“Como cada um entende o mundo de uma maneira, às vezes fico até reticente em fechar uma ideia. Mas para mim, sim, é um disco carregado… ou pelo menos que me toca emocionalmente.” Sinceras e autoexplicativas, essas são as palavras escolhidas por Aroldo Sampaio para sintetizar o melancólico Born To Be Blue, seu oitavo e mais novo álbum. Com treze canções instrumentais que transmitem a sensação de um passeio solitário, reflexivo e de autoconhecimento, o conjunto foi orquestrado para ser uma espécie de ode à melancolia. “É um disco de certa forma com um conceito, [desde o] título e encarte [às] músicas”, explica. “Em vez de diluir em alguns discos estas tais músicas, resolvi juntar tudo no mesmo”.
Com participações de Ronnie Silveira, Juba, Marcos Tadeu, Ângela Volpato e Maycon Costa, o álbum foi composto, gravado, mixado e masterizado por Aroldo no Estúdio Oficina, em Cachoeiro de Itapemirim. Para celebrar seu lançamento, até um coquetel de boas-vindas ele ganhou—algo até então inédito na longa carreira do guitarrista, compositor e produtor cachoeirense. Em parceria com a Citron Instrumentos Musicais (uma das patrocinadoras de sua nova investida sonora) e acompanhado dos músicos Diego Gomes (baixo) e Ronnie Silveira (bateria), Sampaio apresentou no dia 31 de julho o conteúdo do disco pela primeira vez ao público de sua cidade natal—a mesma de Roberto Carlos e Sérgio Sampaio (sim, seu primo). Mas vamos ao que interessa.
É difícil falar de um álbum instrumental sem antes mencionar o óbvio: músicas assim são complicadas para o ouvinte despreparado—e, por vezes, ignoradas por completo. Muitos atribuem a força de uma canção ao seu conteúdo lírico, ao jogo de palavras, à voz do cantor, sua desenvoltura e até mesmo à sua aparência. Em última análise, no entanto, o que prevalece são sempre as melodias. Letras inteligentes e arranjos virtuosos são importantes, claro, mas eles impressionam. Boas melodias tocam, sejam elas linhas de voz ou não, e boa parte de Born To Be Blue é repleta disso: melodias tocantes. E, convenhamos, a melancolia é muito mais cool!
Escutar um álbum assim é como assistir a um filme na sua cabeça. Seu roteiro pode ser um trabalho de ficção ou baseado puramente em ‘fatos reais’—ou até mesmo ambos. Para se ter o melhor dessa experiência, sua audição deve ser feita como manda o ritual: som alto, sozinho, um sofá e uma boa bebida em mãos. Dessa forma, em seus exatos 60 minutos, o ouvinte poderá assistir às projeções que seu subconsciente constrói enquanto é gerido pelas canções de Sampaio.
Tendo dito isso, Born To Be Blue começa com “Kayxa de Musga”, uma digna abertura para se transmitir de imediato toda a sensação de desolação e nostalgia que toma conta dessa viagem. O dedilhado solitário de um violão posteriormente aliado a uns riffs em slide projetam a cena de uma bailarina dançando num parque vazio no inverno, como uma tentativa desesperada de aquecer seu coração partido. Já a faixa seguinte, “When Winter Comes”, exibe uma pegada mais elétrica e pungente, como se o responsável pela condição da bailarina caminhasse para longe, arrependido do que fez.
Esse foi apenas um trecho da história que se passou pela minha cabeça ao escutar o disco e, não, não pretendo relatar aqui ao filme que ‘assisti’. Em contrapartida, devo dizer que, à medida que o álbum segue, novas esferas sensoriais são constantemente introduzidas à ‘trama’, evidenciando a riqueza da sensibilidade do guitarrista como um compositor instrumental.
Em relação às canções, embora elas compartilhem a mesma temática, curiosamente soam bem distintas quando analisadas pontualmente—dando pistas aos mais entendidos da obra de Sampaio sobre a possível era em que foram compostas. Em “Still There And Everywhere – Nº 2” e “Ensaio Sobre a Cegueira” aparecem arranjos mais atmosféricos e solos mais encorpados à la David Gilmour, enquanto “O Não e o Nada – O Sim e o Tudo” devolve o protagonismo sonoro ao seu tão querido blues. Indiscutivelmente, os destaques vão para as incríveis “Standard Treatment” e “Delicada”, que conseguem mesclar muito bem todas as nuances e sensações propostas.
Além de ótimas músicas e um senso de humor aguçado (títulos como “Sadness is a Cold Gun”, “Still There And Everywhere”, “Ensaio Sobre a Cegueira” e “Torre de Babel” trazem à tona algumas de suas inspirações tanto musicais quanto cinematográficas), Born To Be Blue também revela uma outra faceta de Aroldo: a de fotógrafo. Em seu encarte, o músico separou sessenta imagens que captou ao longo do tempo para transmitir a ideia principal do disco.
O álbum físico pode ser adquirido em Cachoeiro de Itapemirim e em breve ele será disponibilizado nas plataformas digitais de Sampaio.
Texto: João Depoli | @joaodepoli.