Everton Radaell: “Tem sido algo muito novo pro nosso emocional e mental associar sem ‘quebrar’.”

Leia na íntegra o papo que tive com o Everton Radaell (Auri) sobre esse período de quarentena e os seus desdobramentos atuais e futuros
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Everton Radaell no palco com a banda Auri (Crédito: Micaelly Rupf).
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Everton Radaell é o vocalista e guitarrista da Auri, uma banda que atualmente divide com Bruno “Kanela” (bateria), Thaysa Pizzolato (teclados e sintetizadores), Danilo Galdino (guitarra) e Bernardo John (baixo). Sua estreia veio com o EP Resiliência (2018), um conjunto de cinco canções que misturam rock, indie e progressivo com elementos de R&B, MPB e samba. Seu trabalho mais recente chama-se “Quintal”, um single com produção, mixagem e masterização assinadas por Toledo e Leonardo Ramos da banda Supercombo — uma das grandes influências de Radaell e companhia. Lançada em 2019 junto de um videoclipe à la anos 80, a música também ganhou uma tocante versão desplugada que, se não for tão boa quanto, é até melhor que a original.

Confira abaixo a íntegra da conversa que tivemos e não deixe de ler sua participação ao lado de Gabriela Terra (My Magical Glowing Lens), Sandro Juliati (Volapuque, Mukeka di Rato), Leonardo Machado (Blackslug), Gimu e Axânt no quarto episódio da série Quarentalks.

João Depoli: Nós brasileiros acompanhamos com relativa antecedência a evolução dessa pandemia ao redor do mundo. Ainda assim, o ato de entrar em quarentena provou-se ser algo mais fácil de ser compreendido na teoria do que na prática. Você acredita que estava preparado para isso?

A gente nunca está preparado psicológica e emocionalmente de fato quando chega a hora e é necessário encarar uma determinada situação, mesmo que haja uma antecipação da notícia [risos]. E mesmo agora, meses depois, já com o isolamento e pandemia entendida por mim e pelo coletivo geral, ainda sinto que não digeri totalmente e definitivamente o que de fato é e tem sido essa situação atual. A mudança foi tão repentina e ”do nada” que o tempo de adaptação não foi suficiente pra ficha cair.

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Como você tem lidado com o fato de que parte de suas atividades, planos e até mesmo fontes de renda foram reduzidas, adiadas ou até mesmo extintas?

Financeiramente falando, o impacto não foi tão grande pra mim, porque, fora a Auri, meus trabalhos já eram mais concentrados em home office (seja trampos de design, ou edição de vídeo e produção). O que mais tem me pesado tem sido sobre as atividades e planos, porque o isolamento acaba reduzindo as possibilidades. A Auri, por exemplo, estava no processo final do lançamento de um single novo — faltava gravação de backing vocals e do clipe — e esse projeto precisou ser congelado, porque sem se encontrar não seria possível finalizá-lo pra conseguir efetuar seu lançamento da melhor maneira que imaginávamos. Também nos planejávamos para a gravação de um novo disco, mas, por conta da pandemia, o mesmo deve ser adiado. É complicado, pois a maioria das coisas que eu amo e os projetos que tenho mais apreço exigem uma certa dedicação e cuidado que com o isolamento e pandemia acaba não rolando de serem produzidos. O jeito é ter paciência até tudo normalizar ou pensar em outras soluções.

Desde que entramos nessa, vimos que o isolamento teve diversos reflexos nas pessoas. Enquanto uns não notaram muita diferença em seu cotidiano, alguns viram seus problemas com depressão sendo amplificados, outros passaram por crises de ansiedade e mais. Como tem sido a sua adaptação a esse período?

Tem sido uma montanha russa pra mim — dias bem e outros nem tanto. Nós somos seres adaptáveis, mas toda essa situação se deu de uma forma muito repentina e tem sido algo muito novo pro nosso emocional e mental associar sem de fato ”quebrar”. Também somos seres sociáveis e essa pandemia só deixou claro, ao meu ver, quais são as coisas que de fato importam nessa vida e quais as que mais nos fazem falta. Acho que é uma época que nos convida a olhar tudo com novos olhos e de uma outra perspectiva. Que nos força a aprender e entender que precisamos caminhar de uma maneira mais devagar e que tá tudo bem em ser assim. Minha força motriz tem sido isso: ressignificar minha própria vida, entender o que de fato é importante e o que não é. Analisar tudo de uma maneira micro e não macro, com mais calma, sobre meu passado e sobre meus planos futuros. Abraçar essas coisas pequenas.

“Se a vida fosse uma casa, a arte seria suas janelas, exatamente por ser aquilo que quebra, que é escape, que nos dá uma nova visão e é respiro.”

Enquanto alguns defendem que o isolamento deve ser absoluto, outros o enxergam como um exagero e toda essa discussão parece apenas amplificar esse período de extrema divisão social que já vivemos. Nesse contexto, o que você acha que esse momento significa para nós como sociedade?

Pra mim, o fator mais importante é que o isolamento não é algo que afeta só o ”eu”, mas sim o ”nós”. Por isso toda escolha tomada perante a pandemia deve ser feita de maneira responsável e entendendo quais são as suas consequências. Tudo isso significa para nós, como sociedade, um momento de aprender sobre EMPATIA. Sobre reforçar o entendimento de que vivemos de forma coletiva e que o micro afeta e interfere diretamente no macro.

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Everto Radaell (Crédito: Micaelly Rupf).

Acha que é possível tirarmos algo positivo de um período como esse?

Como disse nas respostas anteriores, acredito que estamos vivendo um período que nos convida a olhar a vida de uma outra perspectiva. A entender que tá tudo bem em ir mais devagar — já que vivemos numa cultura que influencia o consumo e a produção desenfreada, e que com isso acaba gerando uma sociedade automaticamente mais ansiosa também. O isolamento também nos evidenciou o que de fato faz falta e é importante para nós seres humanos em relação a estarmos mental e emocionalmente bem. Dinheiro é necessário para sobrevivermos, mas as pessoas que conseguiram uma certa estabilidade financeira no isolamento ainda assim se encontraram com problemas, porque de fato não é isso que nos nutre como seres humanos emocionais. Acredito que o isolamento e a pandemia nos trouxeram mais clareza sobre o que de fato é importante e o que não é. Eu costumo dizer que, se a vida fosse uma casa, a arte seria suas janelas, exatamente por ser aquilo que quebra, que é escape, que nos dá uma nova visão e é respiro. Por isso a arte é tão importante. Não se trata somente de entretenimento, mas sim de necessidade. E, no isolamento, acredito que ficou mais claro toda a sua importância e o quão ela pode ser poderosa em nos manter bem. “Art Saves Lives”. Eu realmente espero que pós pandemia esse entendimento sobre sua importância se mantenha.

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Num foco mais pessoal, o que você descobriu sobre si mesmo ou aprendeu nesse período de introspecção?

Nesse período, eu meio que iniciei e dei o start em alguns projetos que vinha alimentando interesse faz algum tempo. Nos últimos meses eu tive meus primeiros trabalhos como produtor musical. Um deles foi um single chamado “Aurora”, da banda The Man With No Color, que vai ser o seu debut na cena e tem sido um trabalho que estou muito orgulhoso do resultado final. Logo logo eles devem fazer o lançamento da música. Também produzi o primeiro single do artista Felipe Bertrand, chamado “Tudo Vai Dar Certo”, e ambos foram gravados, mixados e masterizados lá na Gama SoundZ Studio pelo incrível Felipe Gama. Depois que dirigi o clipe de “Quintal”, no ano passado, eu tive a vontade de começar a trabalhar com vídeos focados para a cena musical e, no início desse ano, eu comecei a ter demanda relacionada a isso. Estou dirigindo o clipe de um single do projeto solo do José Daniel, vocalista da Últimos Mustangues, que deve retomar a gravação pós pandemia. Também fiz a captação de imagem através do estúdio Bravo para alguns trabalhos de outras bandas e artistas capixabas e tenho feito vídeos pra uma empresa de pedais de efeito daqui bem massa chamada VTR Effects, do meu amigo Ítalo Frota. Além disso, produzi capas para algumas bandas e artistas que foram produzidas e gravadas pelo Jackson Pinheiro. Então foi um período no qual eu pude aprender e desenvolver várias técnicas relacionadas a vídeo, design e produção que futuramente poderei aplicar na minha própria banda também. Mesmo com a Auri parada devido ao isolamento, fiquei feliz em poder ajudar outros artistas e bandas da cena com alguma contribuição, além de perceber que consigo ampliar minha área de atuação.

“A arte é uma ferramenta poderosíssima e de fato pode salvar alguém quando sua mensagem é canalizada e usada com esse propósito.”

Quando se trata de compor ou trabalhar num projeto criativo, muitas pessoas naturalmente buscam um certo isolamento. Esse período tem sido favorável para você nesse sentido?

Especificamente sobre a Auri, não tanto, pois já tínhamos muitas coisas novas na gaveta e da qual minha parte — que seria a composição das músicas e conceito geral — já estava finalizada. Nosso processo acaba sendo muito colaborativo e coletivo pós isso, que seria a parte de pré-produção, arranjos e afins. Gostamos e fazemos esse processo em ensaios lá no Mantra — estúdio do Guilherme Madeira e do nosso baixista Bernardo John —, primeiro porque tem funcionado melhor e tem sido como trabalhamos — nosso single novo foi assim — e segundo porque nem todos da banda têm equipamentos necessários para conseguirmos fazer essa produção de maneira remota. Mas encontramos uma solução bem legal de lançar um material ”novo” bem diferente e de forma que funcionasse mesmo no isolamento. Em breve devemos comentar mais sobre isso [risos]. Mas tenho conseguido me ocupar contribuindo e ajudando em/com outros projetos, bandas e artistas da cena. Seja na produção de capas, vídeos, direção e produção. Também comecei o projeto de montar um Room Studio pra conseguir ampliar minhas ferramentas e conseguir produzir outros novos conteúdos.

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Everton Radaell (Crédito: Yvã Santos).

Como você espera que o seu trabalho possa contribuir tanto no período durante quanto no pós-quarentena?

Eu pessoalmente gosto quando a arte é usada de maneira que venha a somar e ajudar na vida das pessoas. Acredito que a arte é uma ferramenta poderosíssima e de fato pode salvar alguém quando sua mensagem é canalizada e usada com esse propósito. Arte por arte é válida, mas pra mim não tem o mesmo valor. Então, sempre tento trabalhar com essa filosofia de tentar produzir, compor e criar algo que possa somar ou trazer algo de positivo pra quem o for consumir. Estamos vivendo um período delicado emocional e psicologicamente falando, pois nos foram tiradas coisas que são muito importantes para nossa saúde mental e emocional, então espero que essas produções que tenho feito, sejam elas musicais ou visuais, possam ser escape para amenizar todo esse caos e ajudem as pessoas a passarem por essa situação de uma maneira melhor.

Por fim, muito se especula sobre como será o convívio social num período pós-quarentena e os seus impactos em toda a cadeia musical. Quais são as suas expectativas para esse novo capítulo?

Eu realmente espero que no futuro tudo se normalize, porque a música é feita por pessoas, para pessoas, e acho muito importante esse contato e troca física. Graças a ela que conhecemos novos lugares, novas pessoas, vivências e temos experiências fora da nossa bolha e zona de conforto. Acho isso fundamental para nosso crescimento como artistas e seres humanos. Viver sem isso, artisticamente falando, é como se só tivéssemos 50% ou menos de toda a experiência incrível que é trabalhar com arte.

Texto: João Depoli | @joaodepoli.

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