“She’s got laser eyes pointed to your girlfriend’s boobs.”
Quando a Bolt fez o anúncio de que o Zémaria estaria em terras capixabas para um show (“o primeiro e talvez o último do ano,” nas palavras da própria Sanny Lys), eu sabia que, de um jeito ou de outro, eu estaria lá. Outra boa surpresa foi a notícia de que, no dia seguinte, o Liverpub Vitória faria a primeira edição de um evento voltado à mistura de sons autorais capixabas com Cainã e a Vizinhança do Espelho, Haren e GAVI como as atrações convidadas. Confesso que a princípio fiquei um pouco intrigado com a escolha das bandas, mas a ideia logo me pareceu extremamente promissora, especialmente porque eu já estava ansioso por um show desta galera. Poder ver os três juntos numa só noite seria o cenário ideal.
Zémaria
Apesar de meus amigos mais próximos não estarem na cidade naquele fim de semana, eu não perderia a chance de ver tanta gente boa. Enrolei o máximo que pude na madrugada de sábado para domingo e mesmo sozinho fui correndo para a Bolt para assistir ao show do Zémaria — depois de tantos anos sem vê-los.
Como todo bom frequentador das festas do Antimofo há mais de uma década, chega a ser redundante dizer que várias das minhas noites já se cruzaram com o pessoal do Zémaria ao longo dos anos. Eu não perdia sequer um show e o mais engraçado é que eu ainda me lembro o quão obcecado pela Sanny eu era naquele tempo. Quando ela cantava repetidamente o trecho “she’s got laser eyes,” eu, numa espécie de replay ridículo da minha puberdade, ficava lá, incrivelmente assombrado e irremediavelmente hipnotizado. Era como se apenas nós dois estivéssemos lá enquanto ela sussurrava a letra da música no canto do meu ouvido — quase que como naquela música da banda A Perfect Circle, “The Nurse Who Loved Me”, em que o narrador hospitalizado vive a ilusão de que sua enfermeira está louca de amores por ele, quando na verdade ela só está fazendo o seu trabalho.
Mesmo que desta vez não tenha rolado “Laser Eyes”, o show foi definitivamente memorável. Logo de cara, Sanny já se derreteu para o público da Bolt e lançou um, “essa é a melhor cidade e a melhor plateia do mundo.” Quando a vocalista começa o show com uma afirmação tão genuína e poderosa, você pode se preparar, pois já sabe que dali só virão coisas boas. A galera entendeu muito bem o recado e dançou, gritou e cantou cada uma das canções, que transitaram por toda a carreira do grupo, com destaque aos clássicos “Jardim Camburi” e “Rio Bananal”.
Embora tudo tenha saído muito bem, o show me pareceu um tanto curto. É claro que eu aguentaria mais umas duas horas de Zémaria, e talvez isso seja um daqueles pedidos incômodos do meu fã interior, inquieto e irritante, mas talvez umas outras três músicas não teriam feito mal a ninguém. Uma boa dose de nostalgia nunca é demais! De qualquer forma, foi ótimo ver a banda tão entrosada depois de tantos anos — destaque para o NegoLéo na bateria, que monstro!
Sunday Festival
No dia seguinte, eram quase sete da noite (se bem que hoje em dia o termo coreto deveria ser sete da tarde, pois o sol ainda estava rachando) quando cheguei nos arredores do Liverpub. Logo de cara fui surpreendido pelo Caio Paranaguá, da banda Haren, que gentilmente me deu um ingresso para entrar no Sunday Festival — valeu, Caio! Com ele também estavam os sublimes representantes do rock de Linhares, Antonio Mathias (baixista da Cainã e a Vizinhança do Espelho) e Weksley Gama (vocalista e guitarrista do Envolto) — que prontamente me pagou uma Heineken quando cheguei! Se a tarde (ou noite) já estava ótima ali fora, imagina depois dos três shows?
Após um papo com Weksley sobre a mixagem do novo disco do Envolto e uma divertida conversa sobre a psicologia de se gravar bandas com Igor Comério (Estúdio Voadora), entramos no Liverpub para assistir ao primeiro show da noite: Cainã e a Vizinhança do Espelho. Coincidentemente, a ocasião marcava a primeira apresentação da banda desde o lançamento de seu álbum de estreia, O Último Disco do Ano — que saiu exatamente às 23h59 do dia 31 de Dezembro de 2017!
Eu estava bastante ansioso, pois esperava por esse show já há algum tempo. O resultado realmente me impressionou e foi um verdadeiro tapa na cara. Técnica, carisma, originalidade, entrosamento, maestria e descontração se confundiram numa incrível performance. Que músicas foram aquelas? Fenomenais! Que pena que esses shows são tão curtos. Quem foi que estipulou que os shows têm que durar apenas uma hora? Isso é um ultraje!
Brincadeiras à parte, a apresentação foi sensacional e, para deixar a situação ainda melhor, eu pude entrevistar a banda pouco depois e devo admitir que eles são tão convictos e talentosos quanto sinceros e divertidos. Um belo grupo de amigos que juntos formam umas das melhores bandas que eu tive o prazer de conhecer e conversar nos últimos tempos.
Se o show da Vizinhança do Espelho foi uma aula de belas composições, arranjos precisos, timbres espaciais e letras instigantes, a próxima apresentação seria o exato oposto — não que isso seja ruim. Pelo contrário! A galera da Haren reviveu toda aquela onda debochada e enérgica que veio surfando direto da Califórnia e tomou conta de todo mundo que pisou num skate no início dos anos 2000. Foi uma muito bem executada mistura de nostalgia e contemporaneidade.
O trio não foi nada diferente do que já é na vida real fora do palco. Não existem personagens ali, nem mesmo roteiros ou preocupações exacerbadas com as frequências que seus instrumentos transmitem ao público. A única motivação que move esta banda é transmitir da maneira mais espontânea possível tudo o que está em seu coração. Mesmo em meio a certos imprevistos (como microfones que deixaram de funcionar algumas vezes), a banda não perdeu a compostura e em momento algum exibiu aqueles nítidos sinais de desespero amador. Sempre cheia de bom humor, mostrou que sabe lidar muito bem com qualquer situação e ainda fazer uma bela entrega de suas canções.
Eu já havia assistido a um show deles na Prainha e na época confesso que não fiquei muito impressionado. Devo dizer, no entanto, que vê-los no Liverpub desta vez foi uma experiência à parte. Realmente alucinante. Danças, cantorias, participações especiais da galera da banda Outras Velharias, uns curtos moshs e muitas risadas foi o que ganhamos naquele show. Me senti de volta à adolescência, quando sonhava em poder estar em San Diego para ver um show do blink-182. Infelizmente, isso nunca aconteceu, mas agora eu posso dizer que pelo menos eu vi a Haren no Liverpub!
Para fechar a noite, quem subiu ao palco foi a cantora GAVI, que apresentou alguns covers e as músicas de seu EP, A Conta Gotas. Quem em algum momento conseguiu desviar olhar de sua cativante performance, certamente percebeu que ela não estava acompanhada por nenhuma banda. Ao seu lado tinha apenas uma pessoa: ninguém menos que o multi-instrumentalista Lucas Arruda. Mas, convenhamos, quem precisa de uma banda quando se está tocando com Lucas Arruda? O cara é fantástico e um verdadeiro mestre de seu ofício. Sabe muito bem quando ceder os holofotes e quando deve devidamente roubá-los de volta para si. Impressionante. Que dupla!
Quanto à GAVI, embora a cantora tenha frisado diversas vezes que estava gripada e sem voz, tudo o que sua garganta produziu naquela noite beirava a excelência. Quanta segurança, tranquilidade e controle vocal podem se juntar numa única pessoa? Bem, pergunte para ela, pois aquela mulher tem tudo isso de sobra. Chega a ser invejável! Ela teve a casa toda na palma de suas mãos durante todo o seu repertório e soube usar isso muito bem. Que bela apresentação! Em vias de lançar um novo clipe (mais uma parceria com Gabriel Hand, da banda Auri), é certo dizer que ela ainda vai dar muito o que falar.
Zémaria, Cainã e a Vizinhança do Espelho, Haren e GAVI, tudo isso em menos de 24 horas. Eletrônico, psicodélico, punk e pop. Que bela mistura e que fim de semana memorável! Definitivamente precisamos de mais eventos assim!
Texto e foto de capa: João Depoli.