Gabriela Brown: “Estamos polarizados em valores extremamente distintos.”

Leia na íntegra o papo que tive com a Gabriela Brown sobre esse período de quarentena e os seus desdobramentos atuais e futuros
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Gabriela Brown (Crédito: Almir Vargas).
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Natural de Dunquerque, na França, Gabriela Brown vive no Espírito Santo desde os 10 anos de idade. Iniciou sua carreira tocando em bares e pubs da Grande Vitória, sempre disponibilizando vídeos em suas redes à medida que sua popularidade aumentava. No ano passado, finalmente lançou seu álbum de estreia, Zeugma, que conta com dez faixas produzidas por Rodolfo Simor (Silva, André Prando, Aurora Gordon).

Confira abaixo a íntegra da conversa que tivemos e não deixe de ler sua participação ao lado de Fabio Mozine (Mukeka di Rato), Luíza Boê, Thiago Stein (DOZZ), Fepaschoal e Edson Sagaz (Suspeitos na Mira) no segundo episódio da série Quarentalks.

João Depoli: Nós brasileiros acompanhamos com relativa antecedência a evolução dessa pandemia ao redor do mundo. Ainda assim, o ato de entrar em quarentena provou-se ser algo mais fácil de ser compreendido na teoria do que na prática. Você acredita que estava preparada para isso?

Gabriela Brown: Eu passei algum tempo da minha vida fantasiando como seria ter que obrigatoriamente ficar em casa, fosse por apocalipse, por questão de saúde… Sempre pensei que ter esse tempo obrigatório poderia me acalmar em certos pontos e me incentivar a dedicar tempo à música, produção, leitura e filmes, sem culpa ou remorso de não estar me dedicando a outras tarefas às vezes mais lucrativas a curto prazo. Ledo engano. A quarentena, no alto do meu privilégio de ter uma casa e uma reserva financeira, me fez perceber o quão fundamental é o contato humano e o quão tenebroso é o bloqueio criativo que vem dessa desmotivação. Tive vários momentos de “cair a ficha”, e as sensações foram de medo, pânico, desânimo, saudade, tristeza, força, coragem e fraqueza — às vezes tudo ao mesmo tempo.

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Como você tem lidado com o fato de que parte de suas atividades, planos e até mesmo fontes de renda foram reduzidas, adiadas ou até mesmo extintas?

2020 foi um ano em que elaborei mais planos e mudanças pra minha vida do que qualquer outro ano. Estava de mudança pra São Paulo, começando uma faculdade de produção musical, articulando contatos no meio artístico pra começar a alavancar a carreira a nível nacional. Todos os planos foram ou adiados ou reformulados. Lidar com essa frustração é um exercício constante, e é difícil até agora de entender que não é algo provisório. Cheguei muito perto de mudar de vida totalmente e agora me encontro entre caminhos, em um limbo diferente. Continuo buscando meios de me reinventar via internet, buscando alternativas para o dinheiro que tirava de shows.

Desde que entramos nessa, vimos que o isolamento teve diversos reflexos nas pessoas. Enquanto uns não notaram muita diferença em seu cotidiano, alguns viram seus problemas com depressão sendo amplificados, outros passaram por crises de ansiedade e mais. Como tem sido a sua adaptação a esse período?

Acho que esse é o momento de maior ansiedade que já passei em toda minha vida. Tive várias crises, diversas quedas de imunidade e o choro me acompanha regularmente. Meu público, meus amigos à distância, meus amigos com quem divido quarentena, o meu cachorro emprestado e minha vontade de expressão têm sido minha força. Tento manter alguma espécie de rotina e algumas tarefas a serem cumpridas semanalmente. Tenho que me lembrar constantemente de ser gentil comigo mesma quando não dou conta de algo que me propus a fazer. Estou escrevendo uma música a mim mesma no momento que fala exatamente sobre tudo isso.

“Toda crise gera mudanças e consigo enxergar algumas em pessoas ao meu redor.”

Enquanto alguns defendem que o isolamento deve ser absoluto, outros o enxergam como um exagero e toda essa discussão parece apenas amplificar esse período de extrema divisão social que já vivemos. Nesse contexto, o que você acha que esse momento significa para nós como sociedade?

Mais uma vez estamos polarizados em valores extremamente distintos. Enquanto brasileiros, esse momento é um exercício de paciência com o próximo e uma constante lembrança de que sem empatia não há sociedade. Vivemos em um poço de desigualdades e a desinformação é extremamente perigosa. Precisamos tomar esse momento como evidência de que o sistema mercantil, extrativista e punitivista em que vivemos é extremamente maléfico e vai entrar em colapso eventualmente. Precisamos começar a pensar enquanto grupo.

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Gabriela Brown (Crédito: Almir Vargas).

Acha que é possível tirarmos algo positivo de um período como esse?

Acho que é possível. É perigoso botar como meta tirar coisas positivas de um momento em que tem uma grande massa da população passando por dificuldades primárias. Porém, acho que toda crise gera mudanças e consigo enxergar algumas em pessoas ao meu redor. Podemos tentar pensar com novas premissas, com mais respeito ao próximo e ao planeta. Individualmente, é um tempo em que podemos nos conhecer mais e compreender algumas de nossas prioridades.

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Num foco mais pessoal, o que você descobriu sobre si mesma ou aprendeu nesse período de introspecção?

Me redescobri mais chorona e saudosa do que já era. Me descobri mais forte do que pensava, também. Aprendi que alguns rasos bloqueios me impediram de explorar profundos potenciais que agora exploro.

“Acredito que os formatos digitais vieram pra ficar. As lives de YouTube e Instagram abriram a portinha de um novo nicho.”

Quando se trata de compor ou trabalhar num projeto criativo, muitas pessoas naturalmente buscam um certo isolamento. Esse período tem sido favorável para você nesse sentido?

Mais ou menos. Tenho três produções no forno e mais alguns feats pra sair. Às vezes me sinto inspirada e, como estou em isolamento, tenho tempo pra sentar e explorar a inspiração. Isso é muito bom! O problema é que, por estar em isolamento, esse momento de estímulo é mais raro. Para os meus processos criativos, sinto falta de sair pra dançar, de encostar em pessoas, de observar transeuntes, isso tudo me ajudava muito. Agora uma ida ao supermercado já me dá mil ideias.

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Gabriela Brown (Crédito: Autorretrato).

Como você espera que o seu trabalho possa contribuir tanto no período durante quanto no pós-quarentena?

Eu acredito que a música pode ser um alento pra quem está em casa, seja como renovação criativa, um frescor ou um aconchego mesmo de se relacionar com alguma expressão musical. Umas músicas minhas falam sobre a quarentena e acho que pode abraçar algumas pessoas do meu público.

Por fim, muito se especula sobre como será o convívio social num período pós-quarentena e os seus impactos em toda a cadeia musical. Quais são as suas expectativas para esse novo capítulo?

Acredito que os formatos digitais vieram pra ficar. As lives de YouTube e Instagram abriram a portinha de um novo nicho — inclusive publicitário — para concertos com menos custos e uma atmosfera diferente. Tenho certeza de que não substitui o show físico, mas pode ser uma saída interessante enquanto complemento. Acredito e espero que o período de pós-quarentena, com shows liberados, vai trazer uma energia acumulada de um grande público consumidor. Os artistas vão ficar mais atentos para o consumo online de maneira geral, como uma forma de garantia.

Texto: João Depoli | @joaodepoli.

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