A trajetória da Moreati em seu aprendizado eterno

Vitor Locatelli e Izac Almeida falam sobre a trajetória da Moreati, desde seus dias iniciais ao futuro álbum que lançarão em parceria com a Casa Verde
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Foto de capa: Marina Melim/Divulgação.
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A primeira vez que eu vi a Moreati foi em Outubro do ano passado, quando eles abriram o show da banda Spocks, no Stone Pub. Eu não me recordo muito bem daquela noite, mas algo naquela banda certamente me intrigou. Seria o fato de trios sempre serem instigantes? Um vocalista com quase dois metros de altura? Uma Jazzmaster plugada num Big Muff? Não sei dizer ao certo, mas sei que quando eu criei este site, eu sabia que nossos caminhos eventualmente se cruzariam — eu só não imaginei que seria tão difícil assim.

Foi um dos nossos melhores shows,” comenta Vitor Locatelli, vocalista e guitarrista, quando finalmente conseguimos nos encontrar para essa entrevista. Antes disso, eu estive com eles na Casa Verde, onde eles abriram o show da Melanina MCs, mas após passar a tarde inteira no Rock a Rock Festival com a Blackslug, eu estava chapado demais para conduzir uma entrevista séria. Remarcamos para uma outra ocasião que, assim como várias outras, também precisou ser cancelada. A dança continuou por um tempo, me levando a crer que eu nunca conseguiria vê-los — seria entrevistar a Moreati meu Chinese Democracy? Felizmente, a situação foi contornada em meados de Janeiro, quando finalmente nos encontramos para uma conversa às pressas — encaixada entre uma reunião e uma consulta médica.

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Quando eu conheci Vitor (esq.), Izac e Luiz na Casa Verde, em seu último show de 2017 (Foto: João Depoli).

Vem mais pra cá

Os primeiros indícios do que um dia seria a Moreati surgiram quando Vitor e um de seus amigos do IFES, o baterista Luiz Alves, se juntaram para tocar alguns covers de Strokes e Arctic Monkeys. “Acabou que lá que a gente começou essa primeira banda, e de lá pra frente a gente começou a se juntar, musicalmente falando,” lembra Locatelli sobre sua formação musical durante aqueles entediantes anos de curso técnico.

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Enquanto os dois se divertiam nessa recém formada empreitada, Izac Almeida ainda não fazia parte de banda alguma e sequer era um baixista. Na época, era apenas um dos maiores incentivadores de Vitor, seu primo. “Eu era meio que o roadie e um dos maiores entusiastas dos caras. Estava sempre na primeira fileira, gritando e tal. Eu achava o máximo,” lembra Izac, que foi então persuadido pelos amigos a aprender os caminhos do baixo. “Eu comecei meio que tardiamente mesmo, eu tinha mais de 19 anos. Mas aí eu comecei a pegar justamente quando surgiu a ideia de fazer algo autoral e diferente.

E eu nem sei seu nome

Como você já deve ter notado, Moreati não é o sobrenome de nenhum dos três, embora muitas pessoas insistam em assumir que é — como no caso do Pink Floyd: “by the way, which one’s Pink?”. Na verdade, o nome foi ideia do baterista, que um dia levou Moriarty (o antagonista do famoso detetive Sherlock Holmes) ao resto da banda. Também ávidos fãs de Sir Arthur Conan Doyle, Locatelli e Almeida logo transformaram a sugestão em Moreati. “É um nome próprio talvez. Serve para qualquer lado [tanto inglês quanto português] e a gente queria uma coisa assim, algo mais universal. Um nome próprio, um nome forte. Um monte de gente até brinca que é tipo, ‘amor e arte’,” explica Izac.

A banda, no entanto, surgiu apenas no final de 2015, quando Vitor regressou de um intercâmbio de 14 meses na Inglaterra. Inspirado pelo movimento e pela identidade musical britânica, seu objetivo era bem claro: produzir sua própria música. “Começamos direto com composições autorais,” afirma o guitarrista cheio de orgulho. Apesar da determinação e impulso, Vitor confessa que achava que a sonoridade da banda culminaria em algo um pouco mais voltado ao indie rock que já lhe era tão familiar. No entanto, a identidade sonora do grupo foi incrementada quando o trio se voltou a uma miríade de opções até então esquecidas, mas que sempre estiveram ali, dentro de suas próprias casas.

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“A gente não teve nenhuma influência direta, mas foi uma expansão de ouvir coisas novas. Ouvir muita coisa nacional, muita coisa que a gente não ouvia,” comenta Izac sobre as referências que a banda usou para enriquecer seu trabalho. “A gente começou a ouvir muito a produção brasileira dos anos 70 e 80, que tinham umas coisas muito sensacionais. A época da Tropicália, a época dos Mutantes e essa coisa de fazer rock em português. Trabalhar com alguns elementos muito brasileiros assim na música e tal, acho que isso que deu um gás maior pra gente encontrar o nosso som,” conclui o vocalista.

A vontade de tentar

Apesar de louvável, abandonar sua zona de conforto é uma tarefa laboriosa que requer muito suor. “É uma agonia fazer o português soar legal,” confessa Locatelli sobre sua escolha de fazer músicas em sua língua materna. “Eu me expresso muito melhor em português do que em inglês, [mas] tenho que ficar mexendo com as palavras, usando muita metáfora, muita coisa assim […] É um pouco mais desafiador.

E esse desafio veio à tona em Maio de 2017, com a divulgação de um vídeo dirigido por Julia Galdino, em que Vitor sozinho toca a música “Algum Lugar”. “Tinha uma ansiedade nossa de querer mostrar o que estava acontecendo e […] parecia mais fácil lançar essa música, uma versão simplificada, para mostrar uma das nossas facetas,” revela o baixista. “Rolava um medo das pessoas acharem, ‘puta, então vai ser essa vibe? Essa música é a vibe da banda?’ Eu insisti bastante com os moleques que não tinha nada disso. Mesmo que tenha essa primeira vibe, terão outras. São várias vibes.

Preocupados ou não com o impacto que uma performance eletroacústica pudesse ter com os olhos curiosos de seu público ainda em formação, a Moreati não esperou muito para mostrar mais uma de suas “várias vibes”. Apenas onze dias depois de “Algum Lugar”, a banda disponibilizou “Desde Moleque”, um vídeo idealizado pelo próprio baterista. Desta vez, o registro apresentou uma sonoridade mais completa, com uma performance da Moreati como um todo. Em termos visuais, exibiu em time-lapse uma viagem de carro por vários pontos que compõem a paisagem das cidades de Vitória e Vila Velha, o playground de seus integrantes. “Acho que trazer essa localidade para a parada é legal para a pessoa se identificar. É uma identidade que representa o lugar de onde a gente pertence,” afirma Vitor convicto. “Eu acho que tem tudo a ver com essa música… Acho que casa,” finaliza Almeida.

Com uma ideia e um lugar

Dar a cara a tapa no meio digital pode parecer algo ousado, mas o trio sabia muito bem que a verdadeira provação só viria depois que eles encarassem seu público num duelo ao vivo. Somente assim seus expectadores poderiam realmente absorver a proposta da Moreati e dar seu veredicto final sobre a relevância e longevidade da banda — o bom e velho tudo ou nada. E com esta tarefa em mente, a banda conseguiu arquitetar para que a sua primeira apresentação ocorresse menos de um mês após a introdução de seus vídeos. Assim, no dia 08 de Junho, a banda tocou junto da Mean Mustards na Casa Verde, no Centro de Vitória.

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A oportunidade veio após o trio descobrir e se apaixonar por esta icônica casa de shows. “Quando a gente encontrou a Casa Verde, a gente, tipo, encontrou o nosso sonho. Esse lugar é pra música autoral, traz gente de todo o canto. A galera de outros estados que não é banda mainstream, mas está no rolê fazendo as paradas, consegue tocar aqui. O corre de fazer acontecer total. E a gente se identificou muito com isso e começou a frequentar bastante lá,” revela o vocalista, que foi surpreendido com um inusitado convite para tocar no local após ter apenas pedido a opinião de Heitor Righetti (um dos responsáveis pelo espaço) sobre os vídeos que acabara de publicar. “Quando os caras ouviram, eles gostaram, e aí acabou que a gente se tornou amigos. Eles entenderam que a nossa vibe e o nosso rolê eram muito parecidos com os deles também — que é pegar e fazer as paradas e tentar inventar jeitos de fazer coisas que outras pessoas não fazem,” esclarece Vitor.

Quanto ao show em si, Vitor, Izac e Luiz estavam tão concentrados em sua performance que — envoltos naquela terrível apreensão de que qualquer erro poderia resultar num lastimável salto em direção ao suicídio artístico — mal tiveram a chance de notar o que realmente estava acontecendo. “Sinceramente, eu não me lembro muito do show. Eu estava numa pilha pesada e eu só me lembro de estar muito concentrado,” recorda Locatelli. Almeida, por sua vez, diz que: “eu não olhei para as pessoas e toquei o show quase que de costas.” Para a sorte da banda, tudo correu bem — tão bem que eles inclusive receberam aquela máxima negativa capixaba: “nossa, de onde vocês são?”, como se nada que prestasse pudesse vir daqui.

Do suor do trabalho vem a glória

Revigorados pela repercussão positiva de seu primeiro show e motivados pela vontade e necessidade de um constante amadurecimento, a banda não perdeu tempo e usou o restante de 2017 para fazer as coisas acontecerem a seu favor. Descolou novos shows, tocou de graça, organizou seus próprios eventos, se apresentou fora da cidade e até participou de séries online como o 4º Studio Apresenta e o Ao Vivo na Sala de Estar. Trabalho duro, conhecer as pessoas certas ou sorte? “É um pouco de tudo. Eu acho que é muito pela nossa vontade de fazer as coisas acontecerem e colar em tudo quanto era canto,” pontua Vitor. “Acho que isso ajudou muito, pois as pessoas foram vendo e foi muito assim: de um show foi saindo um convite ou alguma parada que levava para um show, e deste para outro e assim por diante. [Isso] deixa a gente feliz e empolgado para continuar. As paradas rolam se você trabalhar em cima.

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Curiosamente, o décimo e último show do primeiro ano em que a banda esteve efetivamente ativa aconteceu novamente na Casa Verde, fechando um ciclo que culminaria numa parceria ainda maior. “Não foi planejado, mas foi totalmente isso: começar e fechar um ciclo. Acabou que foi exatamente cinco meses e um dia depois do nosso primeiro show lá. Foi o nosso décimo show e foi o show que a gente escolheu para parar as atividades nesse ano. [Agora,] a gente está preparando material para gravar,” afirma o vocalista ao anunciar que o primeiro álbum da Moreati será feito na própria Casa Verde. “Foram eles que meio que abraçaram o nosso rolê. A gente achou mais apropriado. A gente se encontrou com várias pessoas que deram um apoio legal, só que acabou que foi meio que isso que pesou: ver os caras que estavam com a gente, que entenderam mais nossa proposta e que estão dispostos a fazer essa proposta daqui pra frente rolar.

A liberdade e o existir

Após uma série de apresentações e com as gravações do novo álbum já em andamento, a Moreati ainda se pega tentando compreender tudo o que aconteceu nesta sua curta trajetória. “Pra gente é até estranho. A gente olha pra um ano atrás e não estava… não tinha nada pronto. A gente ficou de cara como as coisas andaram e como que é engraçado o jeito que a gente almeja as coisas e elas vêm de uma maneira diferente,” afirma Vitor em meio a um sorriso confuso, porém triunfante. “É um aprendizado eterno. […] Eu acho que foi muito importante a gente ter passado tanto tempo ensaiando — e a gente não queria nem começar essa leva de shows. Mas ao mesmo tempo, era uma necessidade já de mostrar a banda,” pontua Izac. “Primeiro a gente queria ter essa experiência de palco. Ter o feedback da galera quanto às músicas e isso ajudou muito a mudá-las e escolher o que era mais a nossa cara. Esses shows foram massa para criar essa estrutura forte para a gente gravar,” finaliza o vocalista acerca do processo que os levou a escolher as oito canções que estarão em seu disco de estreia.

Como John Lennon uma vez comentou, estar presente no agora é a verdadeira mensagem do rock ‘n’ roll, e é bem nítido o quão importante isso é para a Moreati. Manter a banda ativa dentro deste cenário musical e colaborar com o seu constante crescimento tornou-se uma prioridade. “A gente sempre tenta puxar um pensamento o mais pé no chão possível, […] e conhecendo toda essa galera do cenário e como as coisas funcionam aqui em Vitória, é só animação que dá, porque o negócio é lindo e é gratidão absoluta a todo mundo que ajudou demais e ajuda o tempo inteiro. A galera faz o rolê aqui no estado acontecer,” afirma Almeida. “Logo quando começamos a banda, a gente viu que também começaram a aparecer várias pessoas com projetos para divulgar a música capixaba, divulgar a música autoral. O pessoal está se unindo de novo para fazer a coisa acontecer. E a gente espera que isso continue. Todo mundo vai se ajudar e fazer a parada acontecer,” finaliza Locatelli.

E eu farei o possível para cumprir a minha parte.

Texto: João Depoli.

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