Morenna: “Nós não vamos esquecer esse momento tão cedo.”

Leia na íntegra o papo que tive com a cantora Morenna sobre esse período de quarentena e os seus desdobramentos atuais e futuros
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Morenna (Crédito: Thiago Bruno).
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Natural de Vila Velha, Morenna é uma das mais novas cantoras a integrar a Warner Brasil, gravadora de gigantes como Anitta, Ludmilla e Iza. Seu reconhecimento veio durante sua estadia no grupo de rap Solveris, que em 2018 lançou o divertidíssimo álbum Vida Clássica, mas foi em 2019 que ela se aproximou mais do pop e do R&B e fez sua estreia em carreira solo com o EP Blá Blá Blá — que após tantos elogios ganhou até uma versão Deluxe no mês passado.

Confira abaixo a íntegra da conversa que tivemos e saiba quais são suas reflexões sobre esses últimos meses de pandemia. Aproveite também para ler as entrevistas com outros artistas capixabas que participaram da série Quarentalks clicando aqui.

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Morenna (Crédito: Vitor Lisboa).

João Depoli: Nós brasileiros acompanhamos com relativa antecedência a evolução dessa pandemia ao redor do mundo. Ainda assim, o ato de entrar em quarentena provou-se ser algo mais fácil de ser compreendido na teoria do que na prática. Você acredita que estava preparada para isso?

Morenna: Com certeza eu não estava preparada pra isso, até porque a gente veio de um ritmo bem intenso de verão, carnaval, e aí logo a minha entrada pra gravadora e tudo mais, então muitas coisas, né? Muitos preparativos, muito trabalho corrido e eu tive um carnaval bem corrido também, então do nada a gente receber uma notícia do vírus e logo após a de uma quarentena e a gente observar o que acontece na Itália e em outros países foi assustador. Eu jamais esperava isso pra esse ano, principalmente esse isolamento, as paradas das aglomerações e tudo mais. Isso foi muito assustador.

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Como você tem lidado com o fato de que parte de suas atividades, planos e até mesmo fontes de renda foram reduzidas, adiadas ou até mesmo extintas?

É bem delicado nesse momento pra nós artistas, principalmente artistas menores que estão aí começando a sua carreira ainda. Isso é muito delicado pra gente, porque realmente é a nossa fonte de renda principal, porque a gente ainda não teve o tempo pra empreender em outras áreas ou ter outras fontes, então geralmente os eventos, as festas e os shows são a renda principal e a gente não sabe quando vai voltar e se vai voltar da forma que era antes — esse é o maior medo, sim. Eu tô buscando nesse momento uma forma de tentar compreender melhor o que que mudou, porque mudou completamente a nossa realidade, como a gente vive, como a gente faz entretenimento, nossa forma de se relacionar com a internet, as lives e os shows. Isso tudo mudou. Eu tenho me programado pra fazer mais lives, mais shows — as pessoas estão me pedindo bastante —, mais vídeos para abastecer as redes e lançar mais músicas pra ajudar a galera também a passar pela quarentena e entreter. Eu consegui continuar produzindo, então essa é a forma que eu tô vendo de lidar com isso, né? Lançamentos, lives, shows ao vivo e como a gente lida com as nossas redes sociais, pra daqui pra frente começar a gerar as principais rendas por aí, quem sabe.

Desde que entramos nessa, vimos que o isolamento teve diversos reflexos nas pessoas. Enquanto uns não notaram muita diferença em seu cotidiano, alguns viram seus problemas com depressão sendo amplificados, outros passaram por crises de ansiedade e mais. Como tem sido a sua adaptação a esse período?

Nossa, com certeza. Eu que me comunico muito com as pessoas — principalmente pessoas que eu não conheço e que não são do meu cotidiano —, eu vi como isso mudou muito e potencializou o estado crítico psicológico da maioria das pessoas e dos jovens, porque quando a gente não está se exercitando, saindo de casa, tendo um contato social, tomando sol e fazendo atividade física, isso se intensifica muito. Então pra mim foi uma montanha russa no início: cada dia era um dia e a gente ia experimentando emoções diferentes e cada hora era uma notícia diferente. Mas, pra mim, o que definiu assim foi eu fazer bastante força pra continuar a minha rotina como se a vida tivesse acontecendo normalmente. Foi tentar acordar o mais cedo que eu conseguia, me alimentar dentro dos horários, fazer atividade física mesmo sendo de casa, tirar ali uns 30 minutos do meu dia pra fazer alguma atividade em casa — mesmo que seja pra dançar ou pra assistir um vídeo — e tentando controlar ao máximo a minha alimentação, porque quando a gente começa a comer mais desregrado e mais alimentos industrializados, a gente acaba tirando tudo do fluxo. Então a minha força foi de continuar minha rotina mesmo e continuar focada em compor e tudo mais. Mas também é muito difícil nesse momento não se julgar tanto. Não se culpar tanto no dia que você não conseguir produzir ou que não conseguir manter uma rotina fechada, porque isso acaba atrapalhado muito a gente também, se sentir culpado por não estar conseguindo fazer tudo e se mantendo extremamente produtivo. [É importante] ter paciência e disciplina nessa hora.

“Eu tô buscando nesse momento uma forma de tentar compreender melhor o que que mudou”.

Enquanto alguns defendem que o isolamento deve ser absoluto, outros o enxergam como um exagero e toda essa discussão parece apenas amplificar esse período de extrema divisão social que já vivemos. Nesse contexto, o que você acha que esse momento significa para nós como sociedade?

Para nós como sociedade, isso significa um momento intenso, porque é aquilo: quando viram números grandes, a gente já não se importa mais com a morte e com realmente o que está acontecendo. Tudo cai na banalização muito rápido, né? Principalmente por esse momento de egoísmo que a gente vê, das pessoas não estarem respeitando a quarentena, saindo normalmente e agindo como se a vida estivesse completamente normal. Enquanto a gente tiver flexibilidade disso, as pessoas não vão respeitar. Eu acredito que a gente, infelizmente, parece só conseguir fazer as coisas quando tem regras e leis mesmo. Então pra mim o lockdown seria extremamente necessário pra gente tentar ficar realmente recluso enquanto o vírus ainda tem uns dias de propagação, até a gente conseguir extingui-lo mesmo. Enquanto tudo estiver flexibilizado, a gente vai ficar nessa. Parece que nunca vai acabar. Vai saber quando é que a gente vai sair dessa. Isso demonstra que a gente tem pouquíssima organização na hora que as coisas apertam e ficam muito mais sérias.

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Morenna (Crédito: Lais Torres).

Acha que é possível tirarmos algo positivo de um período como esse?

Todo momento de crise a gente consegue tirar alguma coisa que — eu não vou dizer positiva —, mas alguma coisa que a gente consiga aprender. Nesse momento a gente consegue ver como o meio, as cidades, as praias e tudo está muito melhor sem a gente, ou pelo menos devido à nossa permanência reduzida. Podemos ver como a gente é nocivo pros lugares que a gente vive, porque a gente realmente é muito consumidor de tudo. E também como faz falta estar em convívio social, como faz falta as nossas famílias, os nossos amigos. Isso que a gente pode valorizar mais e tirar como uma lição pra gente aproveitar o tempo que a gente tem.

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Num foco mais pessoal, o que você descobriu sobre si mesma ou aprendeu nesse período de introspecção?

Aumentou muito a minha vontade de me comunicar mesmo, de conversar com as pessoas, saber como elas estão e participar um pouco mais da vida delas. Eu acho que eu tava bem distante disso tudo e muito mais focada no meu trabalho, na correria e sem tempo pra focar em nada assim. Com essa paralisação eu pude estar e me sentir um pouco mais próxima das pessoas e participar do seu dia a dia e tentar ajudar de alguma forma a suavizar o que está acontecendo.

“A gente tem pouquíssima organização na hora que as coisas apertam e ficam muito mais sérias”.

Quando se trata de compor ou trabalhar num projeto criativo, muitas pessoas naturalmente buscam um certo isolamento. Esse período tem sido favorável para você nesse sentido?

Sim, eu sou muito esse tipo de criador, digamos assim, que precisa de um certo isolamento pra produzir. Mas o convívio social me inspira muito. Acho que quando a gente vive as nossas histórias e quando a gente conhece pessoas, isso pra mim é fundamental. Depois de viver essas situações a gente vai pro isolamento para criar, mas quando a gente não passa por isso, eu simplesmente não estou vivendo nada de novo, né? Então tem que usar muito mesmo a minha imaginação ou a minha memória pra produzir coisas novas. Mas também tem essa pressão de estar produtivo na quarentena, então isso acaba prejudicando bastante o processo criativo, e pelo menos pra mim prejudicou bastante. Mas eu tenho tentado me manter produtiva, porque hoje em dia eu levo a criação como mais uma coisa do meu cotidiano do que uma coisa que eu faço às vezes. É uma coisa que tá muito mais inserida na minha rotina como algo que eu tento criar aos poucos, mas sempre.

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Morenna (Crédito: Thiago Bruno).

Como você espera que o seu trabalho possa contribuir tanto no período durante quanto no pós-quarentena?

Sim, eu converso muito com as pessoas que me acompanham e, nesse momento, pra mim a música tem que vir como conforto e esperança mesmo, pra que elas se sentiam melhores e abraçadas e que a gente possa sempre cuidar da gente, da nossa cabeça e do nosso corpo pra que a gente consiga se fortalecer e passar por esse momento. Então eu espero que a minha música contribua pra isso: manter a força de vontade das pessoas acesa e consumindo alguma coisa que traga um conforto pra elas agora ou depois, porque nós não vamos esquecer esse momento tão cedo.

Por fim, muito se especula sobre como será o convívio social num período pós-quarentena e os seus impactos em toda a cadeia musical. Quais são as suas expectativas para esse novo capítulo?

Eu realmente tenho muitas expectativas pra esse momento pós-quarentena, mas eu não sei como ele vai ser, né? Se a gente vai voltar a ter os festivais, shows e tudo mais. Mas eu tenho uma expectativa com shows, porque é uma parte da carreira que eu acho muito fundamental e brilhante também. Eu acho incrível a produção de shows, de DVD e de videoclipe e eu espero poder fazer tudo isso ainda pro público que me acompanha e pro público que vier a me conhecer, porque é a parte que gente faz contato e se diverte em tempo real. Ela é muito fundamental e eu espero que volte o mais rápido possível.

Texto: João Depoli | @joaodepoli.

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