Juliano Gauche: “Uma nova visão de sociedade pode nascer a partir de agora.”

Leia na íntegra o papo que tive com o Juliano Gauche sobre esse período de quarentena e os seus desdobramentos atuais e futuros
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Juliano Gauche (Crédito: Ellen Flegler/Divulgação).
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Natural de de Ecoporanga, Juliano Gauche é um cantor e compositor que ganhou notoriedade com a banda Solana. Após sua dissolução, mudou-se para São Paulo e deu início à sua carreira solo. Hoje com três álbuns na bagagem, o músico segue em divulgação de seu novo EP, Bombyx Mori (2020).

Confira abaixo a íntegra da conversa que tivemos e não deixe de ler sua participação ao lado de Ana Müller, Dan Abranches, Rafael Braz, Cainã Morellato e Hugo Ali no primeiro episódio da série Quarentalks.

João Depoli: Nós brasileiros acompanhamos com relativa antecedência a evolução dessa pandemia ao redor do mundo. Ainda assim, o ato de entrar em quarentena provou-se ser algo mais fácil de ser compreendido na teoria do que na prática. Você acredita que estava preparado para isso?

Juliano Gauche: Como tudo que acontece fora do Brasil, essa informação parecia distante demais da nossa realidade. A ficha só caiu quando os shows foram cancelados. Foi um baque pra mim. Demorei umas duas semanas para aceitar que não tinha mesmo o que fazer a respeito. E até hoje, quando a ideia de que tem um vírus à solta matando tanta gente me pega no meio de um afazer, é um choque. Não dá pra digerir uma coisas dessas, não. Fica atravessado na garganta.

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Como você tem lidado com o fato de que parte de suas atividades, planos e até mesmo fontes de renda foram reduzidas, adiadas ou até mesmo extintas?

Tendo em vista a realidade da grande parte do nosso povo, meus problemas ficam minúsculos. Esse joguete que estão fazendo com a saúde pública, as complicações com o auxílio emergencial e a indústria de desinformação promovida pelos aliados do presidente é que tem me deixado angustiado. Isso está nos levando a um caos assustador. Meu custo de vida é baixo. Meus direitos autorais ainda estão entrando — um pouco mais reduzidos, mas estão entrando. Isso e outras entradas menores aqui e ali, me garantem o necessário.

“A resistência ao isolamento, em grande parte, vem de quem não consegue abrir mão do seu conforto em prol do coletivo”.

Desde que entramos nessa, vimos que o isolamento teve diversos reflexos nas pessoas. Enquanto uns não notaram muita diferença em seu cotidiano, alguns viram seus problemas com depressão sendo amplificados, outros passaram por crises de ansiedade e mais. Como tem sido a sua adaptação a esse período?

Nesse ponto eu estou tranquilo. Nos últimos anos eu andei mergulhando fundo nas filosofias espiritualistas. Já estava mesmo vivendo mais recluso. Meus últimos discos, Afastamento e Bombyx Mori, já eram um reflexo disso, por exemplo. Tudo indicava que passaríamos por um momento turbulento neste momento. A tal fase de transição. Já estava esperando por algo assim. Claro, achei que fosse algo mais metafórico. Mas já estava atento. Eu acredito na perfeição do universo no qual estamos inseridos. Tudo que acontece é para o nosso bem. Tento colocar esse pensamento à frente. Isso é parte do que me dá forças.

Enquanto alguns defendem que o isolamento deve ser absoluto, outros o enxergam como um exagero e toda essa discussão parece apenas amplificar esse período de extrema divisão social que já vivemos. Nesse contexto, o que você acha que esse momento significa para nós como sociedade?

Esse momento está nos pedindo, justamente, que pensemos no outro. A resistência ao isolamento, em grande parte, vem de quem não consegue abrir mão do seu conforto em prol do coletivo. Uma outra parte está sendo manipulada, assim como foram nas eleições, e não tem estrutura mental para resistir a isso. Essa mistura de egoísmo e preguiça de pensar é que está protagonizando essa resistência mórbida. Infelizmente, tudo indica que aprenderemos da pior maneira possível que estamos todos conectados. Que o bem de um é o bem de todos.

Acha que é possível tirarmos algo positivo de um período como esse?

Sim. Tem muitas lições sendo dadas nessa pandemia. Que a nossa força está no povo. Se o povo para, tudo para. Que as empresas, sem o trabalhador, não têm poder nenhum. Que as igrejas são um negócio — vide o desespero na falta do dízimo, insistindo em querer manter seus fiéis aglomerados em tempos de pandemia. Que quando não estamos sendo pressionados pelo sistema capitalista, podemos nos ver como realmente somos. Tenho visto muita gente aproveitando este momento para fazer o que sempre quis fazer e mudando de ramo, por exemplo. Enfim, uma nova visão de sociedade pode nascer a partir de agora.

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Juliano Gauche (Crédito: Ellen Flegler/Divulgação).

Num foco mais pessoal, o que você descobriu sobre si mesmo ou aprendeu nesse período de introspecção?

Acho que tudo isso só tem intensificado minhas escolhas. Um desaceleramento amplo se fazia cada vez mais necessário. Minha vida como estava tinha uma superexcitação desnecessária e prejudicial. Eu precisava parar com muita coisa, e agora posso fazer isso com mais intensidade.

“Que a arte, de uma forma geral, ganhe o respeito que ela merece”.

Quando se trata de compor ou trabalhar num projeto criativo, muitas pessoas naturalmente buscam um certo isolamento. Esse período tem sido favorável para você nesse sentido?

Eu estava dando uma respirada nesse último ano. Contando com meu trabalho no Solana, posso dizer que gravei sete discos, um atrás do outro. Agora tô aproveitando este tempo para organizar todo meu material. Fiz isso com meus textos também e acabei de lançar três livretos. Tenho me dedicado a desenhar mais. Só não estou compondo, por enquanto. Mas todo o resto tá fluindo lindamente.

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Como você espera que o seu trabalho possa contribuir tanto no período durante quanto no pós-quarentena?

Minha música, assim como meus textos, apela muito para a vida interior. Trabalha muito com o psicológico e o emocional. Acredito que uma concentração nesses pontos, agora e daqui pra frente, será cada vez mais saudável.

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Juliano Gauche (Crédito: Ellen Flegler/Divulgação).

Por fim, muito se especula sobre como será o convívio social num período pós-quarentena e os seus impactos em toda a cadeia musical. Quais são as suas expectativas para esse novo capítulo?

Que a arte, de uma forma geral, ganhe o respeito que ela merece. Imagine este momento sem música, sem filmes, sem livros… Tomara que quando todos voltarem ao convívio, aproveitem melhor nossos serviços. Mas, no fundo, minha maior expectativa é que possamos voltar aos palcos mesmo. Quando e como, que seja da forma mais segura pra todo mundo. E essa forma mais segura é difícil prever por enquanto. Falam de uma volta aos poucos. Com apresentações para públicos pequenos. Mas tudo isso terá que ser estudado com o decorrer do impacto da pandemia.

Texto: João Depoli | @joaodepoli.

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