Joana Bentes encontra maturidade e restauração em seu primeiro álbum

Fruto do encontro consigo mesma, ‘A Gota do Mar Contém o Oceano Inteiro’ chega para marcar um novo ciclo à trajetória da cantora
joana-bentes-quéli-unfer
Joana Bentes na capa de seu primeiro álbum (Crédito: Quéli Unfer).
PUBLICIDADE

A primeira vez que eu escrevi sobre a Joana Bentes foi na segunda semana de vida do Inferno Santo, ainda em novembro de 2017. Na época, ela tinha acabado de soltar um clipe terrivelmente lindo pra “Saudade é Amor”, a música que encerra seu EP de estreia, ‘Entre’, lançado no ano anterior. Desde que este clipe saiu, eu me aprofundei ainda mais em sua carreira, acompanhando cheio de entusiasmo e curiosidade seus singles posteriores, tocando suas canções na rádio enquanto eu ainda colaborava no Sorvetinho FM e discutindo sua obra com quaisquer outros admiradores que eu encontrava — até conheci uma garota que tinha o nome de uma das músicas de Joana tatuado no braço. Diante disso, dá pra imaginar como foi uma excelente notícia ser surpreendido com a chegada de ‘A Gota do Mar Contém o Oceano Inteiro’, seu primeiro álbum de estúdio, apenas dezesseis dias depois do lançamento do single “Kintsugi”.

Idealizado, escrito e produzido pela própria artista durante o catastrófico ano de 2020, o disco evidencia o amadurecimento de Joana como compositora ao longo desses últimos cinco anos desde sua estreia. Em suas oito faixas — inclusive com direito a uma releitura de Gilberto Gil em “Preciso Aprender a Só Ser” — percebem-se certos traços estéticos com os quais Bentes ainda não havia se arriscado profundamente nos singles anteriores. Todas as camadas eletrônicas de teclados, sintetizadores, batidas e demais elementos do universo pop e R&B moderno escapam da tradicional e orgânica MPB de seus trabalhos anteriores. No entanto, tudo isso é incorporado às novas canções com tanta delicadeza, exatidão e zelo que parece até que estamos ouvindo seu quarto disco.

PUBLICIDADE

“Em um ano onde se vive uma situação limite numa esfera mundial, o encontro consigo mesma, proporcionado inclusive pelo isolamento social, pode ser visto como ‘o bônus da pandemia’”, pontua Bentes. “O retorno à essência, ao que não se pode viver sem, diz também da autoaceitação, do autoamor, de ‘eu não posso viver sem mim’. A essência fundamental de existir”.

Trabalhadas em cima da montanha-russa de sensações de um ano inteiro em isolamento social, as canções de ‘A Gota do Mar Contém o Oceano Inteiro’ tratam tanto de angústia, ansiedade e impossibilidade quanto introspecção, reflexão e experimentação — dividindo a obra ao meio. Propositalmente, tal recorte funciona como uma espécie de distinção entre lados A e B, estando estes devidamente separados pela faixa 5, o single “Kintsugi”, que remete a uma técnica centenária japonesa de restauração de cerâmicas danificadas com ouro. Inclusive, esta canção surgiu ao público acompanhada de um videoclipe no qual a própria Joana se submete ao processo, primeiro cobrindo-se em argila (mineral empregado na produção de peças cerâmicas) e posteriormente raspando sua cabeça. Tudo isso se encerra na própria capa do disco, onde ela surge restaurada em ouro, celebrando e entrando em sintonia com suas imperfeições, conforme prega o método japonês.

O destaque dessa jornada fica com a envolvente “Todo Dia”, que quando você acha que está acabando, te surpreende com uma sublime mensagem de voz que chega do nada antes do último refrão, elevando absurdamente uma canção que já era maravilhosa. Outro momento incrível desse trabalho é “Ventania”, uma música com uma linda melodia e que agrupa todas as qualidades da atual fase de Joana. “Ela se tornou uma canção que mexe sempre muito comigo. Quando a toco e chego ao final, a sensação que eu tenho é a de que terminei uma espécie de oração”, confessa a cantora.

Chega de enrolação e tire logo um tempinho para escutar essa lindeza:


Texto: João Depoli | @joaodepoli.

Mais do Inferno Santo