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Fabio Mozine: “Não vai haver mudança nenhuma no mundo.”

Músico e empresário underground dono da Läjä Records expõe toda sua frustração com o povo brasileiro nesse período de quarentena
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Vila-velhense honorário, Fabio Mozine encontrou destaque na música quando a banda na qual é baixista, Mukeka di Rato, lançou seu disco de estreia, o icônico Pasqualin na Terra do Xupa-Kabra (1997). Desde então, ele se envolveu com os grupos Os Pedrero, Merda e Merdada, fez turnês pelo mundo e lançou vários álbuns, EPs, singles e demos pelo caminho. Atualmente, aquilo que mais lhe mantém ativo é a Läjä Records, selo que fundou há mais de 20 anos e por onde lança outros artistas, vende seu merchandising e dá vazão às suas demais criações (como o famoso Crackinho).

Confira abaixo a íntegra da conversa que tivemos e não deixe de ler sua participação ao lado de Fepaschoal, Gabriela Brown, Luíza Boê, Thiago Stein (DOZZ) e Edson Sagaz (Suspeitos na Mira) no segundo episódio da série Quarentalks.

João Depoli: Nós brasileiros acompanhamos com relativa antecedência a evolução dessa pandemia ao redor do mundo. Ainda assim, o ato de entrar em quarentena provou-se ser algo mais fácil de ser compreendido na teoria do que na prática. Você acredita que estava preparado para isso?

Fabio Mozine: Na verdade eu me mostrei extremamente despreparado. Foi horrível pra mim ficar em casa. Angustiante demais. Não consegui. Obviamente que, quando eu saí, eu não fui pra bares, não fui pra praia. Mas eu ia muito pro meu local de trabalho — eu tenho três locais diferentes: são visitas aos correios, visitas à estamparia e visitas a um estoque. Eu fui muito pra esses locais — cheio de álcool, cheio de máscaras, mas fui. Mas agora, acabou que, de uma forma obrigada, eu comecei a fazer uma quarentena ultra rígida, porque eu sofri um acidente, quebrei a perna. E em relação ao que eu vejo do povo, acho ele escroto. Cada vez odeio mais o brasileiro, esse país e, se eu pudesse, eu ia embora desse país.

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Como você tem lidado com o fato de que parte de suas atividades, planos e até mesmo fontes de renda foram reduzidas, adiadas ou até mesmo extintas?

Eu sempre fui bom em me reinventar, velho. Vou dar um exemplo bem claro: eu vivi uma situação extremamente folgada no meu selo quando eu trabalhava com CDs. Eu tava em “céu de brigadeiro” — vou usar essa expressão. CD vendia pra caralho, eu tinha as melhores bandas do Brasil no meu selo e, de repente, do dia pra noite, o CD parou de vender, sacou? E eu fui me reinventando: eu passei a investir em merchandising, LP, etc. Então a pandemia não atingiu tanto assim os meus negócios, porque eu tenho uma lojinha virtual. Por um lado, até que pessoas começaram a comprar mais. O que atingiu mesmo foram as individualidades, cara. As bobeiras. Vontade de assistir o futebol, vontade de ir pra rua, sacou? E às vezes o cérebro não funciona como deveria funcionar, sacou? O que qualquer pessoa com um pingo de decência, um pingo de inteligência, deveria falar nesse momento? “Foda-se o futebol”, sacou? Mas às vezes a emoção não trabalha assim com a razão. Às vezes fico em casa puto, assim: “porra, era pra tá na rua agora, vendo futebol e tal”. Mas eu acho que pelo menos profissionalmente não me afetou tanto não.

Desde que entramos nessa, vimos que o isolamento teve diversos reflexos nas pessoas. Enquanto uns não notaram muita diferença em seu cotidiano, alguns viram seus problemas com depressão sendo amplificados, outros passaram por crises de ansiedade e mais. Como tem sido a sua adaptação a esse período?

Antes de eu sofrer esse acidente caseiro que eu quebrei a perna, eu estava menos deprimido. Mas também eu estava descontando na bebida, na cachaça, né? Bebendo mais do que eu já bebo. E, de uma certa forma, como eu te falei, eu consigo trabalhar de casa, então eu sinto a angústia de outras pessoas, como amigos meus que têm um comércio que está fechado ou amigos que estão fazendo turnê e viu todas as suas datas sendo canceladas. Os caras estão desesperados. Essas pessoas ficaram mais deprimidas do que eu num primeiro momento, mas depois que eu sofri esse acidente, eu fiquei muito triste e comecei a viver essa fase dessa tristeza agora. Mas tá passando já.

“Tá todo mundo pouco se fodendo pra vida do outro e é assim que o brasileiro é.”

Enquanto alguns defendem que o isolamento deve ser absoluto, outros o enxergam como um exagero e toda essa discussão parece apenas amplificar esse período de extrema divisão social que já vivemos. Nesse contexto, o que você acha que esse momento significa para nós como sociedade?

Na verdade, os caras conseguiram politizar até isso aí, né? A impressão que dá é que: “quem é de esquerda fica em casa e quem é de direita vai pra rua”. É lógico que o chefe supremo da nação tá falando que é pra ir pra rua, quem é que vai acreditar em quem? O governador fala uma coisa, o prefeito de uma cidade daquele estado fala outra e o presidente fala outra. É uma confusão do caralho. Mas, na verdade, o que mostra mesmo é que o povo não tem empatia com ninguém, com a vida de ninguém e tá todo mundo pouco se fodendo pra vida do outro e é assim que o brasileiro é. Verdadeira farsa do brasileiro é essa.

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Fabio Mozine (Crédito: Reprodução/YouTube).

Acha que é possível tirarmos algo positivo de um período como esse?

Não, eu acho que não vamos tirar nada de positivo disso aí. Acho que vai morrer gente pra caralho. Tá todo mundo pouco se fodendo pra quem tá morrendo, que geralmente é quem é mais pobre. Rico morre também, mas muitos ricos vão pra hospitais particulares. Eu acho que, quando voltar à normalidade e passar algum tempinho aí… 6 meses depois, vai tudo ser a mesma merda. Ninguém vai aprender nada. Todo mundo vai ser capitalista igual. A empatia vai ser a mesma merda e não vai haver mudança nenhuma no mundo. Vai ser tudo igual.

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Num foco mais pessoal, o que você descobriu sobre si mesmo ou aprendeu nesse período de introspecção?

Eu aprendi que, sei lá, que eu sou um cara meio descontrolado, que o simples ato de ficar em casa já me deixou meio nervoso, ansioso. E tem uma coisa que não é segredo pra ninguém: eu descontei mais na bebida do que nunca. Fiquei vários dias em casa, bêbado, e eu não precisava ter ficado. Descobri que sou um cara que não tem muito autocontrole.

“Eu fico pensando qual seria a reação das pessoas se todo dia às 18h eu abrisse a minha janela e colocasse Slayer alto pra caralho.”

Quando se trata de compor ou trabalhar num projeto criativo, muitas pessoas naturalmente buscam um certo isolamento. Esse período tem sido favorável para você nesse sentido?

De uma certa forma sim. Eu sou um cara que sempre desenha muito. Sempre tô desenhando. Eu não preciso de isolamento pra fazer isso, porque os desenhos são simples, né? Não são obras de arte, são uns rabiscos no papel. E eu faço em qualquer lugar, às vezes faço em guardanapo, em papel de caderno, papel de pão. Mas, pelo fato de ficar em casa, eu ficava sentado numa bancada com um caderno fazendo um desenho atrás do outro. Algumas ideias fluíam mais mesmo e, pelo fato de ter um pouco mais de tempo, eu consegui finalizar a demo do Merda. Tinha muito tempo que tava ali… Mas não é nada que eu não teria feito também sem a pandemia. Vou te falar que, se não fosse a pandemia, talvez eu já estaria em São Paulo gravando, mas tô agarrado aqui nessa merda. Mas… por um lado — tô tentando ser positivo, mas tá difícil — eu parei e eu tive um pouco mais de tempo pra fazer isso. De pegar o iPhone, gravar umas músicas, já que estamos à distância, né? Então eu pegava um papel e escrevia letra lá e sobrou algum tempinho pra isso. Eu também tenho um livro inacabado aqui que eu preciso fazer a correção ortográfica e além disso eu preciso rever alguns trechinhos que eu coloquei uns asteriscos. Se eu conseguir fazer isso, eu diria que utilizei bem o meu tempo da pandemia. Vamos ver se eu consigo, porque pelo visto vai ter muita pandemia ainda.

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Mukeka di Rato (Crédito: Marina Melcher).

Como você espera que o seu trabalho possa contribuir tanto no período durante quanto no pós-quarentena?

Sinceramente, eu acho que o meu trabalho musical não vai contribuir em nada pra pandemia, cara. Eu tenho um vizinho aqui que todo dia às 18h toca músicas religiosas. Altaço na varanda, com um piano, canta altíssimo, berrando. Ele é meio Pavarotti. Então, eu acredito que alguns vizinhos — pessoas mais emocionadas, mais religiosas, mais abertas — se emocionem, sacou? Quando ele toca, ele me irrita profundamente, tá ligado? Eu fico puto quando ele começa a tocar essa merda. E eu fico pensando qual seria a reação das pessoas se todo dia às 18h eu abrisse a minha janela e colocasse Slayer alto pra caralho. Tocasse Slayer por 15 minutos todo dia às 18h, tá ligado? Não que eu não ouça som alto aqui em casa e que já não tenha incomodado várias pessoas, mas sei lá… ocasionou, sacou? Eu tô aqui em casa com um amigo meu: “vamos ouvir um som?”, aí eu boto um Slayer, passa das 22h e eu incomodo alguém. Eu não estou todo dia botando uma caixa na janela e dizendo: “Aí pessoal, olha o Slayer pra acalmar vocês”. Então eu acho que a pessoa tem uma visão monocromática. “Estou falando de Deus, então estou agradando o outro”. A minha música do Merda vai agradar a quem gosta do Merda, sacou? Quem sempre gostou das minhas bandas. Não vai acalmar ninguém. É igual essas “lives”. Cara, eu não suporto. Quando eu entro numa live sem querer eu já saio em um segundo, sacou? No começo eu cheguei a fazer duas ou três lives, mas depois parei de fazer, porque eu acho ridículo. Na minha live eu tava ficando bebão e falando merda, ou seja, igual o Rick & Ricardo, Maiara e Maraisa. Qual a diferença? Os caras só ficam bêbados e falando merda. Vários assuntos desinteressantes, pessoas desinteressantes entrevistando pessoas desinteressantes. Acho que estão forçando a barra de querer fazer muita coisa para divertir os outros na pandemia e não tá dando certo.

Por fim, muito se especula sobre como será o convívio social num período pós-quarentena e os seus impactos em toda a cadeia musical. Quais são as suas expectativas para esse novo capítulo?

Eu acho que, quem tem lojas virtuais igual eu tenho — vou dar outros exemplos pra não ficar falando só da Läjä —, tipo a Sabot, que são nossos parceiros de São Paulo, eles tão conseguindo se virar, tão conseguindo vender. Eu vi que o pessoal do Surra — que é uma banda que eu lanço — eles lançaram um disco novo e eu vi que eles postaram várias caixinhas com vários CDzinhos. Acho que quem faz esses trampos de entrega pelo correio vai se dar bem. A Läjä recebe uma merreca de royalties de streaming. Então, quando iniciou-se a pandemia, falaram: “isso vai melhorar muito” e “vai aumentar muito a venda online de streaming”. Não aumentou. Mesma coisa. Se bobear até piorou. E já colhi esses dados com outras pessoas, veio a mesma coisa. Ou seja, não aumentou o número de cliques no streaming. Cara, eu vou te falar uma parada. Vamos supor que estamos em agosto e falem: “a curva da pandemia abaixou, hein? Tá quase acabando”. Eu particularmente não sei se eu iria num show de uma banda num local lotado sabendo que ainda há o risco desse vírus. Não sei se eu iria não, velho. Tô sendo muito sincero com você. Vamos colocar aí: já não tem muito público pras bandas, sacou? A banda de hardcore toca e dá umas 100, 200 pessoas. Imagina que uns 30% não vai querer ir, por um pouco de medo. Essa galera da música, do circo, do teatro, da aglomeração, da cultura, essa galera foi a mais prejudicada. Foi a primeira a ser prejudicada e com certeza vai ser a última a conseguir restabelecer suas atividades normalmente.

Texto: João Depoli | @joaodepoli.

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