou isso já estava dançando com o pessoal dark e se acabando na pista. Foi maneiro. A melhor resposta que a gente deu foi essa, foi o que a gente fez!

Kalunga: A primeira festa foi tão foda, que é difícil até superá-la. A gente conseguiu unir todo mundo, cara. E, assim, o seu apoio [do Tuzzão], a vibe que a gente teve junto também… A galera mais dark pirou na festa e a galera do Antimofo também curtiu. Aí criou um outro mundo à parte.

Essa é a última Substance do ano, com previsão de retorno somente para Março. O que a galera pode esperar da Substance no ano que vem?

Led Russo: A gente não pode falar na verdade.

Kalunga: Rapaz, tem um segredo muito bem guardado aí que não dá para falar. Eu estou só esperando a assinatura do contrato.

Tuzzão: Vai trazer o Robert Smith [The Cure].

Kalunga: É praticamente isso!

Texto: João Depoli.

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