Magro (Solveris): “Quem vem de baixo tá acostumado a se superar”.

Cheio de garra e positividade, o rapper falou com a gente sobre como essa pandemia não vai derrubá-lo
Magro (Crédito: Thiago Bruno).
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Marco de Almeida Filho, também conhecido como Magro, é um rapper capixaba idealizador e fundador do coletivo Vala Cultura Urbana, que além de lançar diversos nomes do rap no estado, teve como um de seus principais frutos o grupo Solveris, que surgiu da união do nosso entrevistado a Morenna, 6ok e Leozí. Juntos eles ganharam uma notoriedade astronômica com toda leveza e malevolência de seu rap e soul, tanto é que seu álbum de estreia, o divertidíssimo ‘Vida Clássica’, foi sem dúvida alguma um dos melhores discos de 2018.

Em carreira solo, Magro lançou um EP colaborativo com seu parceiro 6ok em 2019 chamado ‘Amores Frescos’, seguindo então com uma maré de singles vindos de colaborações com Vk Mac, Gabriela Brown, GAVI, Lamart e mais. Foi só em julho de 2020 que ele resolveu realmente assumir o comando da coisa e soltar um EP de fato solo. Intitulado ‘Mais Um Rapaz Comum’, o registro conta com três faixas autobiográficas que refletem todo o otimismo e determinação do artista — especialmente quando considerado o panorama em que estamos todos inseridos no momento.

Confira abaixo a íntegra da conversa que tivemos e saiba quais são suas reflexões sobre esses últimos meses de pandemia. Aproveite também para ler as entrevistas que fizemos com outros artistas capixabas que participaram da série Quarentalks clicando aqui.

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João Depoli: Nós brasileiros acompanhamos com relativa antecedência a evolução dessa pandemia ao redor do mundo. Ainda assim, o ato de entrar em quarentena provou-se ser algo mais fácil de ser compreendido na teoria do que na prática. Você acredita que estava preparado para isso?

Magro: Com certeza eu não estava preparado, fui realmente pego de surpresa. Eu tava no corre de mudança. Passei o carnaval procurando apartamento e consegui encontrar [um] na quarta-feira de cinzas. A quarentena foi decretada um dia antes de eu me mudar aqui pro Cristóvão Colombo, em Vila Velha. No começo foi tudo ok, vários corres pra fazer na casa nova e tal, só que as semanas foram passando e eu, como sou rato de rua, senti demais. Imagina passar a quarentena numa kitnet sem janela na sala, na cozinha?! Não tem sido fácil, mas tamo aqui pra ser positivo.

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Magro (Crédito: Thiago Bruno).

Como você tem lidado com o fato de que parte de suas atividades, planos e até mesmo fontes de renda foram reduzidas, adiadas ou até mesmo extintas?

Tem um ditado que aprendi com a minha mãe que carrego comigo: “A necessidade faz o sapo pular” [risos]. Não tem jeito, a gente precisa ser criativo. A internet tá ai pra gente poder trabalhar com ela, aprender a promover a nossa arte, a vender nossos produtos. Quem vem de baixo tá acostumado a se superar.

Desde que entramos nessa, vimos que o isolamento teve diversos reflexos nas pessoas. Enquanto uns não notaram muita diferença em seu cotidiano, alguns viram seus problemas com depressão sendo amplificados, outros passaram por crises de ansiedade e mais. Como tem sido a sua adaptação a esse período?

Eu quero que a depressão se foda pra lá! Eu não nasci pra sofrer, mano. Quando vem a bad eu só penso no meu filho e em todas as pessoas que eu já influenciei. Eu nasci pra ser um exemplo de superação, eu já entendi isso. Podem vir as maiores tribulações que eu vou estar aqui, firmão pra bater de frente. Eu tenho Deus comigo e pessoas que me amam e acreditam em mim e isso pra mim basta. Eu tenho um propósito e nada vai me desfocar disso.

“Eu tenho um propósito e nada vai me desfocar disso”.

Enquanto alguns defendem que o isolamento deve ser absoluto, outros o enxergam como um exagero e toda essa discussão parece apenas amplificar esse período de extrema divisão social que já vivemos. Nesse contexto, o que você acha que esse momento significa para nós como sociedade?

Acredito que esse momento é importante pra deixar cada vez mais claro o quão enorme é a desigualdade social no Brasil. Eu tenho visto muitas coisas que têm me agradado. As pessoas estão se ajudando, estão mais preocupadas com o próximo e isso é ótimo. Se formos olhar para o lado político é que a conversa começa a ficar triste.

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Acha que é possível tirarmos algo positivo de um período como esse?

Eu tô aqui pra ser positivo. Com certeza, toda crise tem seu lado positivo. Eu posso falar na minha realidade, eu estou passando muito mais tempo com o meu filho e isso tem sido incrível pra mim. Tava tudo muito corrido, e eu mesmo não estava dando o valor devido às coisas que são realmente importantes na vida. Cada um no seu mundo, cada um na sua vivência. Eu tenho certeza que todo mundo tem uma história positiva pra contar nessa pandemia.

Num foco mais pessoal, o que você descobriu sobre si mesmo ou aprendeu nesse período de introspecção?

Sim, posso falar duas coisas importantíssimas. Primeira: eu preciso ser mais presente com as pessoas que realmente me querem bem. Segunda: cada vez mais trazer minha positividade, que fala muito sobre a minha essência, pro meu trabalho artístico. As pessoas precisam disso.

“Vou fazer acontecer com vírus ou sem vírus”.

Quando se trata de compor ou trabalhar num projeto criativo, muitas pessoas naturalmente buscam um certo isolamento. Esse período tem sido favorável para você nesse sentido?

Tem sido muito favorável. Além de lançar oficialmente o meu selo musical, o meu primeiro EP solo, ‘Mais Um Rapaz Comum’, saiu na quarentena. A faixa 1, “Guerreiro de Fé”, eu compus no dia que descobri que meu pai estava com Covid-19. Logo depois da gente conversar via FaceTime e ele já no respirador. Eu precisava expurgar o que tava guardado dentro de mim. A faixa 2, “Tô Buscando o Que é Meu”, eu fiz de freestyle no dia da minha mudança e gravei no celular mesmo. Eu precisava compor sobre esse novo ciclo. E a faixa 3, “Tudo Quente”, eu escrevi no ônibus a caminho do estúdio, no Flexal 2. Eu tinha acabado de ter o primeiro desentendimento com a minha namorada. Foi uma coisa muito boba, mas eu precisava falar sobre isso [risos].

Como você espera que o seu trabalho possa contribuir tanto no período durante quanto no pós-quarentena?

Meu trabalho se tornou contar a minha própria história de vida de uma forma positiva. Eu sei que muita gente vai se identificar com isso, afinal eu sou apenas um rapaz comum.

Por fim, muito se especula sobre como será o convívio social num período pós-quarentena e os seus impactos em toda a cadeia musical. Quais são as suas expectativas para esse novo capítulo?

Minha expectativa é fazer meu trampo girar na internet. O caminho é esse. Trazer a minha verdade numa estética que faça sentido com o que eu sou. Tem muito trabalho do Magro ainda. Vou fazer acontecer com vírus ou sem vírus.

Texto: João Depoli | @joaodepoli.

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