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Dead Fish: Uma celebração da música alternativa capixaba

Com shows em Guarapari e Vila Velha, banda volta ao Espírito Santo para lançar seu CD/DVD ‘XXV’, e, é claro, nós estivemos em ambas as datas
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Assistir a um show do Dead Fish já se tornou uma tradição — uma que se repete desde os tempos do extinto Entre Amigos II (o reduto underground de outrora). Não se trata apenas de curtir ou não o som da banda. Simboliza uma noite de nostalgia. Uma chance de reencontrar amigos e reviver, mesmo que por pouco tempo, uma época em que a música era tudo o que importava.

Nunca parei para contar quantas vezes os vi, mas diga o que quiser sobre o seu show, exceto que seja algo entediante! Tudo pode acontecer. Destruição espontânea do palco, brigas, lições de moral, discursos políticos, polêmicas, participações inusitadas, chuvas de suor, cantorias quase que orquestradas, seguranças atacando a banda… Uma surpresa atrás da outra, seja para o melhor ou para o pior!

Em todo o caso, quer queira ou não, é certo dizer que o Dead Fish é o maior expoente musical alternativo que o Espírito Santo já produziu. Apesar de hoje a banda ter adotado São Paulo como residência, ela foi formada na nossa capital de Vitória, no ano de 1991, quando nossa cena underground era uma das mais ricas do país — mesmo que nós (como os bons capixabas que somos) não tenhamos notado na época.

Atualmente a banda está em turnê (afinal, quando ela não esteve?) para divulgar seu mais recente trabalho, o CD/DVD de comemoração de seus 25 anos de estrada — embora agora já tenha chegado aos 26. Filmado na cidade de São Paulo em Agosto do ano passado, XXV mostra o grupo em um de seus melhores momentos, tanto em termos de composições, quanto de formação.

Representa também o primeiro registro ao vivo do guitarrista Ricardo Mastria, que entrou na banda no lugar do Phil Fargnoli, que em 2013 deixou as guitarras do peixe morto para tocar com o CPM 22. Confesso que na época isso foi difícil de engolir (Phil era incrível!), mas hoje vejo que Rodrigo Lima, Alyand Mielle e Marco Melloni não perderam em nada com a entrada do “Rick”.

“Eu acho que o Ricardo se encaixou como uma luva. Joga pro time, tem uma técnica bem diferente do Phil em “n” aspectos e isso de cara já me agradou porque desde o primeiro dia ele sempre colocou sua personalidade ali. Todo mundo achava que queríamos algo parecido com o que o Phil fazia e foi exatamente o contrário. Lembro dele entrar pra fazer o teste e olhar todo mundo no olho, até certa empáfia meio marrenta mesmo. Achei aquilo sensacional, apesar de no fundo pensar “xi, lá vem mais um guitar hero pelassaco”. Ele fez o teste dele do jeito dele cheio de notas diferentes, mas que acrescentavam e isso agradou a todo mundo, então ele ficou”, Rodrigo Lima à Nada Pop, 2015.

Em meados de Julho, o Correria Music Bar (atual “reduto dos camisas pretas”) anunciou dois shows do Dead Fish no Espírito Santo para Outubro. O primeiro em Guarapari (06/10) e o segundo em Vila Velha (07/10). Como rege a tradição, era óbvio que estaríamos em Vila Velha no dia 07. Quando os ingressos são colocados à venda, ninguém titubeia. A hipótese de que algum outro compromisso possa entrar em conflito jamais é sequer cogitada. Podemos até reclamar do preço por um tempo e adiar a sua compra, mas tudo sempre termina com um “pode comprar um para mim quando você for comprar o seu” — uma ótima forma de transferir a responsabilidade para outra pessoa.

Desta vez resolvemos fazer algo até então impensado: uma experiência em dose dupla. Compramos ingressos para ambos os shows! Devoção ou insanidade? Não sei bem qual alternativa melhor se encaixa nesta situação, pois (como professamos há anos) é importante não se esquecer de um pequeno detalhe: um show do Dead Fish no Espírito Santo definitivamente não é para qualquer um!

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As pessoas não vão a estes eventos para analisarem a fundo e se impressionarem com a qualidade vocal e lírica do Rodrigo; a intensidade da cantoria/gritaria profética da galera impedirá a condução de qualquer tipo de análise. Ninguém muito menos comparece a um show destes para se deliciar com o timbre vintage da linda Gibson Marauder do Rick; seus ouvidos estarão lutando para se manter funcionais frente toda a urgência da distorção apocalíptica emitida. Também acredito que seja complicado parar e apreciar toda a harmonia do baixo do Alyand e a dinâmica rítmica das viradas do Marcão; seu corpo estará sendo involuntariamente arrastado de um lado para o outro pelo alvoroço da multidão para compreender o que está acontecendo à sua volta.

Tendo dito isto, estar lá definitivamente vale cada dificuldade — considerando que você esteja ciente das possíveis adversidades. As letras são assombrosamente verdadeiras e viscerais (escute “Proprietários do Terceiro Mundo”); os riffs de guitarra são cautelosamente bem estruturados (escute “Vitória”); as linhas de baixo são autênticas e poderosas (escute “Asfalto”); e a bateria soa como destroços rolando ao seu encontro após uma explosão nuclear (escute “Afasia”) — no bom sentido, é claro.

“Tenho muito orgulho de ter os caras com quem toco comigo, gosto deles de verdade. Um moquense que cresceu no meio dos galpões das fábricas antigas de SP no mínimo sabe as histórias do seu próprio bairro, um São Caetanense que viveu sua vida inteira na linha do trem e apesar da postura boboca de direita da sua cidade, entende o que é ser classe trabalhadora e um negro capixaba que perdeu seis trabalhos por causa de sua escolha musical e está aqui do nosso lado pra tudo, tem que ser pessoas boas. Acredito muito nessa formação da banda, nunca tive uma formação tão boa de se estar junto”, Rodrigo Lima à Medium, 2017.

Guarapari, 06/10/2017

Já era quase noite quando eu cheguei ao Espírito Santo na primeira sexta-feira de Outubro. Foram quase sete horas dirigindo ininterruptamente pelas estradas do Rio de Janeiro e antes mesmo que eu pudesse me recompor e tomar uma tão bem-vinda dose de cafeína, logo estaria no banco do carona rumo à Guarapari.

Para a minha sorte, antes mesmo que eu me desse conta, nós já havíamos ancorado na Praia da Morro. Finalizadas as conversas, os fardos de álcool, Doritos e energéticos (que por pior que sejam, foram fundamentais), partimos para o até então desconhecido Siribeira Iate Clube.

Já eram quase meia-noite quando chegamos. Local pequeno, poucas pessoas e o som alto, bem alto. Certamente seria uma daquelas belas noites de maus-tratos sonoros. Meus tímpanos mal podiam esperar pela crueldade que em breve eu os estaria conscientemente submetendo — não entendam mal, eu digo isso com as melhores das intenções!

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Foto: João Depoli.

Quando o Dead Fish subiu ao palco, algo estava nitidamente errado. Desconfiança, sobrancelhas franzidas e olhares tortos. Onde estava o Alyand? Seria este um novo episódio de repentina mudança de integrante? Rodrigo não perdeu tempo e logo apartou o caos em meio à festa dizendo que o baixista estava com problemas de saúde e por isso ele teve que ser substituído às pressas pelo nosso conterrâneo, Bernardo John. O show tem que continuar! E continuou, mas, evidentemente, tudo tem o seu preço.

Com uma substituição aos quarenta e cinco do segundo tempo, quem teve que arcar com as consequências foi o repertório. O show de lançamento do CD/DVD de 25 anos acabou virando uma celebração aos tempos de Zero e Um (2004) e Afasia (2001) — rolou até mesmo “Noite”! Para muitos, isso não foi um problema, visto que aquela sem dúvida foi uma bela fase da banda. No entanto, para quem continuou acompanhando atentamente o trabalho do Dead Fish pós-2004, músicas do Contra Todos (2009) e Vitória (2015) eram as mais esperadas.

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Mesmo com todos os imprevistos, o público fez questão de mostrar que sua tradicional devoção não seria facilmente abalada. Presenteou a banda com toda a sua cantoria, mosh, stage dive, berros ensurdecedores e suor, muito suor. Tudo o que você pode esperar de um show do Dead Fish estava lá. A banda, apesar de não estar totalmente entrosada (seria precipitado demais esperar que a ausência do Alyand e um setlist diferente fossem passar despercebidos), conseguiu garantir uma noite divertida para todos os presentes. Clássicos atrás de clássicos prenderam a galera pela garganta. Se alguém respirou durante aquele show, certamente estava numa outra dimensão!

Acontece que tudo se passou muito rápido. Sim, foram 19 músicas, mas na verdade pareceu que o show acabou no momento em que começou. Quando a banda havia se aquecido e o entrosamento máximo finalmente resolveu dar as caras, as músicas acabaram. O encerramento veio de forma tão repentina que o próprio Rodrigo mandou um “vocês querem que a gente repita alguma música?!”

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Foto: João Depoli.

Vila Velha, 07/10/2017

O sol havia raiado há menos de uma hora. Nosso estado? Deplorável. Inúmeras frequências auditivas a menos, ouvidos zunindo, estômago embrulhado, garganta doendo, voz desaparecida, olheiras e muita dor de cabeça! A ressaca de um show do Dead Fish nunca nos mostrou um pingo de misericórdia. Ela é sempre cruel! Ainda assim, já estávamos mais uma vez na estrada, agora para Vila Velha.

Após um dia inteiro abatido na cama flertando com uma eutanásia espontânea, eu estava pronto — na medida do possível, é claro. Meu grupo de amigos, no entanto, não estava. Um deles disse que chegaria no Correria bem mais tarde (sentiu o cheiro de desculpa esfarrapada?) e outro sucumbiu à ressaca e logo tratou de vender seu ingresso. Pois é, o show do Dead Fish realmente não é para qualquer um. Dose dupla então, nem se fala.

A noite começou num bar no centro da cidade na companhia do único sobrevivente da noite anterior. Quando chegamos lá, curiosamente me dei conta de que estes eventos não são uma tradição exclusivamente nossa. Todo o capixaba que fez da música underground tocada no Entre Amigos II sua trilha sonora, possivelmente compartilha deste mesmo costume. De duas pessoas, logo éramos cinco, e as duas cervejas que inicialmente tomaríamos antes de partir, rapidamente se multiplicaram para quase vinte.

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Foto: João Depoli.

Depois de chegarmos ao Correria, rever alguns amigos e contar histórias sobre a guerra, chegou a hora. O Dead Fish subiu ao palco e desta vez com sua formação completa. Talvez isso não tenha significado nada para muitos, mas definitivamente foi um alívio ver o Alyand lá em cima — já podem cancelar as equipes de busca. As complicações de uma pedra no rim o derrubaram na noite anterior. Felizmente o caso foi contornado e, ao que tudo indica, o baixista já passa bem.

Agora era para valer. Casa cheia e a banda pronta para devidamente lançar o registro de seus 25 anos. As primeiras palavras do Rodrigo, “Boa noite, Correria. Boa noite, Vila Velha. Valeu a presença de todos vocês. Divirtam-se. Cuidem uns dos outros. Muito obrigado pela presença. Nós somos o Dead Fish. E esse é o Alyand,” evidenciaram o bom humor que seguiria a apresentação até o final.

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De cara, uma pancada: “Afasia” para abrir o show. Logo nas primeiras notas toda a ordem ruiu! O coro apaixonado de todos os fãs duelava histericamente com os volumes estratosféricos da casa; o público já não tinha controle sobre si mesmo e se mexia involuntariamente num estado de transe; corpos voavam de cima do palco, outros caiam no chão; as poças de suor já começavam a se acumular; e a temperatura registrada era fora deste mundo!

Se alguém ainda temia que, assim como em Guarapari, as músicas novas pudessem ficar de fora do set, sua apreensão logo se foi. Finalizada a abertura, a banda já emplacou “JogoJogo” (do mais recente trabalho, Vitória) e “Rei de Açúcar” (do álbum Um Homem Só, de 2006), numa espécie de afirmação de que a noite passada não se repetiria.

Ainda assim, o Dead Fish também resolveu presentar a plateia com alguns clássicos presentes no show anterior. Músicas como “Ad Infinitum” e “Noite” foram ótimas surpresas para o público de Vila Velha (e um belo bis para quem esteve em Guarapari). A resposta da galera foi, naturalmente, incendiária — afinal, o público já havia sido imperceptível e espontaneamente dominado desde o início.

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Foto: João Depoli.

“O cenário no Espírito Santo existe, está lá, tem um monte de gente produzindo e fazendo um monte de coisas que são super relevantes, só que eles lá não estão num “grande centro” e o que fazem reverbera menos do que aqui [São Paulo], o que é uma pena”, Rodrigo Lima à Whiplash, 2013.

Quem esteve lá voltou para casa com um sorriso. Com 23 músicas — de “Afasia” a “Sonho Médio” — o Dead Fish fez uma sublime escolha do repertório e uma apresentação de tirar o fôlego. Manteve-se fiel ao seu momento atual, mas não deixou de lado as suas origens. A ocasião foi uma verdadeira celebração da música alternativa capixaba.

Texto e fotos: João Depoli.

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