Moreati mistura reflexões, desabafos e amores em ‘Algum Lugar’, seu disco de estreia

Após divulgar seu primeiro videoclipe oficial, power trio faz sua estreia com álbum de rock alternativo forrado por elementos da nova e velha psicodelia nacional
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Alves (esq.), Almeida e Locatelli formam o power trio Moreati (Crédito: Marina Melim).
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“Sempre foi feeling e mistura, trabalho e emoção. Essa é a realização de um sonho para nós três, algo que há dois anos não era nem plano”, comenta o vocalista e guitarrista Vitor Locatelli sobre Algum Lugar, o álbum de estreia do power trio Moreati. Disponibilizado nas plataformas digitais no dia 5 de setembro (e com direito a um show de lançamento no palco do Viradão Vitória, na Casa Porto), o disco conta com oito faixas que discutem uma miríade de sentimentos que revolvem entre amor e revolta.

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‘Algum Lugar’ é o disco de estreia do power trio Moreati (Crédito: Jéssica Lobo/Divulgação).

“O desenvolver do disco se deu de maneira muito natural e completamente diferente do que esperávamos. Nós três, passageiros de primeira viagem, adentramos no universo da criação sem um norte definido, o som foi levando a gente para onde parecia certo”, comenta Locatelli acerca da natureza incidental do álbum. “A teimosia e a vontade de fazer são um ponto forte em comum de nós três, é talvez o que mais faz a Moreati funcionar”, garante o músico sobre sua banda, que inclusive foi a responsável pela produção de Algum Lugar.

Em termos de gravação, mixagem e masterização das canções, tais processos ficaram a cargo do músico Gil Mello (Subtrópico), que recebeu a banda na icônica Casa Verde. “Quando a gente encontrou a Casa Verde, a gente, tipo, encontrou o nosso sonho. Esse lugar é pra música autoral, traz gente de todo o canto. […] A gente se identificou muito com isso e começou a frequentar bastante lá. Foram eles que meio que abraçaram o nosso rolê”, lembra Locatelli sobre a casa de shows onde a Moreati fez seu primeiro e último show antes de iniciar o ciclo de gravação que culminou no disco.

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“A gente não teve nenhuma influência direta, mas foi uma expansão de ouvir coisas novas. Ouvir muita coisa nacional, muita coisa que a gente não ouvia”, comenta Izac sobre as referências que a banda empregou para construir o conjunto de Algum Lugar, que transita pela sonoridade de veteranos como Os Mutantes e Novos Baianos a atos mais recentes, como Ventre e Boogarins. “A gente começou a ouvir muito a produção brasileira dos anos 70 e 80, que tinham umas coisas muito sensacionais. A época da Tropicália, a época dos Mutantes e essa coisa de fazer rock em português. Trabalhar com alguns elementos muito brasileiros assim na música e tal, acho que isso que deu um gás maior pra gente encontrar o nosso som”, pontua o vocalista.

+ Leia também: A trajetória da Moreati em seu aprendizado eterno.

Em termos de trajetória, o primeiro lançamento da Moreati curiosamente foi um vídeo eletroacústico liberado em maio de 2017 da faixa que hoje dá título ao álbum. “Tinha uma ansiedade nossa de querer mostrar o que estava acontecendo e […] parecia mais fácil lançar essa música, uma versão simplificada, para mostrar uma das nossas facetas,” explica o baixista Izac Almeida.

Para deixar a mística ainda mais carregada, “Algum Lugar” recentemente se tornou o primeiro single oficial do trio, sendo contemplado com seu próprio videoclipe. Ele, por sua vez, foi filmado no Centro Histórico da capital, dirigido por Luiza Grillo e foi destaque em diversos veículos de comunicação nacional. Mostra Locatelli, Almeida e o baterista Luiz Alves divididos entre angústia, desespero e calmaria enquanto percorrem as ruas da cidade. Fechando o ciclo, a canção foi inclusive escolhida para encerrar o disco.

Mas antes de chegar lá, o álbum abre com a rítmica “Dança”, a única canção de Algum Lugar abaixo da faixa de quatro minutos. “O convite veio pra mim/Como faz pra resistir/Eu vi meu corpo a lambar/Ela e seu sapato de pista/Seu suingue intimista/Garota vou te amar”, canta Locatelli em seus versos lascivos.

Como uma espécie de grito de liberdade, na sequência vem “Moldado”. Ela introduz uma atmosfera sombria e silenciosa em que o vocalista praticamente se afoga em sussurros durante seus versos antes de chegar à superfície num refrão explosivo. “Meu bem, não quero mais ser julgado/Meu amor, não quero mais ser amado/Não quero mais você”, desabafa.

Sua terceira faixa, “Cortejo”, é uma das mais emblemáticas da Moreati, dispondo de vários dos elementos que melhor resumem seu trabalho: vocais provocativos, batidas cadenciadas, linhas de baixo edificantes e a dualidade entre guitarras atmosféricas e agressivas. A canção inclusive já havia sido imortalizada pelo grupo em sua passagem por algumas séries online no ano passado, como o 4º Studio Apresenta e o Ao Vivo na Sala de Estar.

“Hoje me olharam torto na rua/Mas não quero nem saber/Fiquei pensando que o motivo de um sorriso/Muitas vezes não dá pra entender”, canta Vitor no verso de abertura de “Cidadão de Bem”, fazendo uma crítica desavergonhadamente contemporânea não só ao povo capixaba, mas brasileiro. “Cabe ao cidadão de bem/Entender que não é quem/Dirige o carro popular do ano pode julgar quem anda de mãos dados com fulano que de dia não convém”.

Ainda no clima de crítica, a contemplativa “Desde Moleque” funciona como um processo de autoanálise. Nela, após meditar sobre as particularidades de sua criação, Locatelli finalmente compreende que “não é para o outro que se busca o sim, mas para a vontade de ser e a de pensar”. A música se desenrola como uma narrativa em cima de um compasso que se propaga por quase cinco minutos. Enquanto baixo e bateria trabalham nesse loop, a angústia das guitarras acompanha o ouvinte pelas diferentes constatações do eu lírico.

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A sexta faixa do álbum é tão descarada quanto seu título, “Vem Me Ver”. Trata-se de um convite feito de uma maneira inocente e até mesmo nostálgica, como se Locatelli pedisse para a pessoa encontra-lo após pegar um filme numa locadora. “Dá pra ver que o que mais quero da noite é você”, canta como se entregasse afobado as suas intenções àquela pessoa—um erro comum entre todos nós.

Chegando em seus momentos finais, a banda introduz a experimental e espacial “Carta”. “Passo os dias calmo/Amanhã quem sabe é o fim”, canta Vitor antes de uma explosão de fuzz e wah wah que abre caminho para toda a melancolia da derradeira “Algum Lugar”, que se estende por quase sete minutos. “Quero ficar por aqui/Não quero falar, me deixa sumir”, suplica o guitarrista amarrando todas as sensações apresentadas nessa estreia.

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Almeida (esq.), Locatelli e Alves ao vivo no Correria Music Bar (Crédito: Victória Dessaune/Divulgação).

Em seus quase quarenta minutos, o álbum de estreia da Moreati reúne desabafos, reflexões, paixões e amores. São oito canções construídas numa base de rock alternativo envolta em elementos da nova e velha psicodelia nacional, exibindo traços de inocência e maturidade, assim como diversão e seriedade.

Escute abaixo essa viagem ao interior de Locatelli, Almeida e Alves e veja se você também consegue chegar a algum lugar.

Texto: João Depoli | @joaodepoli.

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