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Quarentalks: Episódio 02

Fepaschoal, Gabriela Brown, Thiago Stein (DOZZ), Luíza Boê, Fabio Mozine (Mukeka di Rato) e Edson Sagaz (Suspeitos na Mira) falam sobre os desdobramentos da quarentena neste segundo episódio da série
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Hoje já é quarta-feira (24) e volto com o segundo episódio da Quarentalks, uma série especial que criei com o intuito de dar uma nova perspectiva ao Inferno Santo. Trata-se de uma espécie de recorte desse período de pandemia e os seus desdobramentos na música e na vida de bandas e artistas nativos ou residentes do Espírito Santo. Em cada episódio eu converso com seis deles sobre como eles têm lidado e o que têm feito perante tudo o que tem ocorrido nestes dias de isolamento social.

Da primeira vez, o papo contou com Juliano Gauche, Cainã Morellato (Cainã e a Vizinhança do Espelho), Ana Müller, Dan Abranches, Rafael Braz (Auria) e Hugo Ali (Broken & Burnt, Blackslug). Agora temos a participação de Fepaschoal, músico paulista radicado em Guarapari cuja carreira solo já lhe rendeu os discos CMDO Guatemala (2011) e Canto do Urbanóide Parte I (2016). Junto dele contamos com a incrível cantora Gabriela Brown, que há pouco fez sua estreia com o belíssimo Zeugma (2019), e a querida Luíza Boê, dona de um poético álbum de estreia (Luíza Boê, 2018) e o novo EP Terramar (2019).

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Quarentalks, a nova série do Inferno Santo.

Mudando para o campo do rock, temos Thiago Stein, vocalista da DOZZ, banda que surgiu no final do ano passado com os singles “Accelerate” e “Lost Cause”, mas se viu forçada a cancelar as gravações de seu disco devido ao isolamento. Além dele, quem também tirou um tempinho pra bater um papo comigo via Whatsapp foi Fabio Mozine, fundador da Läjä Records e baixista, guitarrista e vocalista (nem sempre nessa ordem) das bandas Mukeka di Rato, Os Pedrero, Merda e Merdada.

Por fim, fechamos este segundo episódio com uma figura de respeito do rap capixaba, o grande Edson Sagaz, uma das vozes do veterano grupo Suspeitos na Mira, que recentemente relançou o seu álbum de estreia, Perigo Iminente (2017).

Suas respostas foram editadas para dar uma dinâmica de diálogo ao texto e suas entrevistas individuais são publicadas na íntegra todas as sextas e segundas aqui no site (três por dia). No mais, é isso. Deixe rolando a playlist que preparei com os participantes deste episódio e divirta-se enquanto lê a matéria.

Nós brasileiros acompanhamos com relativa antecedência a evolução dessa pandemia ao redor do mundo. Ainda assim, o ato de entrar em quarentena provou-se ser algo mais fácil de ser compreendido na teoria do que na prática. Você acredita que estava preparado para isso?

Fepaschoal: Confesso que quando os primeiros casos de COVID-19 começaram a pipocar na China, minha reação foi achar que não seria grande coisa, ou que, talvez, nem chegasse ao Brasil.

Gabriela Brown: Eu passei algum tempo da minha vida fantasiando como seria ter que obrigatoriamente ficar em casa. Sempre pensei que ter esse tempo obrigatório poderia me acalmar e me incentivar. Ledo engano.

Fepaschoal: Com os primeiros casos aparecendo por aqui, eu comecei a me informar mais e começou a bater a nóia, pois eu tenho umas crises de asma vez ou outra e sou fumante.

Fabio Mozine: Eu me mostrei extremamente despreparado. Foi horrível pra mim. Eu sofri um acidente doméstico, quebrei a perna. Angustiante demais.

Thiago Stein: E as coisas só vão apertando.

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Edson Sagaz: Fomos muito descrentes com todo esse surto e desmerecemos o conhecimento científico, contaminados por fake news lamentavelmente espalhadas por pessoas que exploram a fé alheia.

Fabio Mozine: Acho o povo escroto. Cada vez odeio mais o brasileiro, esse país e, se eu pudesse, ia embora.

Edson Sagaz: O povo se joga nos braços da rua quinem os rockeiro se jogava nos braços da multidão à frente de seu palco.

Gabriela Brown: Tive vários momentos de “cair a ficha”, e as sensações foram de medo, pânico, desânimo, saudade, tristeza, força, coragem e fraqueza. Às vezes, tudo ao mesmo tempo.

Luíza Boê: Pessoalmente me senti preparada, pois estou vivendo momentos de grandes transformações nesse caminho do dizer SIM pra vida. Então, sinto que, além de todos os meus privilégios, criei uma musculatura interna para atravessar essa grande transição planetária.

Thiago Stein: O que me tranquilizou foi a crença em que nós naturalmente nos adaptamos a situações adversas. No começo não imaginamos que duraria meses e meses, e olhe onde estamos.

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Fepaschoal (Crédito: Manuela Galindo).

Como você tem lidado com o fato de que parte de suas atividades, planos e até mesmo fontes de renda foram reduzidas, adiadas ou até mesmo extintas?

Gabriela Brown: 2020 foi um ano em que elaborei mais planos e mudanças pra minha vida do que qualquer outro ano.  Todos ou adiados ou reformulados.

Edson Sagaz: Fomos a primeira classe trabalhadora a parar e com certeza seremos a última a voltar de fato, pois, juntamente com setores da rede alimentícia, somos o que mais movimenta volume de pessoas.

Thiago Stein: A DOZZ estava começando a pôr os pés nas ruas, o que chateia muito. O futuro agora se torna um pouco imprevisível, já que ainda não sabemos como tudo estará daqui a alguns meses.

Gabriela Brown: Lidar com essa frustração é um exercício constante, e é difícil até agora de entender que não é algo provisório. Cheguei muito perto de mudar de vida totalmente, e agora me encontro entre caminhos, em um limbo diferente.

Fepaschoal: Tenso, né? É uma ansiedade com a qual todos estamos tendo que lidar.

Luíza Boê: Lamentei os shows cancelados e alguns planos pra esse ano. Mas eu busco não me desesperar e entender quais outras possibilidades eu posso explorar. Isso tem ampliado meu olhar sobre a vida e sobre mim mesma.

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Fabio Mozine: Eu sempre fui bom em me reinventar, velho. Então, a pandemia não atingiu tanto assim os meus negócios. O que atingiu mesmo foram as individualidades, cara. As bobeiras. Às vezes a emoção não trabalha com a razão.

Luíza Boê: Esse momento nos obriga a abrir mão do controle que achávamos que tínhamos sobre a nossa vida para buscar outras possibilidades de realizar nossos trabalhos, descobrir novos talentos e formas de ganhar dinheiro, de se relacionar.

Fepaschoal:. Eu já vinha trabalhando em casa, no meu humilde estúdio. Pra minha sorte, já estar habituado ao trabalho em casa e levar um estilo de vida simples, sem muitos gastos além do necessário, ajuda a amortecer o impacto.

Gabriela Brown: Continuo buscando meios de me reinventar via internet, buscando alternativas para o dinheiro que tirava de shows.

Luíza Boê: Estamos sendo chacoalhados pra ver se entendemos que a forma como a engrenagem capitalista gira não é sustentável.

Fepaschoal: Não posso reclamar da vida, pois sei que a situação tá muito feia pra muita gente.

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Gabriela Brown (Crédito: Victória Dessaune).

Desde que entramos nessa, vimos que o isolamento teve diversos reflexos nas pessoas. Enquanto uns não notaram muita diferença em seu cotidiano, alguns viram seus problemas com depressão sendo amplificados, outros passaram por crises de ansiedade e mais. Como tem sido a sua adaptação a esse período?

Gabriela Brown: Acho que esse é o momento de maior ansiedade que já passei em toda minha vida. Tive várias crises, diversas quedas de imunidade e o choro me acompanha regularmente.

Fabio Mozine: Antes de eu sofrer esse acidente caseiro que eu quebrei a perna, eu estava menos deprimido. Mas também eu estava descontando na cachaça, né? Eu consigo trabalhar de casa, então eu sinto a angústia de outras pessoas, como amigos que têm um comércio que está fechado ou que estão fazendo turnê e viram todas as datas sendo canceladas. Os caras estão desesperados.

Gabriela Brown: A quarentena me fez perceber o quão tenebroso é o bloqueio criativo que vem dessa desmotivação. Tenho que me lembrar constantemente de ser gentil comigo mesma quando não dou conta de algo que me propus a fazer. Estou escrevendo uma música a mim mesma no momento que fala exatamente sobre tudo isso.

Fepaschoal: Eu não tenho me cobrado tanto. Estou lendo mais do que antes também e há tempos não sofro com crises de ansiedade, pois penso que tudo isso que a gente vive é uma passagem, a morte é certa e desespero nunca ajuda.

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Luíza Boê: Eu tenho várias ferramentas que me ajudam a manter o eixo, e faço uso delas todos os dias: meditar, orar, fazer afirmações positivas, escrever diário, manter a casa limpa e organizada, fazer a cama, me alimentar de forma saudável, manter o corpo em movimento e, claro, a música.

Thiago Stein: Considero-me uma pessoa muito ansiosa e pai de muitos frios na barriga. Como isso já faz parte desde cedo da minha vida, quando criança aprendi um santo remédio que para mim se aplicou muito bem que é escrever. Desde então sempre faço isso quando estou em momentos em que há muito medo de caminhos que desconheço.

Edson Sagaz: Julgo ter tido um pouco de sorte por estar em quarentena e isolado com pessoas que tenho um afeto profundo. Digo que esse momento é também um momento pra você se auto avaliar como ser humano e participar mais das tarefas diárias — não que tivesse uma ideia diferente dessa atitude, mas agora se tornou mais frequente ou mais pulsante em minha cabeça.

Luíza Boê: Acredito que o bem-estar, a serenidade que tanto buscamos, vem de um trabalho diário e constante. Não é que ficamos insensíveis às coisas, mas a diferença entre os ápices de adrenalina daqueles momentos maravilhosos e aquelas grandes quedas de autoestima fica muito mais sutil.

Enquanto alguns defendem que o isolamento deve ser absoluto, outros o enxergam como um exagero e toda essa discussão parece apenas amplificar esse período de extrema divisão social que já vivemos. Nesse contexto, o que você acha que esse momento significa para nós como sociedade?

Fepaschoal: Só tenho uma palavra pra definir esse momento: Doidera!

Gabriela Brown: Mais uma vez estamos polarizados em valores extremamente distintos.

Fabio Mozine: Os caras conseguiram politizar até isso aí, né? A impressão que dá é que: “quem é de esquerda fica em casa e quem é de direita vai pra rua”.

Thiago Stein: Creio que essa dicotomia é reflexo da desinformação que esses tempos têm promovido nas pessoas. Descrença na ciência, a morte da verdade, tudo em prol do benefício de poucos. Penso que nada disso é de agora, mas parece que no momento está em um ápice.

Fepaschoal: Nunca fomos tão flagrantemente vilipendiados pelas autoridades. Dizer que “é um absurdo” já soa redundante, pois são tantos absurdos que parece que querem que nós naturalizemos a convivência com o caos.

Fabio Mozine: O governador fala uma coisa, o prefeito de uma cidade daquele estado fala outra e o presidente fala outra. Quem é que vai acreditar em quem? É uma confusão do caralho!

Fepaschoal: Estamos aí, rumo ao primeiro lugar em contágio, tendo que lidar com uma pandemia e com um “Governo” que, em si só, já é A crise.

Edson Sagaz: Estamos chegando a casa dos 37 mil mortos. Se cuidem e protejam-se, porque o Corona caminha livre nas ruas e escoltado por seguranças fardados.

Luíza Boê: A postura do Bolsonaro frente a esse caos é desumana, vergonhosa e só agrava a situação.

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Edson Sagaz: Enquanto países seguiram sugestões acolhidas pela Organização Mundial da Saúde e viram efeitos positivos em relação à pandemia, isolamento e distanciamento social, o “Excrementosíssimo Bolsa de Presidente” incompetente relativizou, juntamente à horda de vermes que o seguem, apelando a uma retórica genérica, sem nenhum embasamento científico.

Fepaschoal: Temos tantos exemplos no mundo de políticas que obtiveram sucesso no trato da pandemia, no entanto, testemunhamos boquiabertos um (des)Governo que politiza a situação para mascarar sua total incapacidade, incentivando as pessoas a se contagiarem, ou seja, piorando a situação em vez de tentar resolver . É mais do que triste, é trágico, devastador.

Luíza Boê: Infelizmente, ficar em casa é um privilégio que tem classe social e cor de pele, porque nas periferias não existe quarentena. Essas pessoas continuam trabalhando, arriscando a própria vida e de suas famílias em transportes lotados para que os serviços básicos continuem funcionando. Estamos vendo quem realmente faz a economia girar.

Gabriela Brown: Vivemos em um poço de desigualdades e a desinformação é extremamente perigosa. Precisamos começar a pensar enquanto grupo.

Thiago Stein: Talvez com tantos protestos contra a vida que o diminuto “chefe de Estado” e muitos donos do “DinDin” promovem, a visão daqueles que acreditaram nessa turma por falta de informação ou ingenuidade se clareie.

Edson Sagaz: Eu, por este tempo isolado, achava realmente que iríamos mudar drasticamente, mas acredito que eu posso estar errado. Estamos vivendo um momento muito difícil, onde terraplanistas negacionistas antivacina repetem as asneiras do seu mito mor.

Gabriela Brown: Enquanto brasileiros, esse momento é um exercício de paciência com o próximo e uma constante lembrança de que sem empatia não há sociedade.

Fabio Mozine: Na verdade o que mostra mesmo é que o povo não tem empatia com ninguém, com a vida de ninguém e tá todo mundo pouco se fodendo pra vida do outro e é assim que o brasileiro é. Verdadeira farsa do brasileiro é essa.

Luíza Boê: É o Brazil escancarado. O Brazil que sempre esteve matando o Brasil, como bem escreveu Aldir Blanc.

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Thiago Stein, vocalista da banda DOZZ (Crédito: João Depoli).

Acha que é possível tirarmos algo positivo de um período como esse?

Fepaschoal: Eu vejo que estamos num momento de transição inquestionável.

Edson Sagaz: Esse foi o sacode natural que a Terra acaba de nos dar.

Fepaschoal: É muito difícil afirmar se essa transição será boa ou ruim.

Fabio Mozine: Eu acho que não vamos tirar nada de positivo disso aí. Acho que vai morrer gente pra caralho. Tá todo mundo pouco se fodendo pra quem tá morrendo, que geralmente é quem é mais pobre.

Gabriela Brown: É perigoso botar como meta tirar coisas positivas de um momento em que tem uma grande massa da população passando por dificuldades primárias.

Edson Sagaz: O desprezo à vida humana é grande nos comportamentos de algumas lideranças e setores da sociedade civil.

Fabio Mozine: Quando voltarmos à normalidade e passar algum tempinho, vai tudo ser a mesma merda. Ninguém vai aprender nada e não vai haver mudança nenhuma no mundo. Vai ser tudo igual.

Luíza Boê: Estamos sendo obrigados, enquanto indivíduos e enquanto sociedade, a enxergar o quão adoecida está nossa forma de se comunicar, o quão intoxicada está a nossa expressão.

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Gabriela Brown: Porém, acho que toda crise gera mudanças e consigo enxergar algumas mudanças em pessoas ao meu redor.

Luíza Boê: Acredito que existem aprendizados a nível individual e aprendizados a nível coletivo.

Thiago Stein: Acho que é o momento para abrir os olhos da população quanto ao papel do Estado e do esforço coletivo.

Gabriela Brown: Podemos tentar pensar com novas premissas, com mais respeito ao próximo e ao planeta.

Thiago Stein: Espero que seja possível o fortalecimento de todos nós como nação.

Edson Sagaz: Quando temos manifestações que rompem a quarentena por reivindicações, criando um contraponto na polaridade atual da conjuntura dessa necro-política que o desgoverno Bolsonariano insiste em manter, isso mostra que estamos no caminho da mudança.

Luíza Boê: As manifestações pelas vidas negras e todas as ocupações que temos visto de ativistas para pautar de uma vez o tema do racismo no Brasil são ações que tomaram proporções inéditas e esse contexto de pandemia favorece a reflexão que há tanto tempo é ignorada.

Edson Sagaz: Agora temos mais recursos e ferramentas para expor A Luta Antirracista e Antifascista. Homenageio os herdeiros que preferem morrer de pé a viver de joelhos.

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Edson Sagaz, do grupo Suspeitos na Mira (Crédito: Luara Monteiro).

Num foco mais pessoal, o que você descobriu sobre si mesmo ou aprendeu nesse período de introspecção?

Fabio Mozine: Eu aprendi que, sei lá, eu sou um cara meio descontrolado, que o simples ato de ficar em casa já me deixou meio nervoso, ansioso.

Fepaschoal: Descobri que eu já era precavido, pois já andava com tubinho de álcool gel na pochete antes de ser hype [risos].

Gabriela Brown: Me redescobri mais chorona e saudosa do que já era, mas me descobri mais forte do que pensava.

Luíza Boê: Confirmei a importância real das minhas ferramentas de autoconhecimento para que eu me mantenha presente e em equilíbrio. Percebi que ou eu sou gentil e amorosa comigo mesma, ou ficar só na minha própria companhia se torna um inferno.

Thiago Stein: Com o isolamento, os momentos de reflexões que já existiam aumentaram, com isso respostas vão chegando mais rápido do que na correria do dia a dia.

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Gabriela Brown: Aprendi que alguns rasos bloqueios me impediram de explorar profundos potenciais que agora exploro.

Edson Sagaz: Reforçou muito aquilo que eu já venho dizendo para meus alunos: nunca é tarde pra aprender algo novo e filtrar muita desinformação popularizada na TV e pelas redes.

Fepaschoal: Reafirmei pra mim mesmo a importância de estarmos cercados de quem a gente ama. Dou graças ao universo em ter minha parceira e minha filhota por perto.

Thiago Stein: Sinto aumentar a cada dia o valor das pessoas, amigos e parentes que sempre foram próximos e por quem sempre tive muito apreço.

Edson Sagaz: Também resolvi fazer algo pelos meus pares e entrei numa de fazer campanha de arrecadação e doação aos que fazem cultura e que nesse exato momento tão passando por essa dificuldade.

Quando se trata de compor ou trabalhar num projeto criativo, muitas pessoas naturalmente buscam um certo isolamento. Esse período tem sido favorável para você nesse sentido?

Edson Sagaz: Sou contrário a muitas maneiras de escrever e uma delas é se isolar com silêncio.

Gabriela Brown: Para os meus processos criativos, sinto falta de sair pra dançar, de encostar em pessoas, de observar transeuntes, isso tudo me ajudava muito. Agora uma ida ao supermercado já me dá mil ideias.

Edson Sagaz: Eu preciso que tenha algo já como trilha sonora ao fundo. Moro bem de frente de uma avenida — se num for uma das mais movimentadas da Grande Vitória. Gosto desse ócio criativo com diversidade sonora.

Thiago Stein: Para mim não se aplica, pois a produção na DOZZ sempre foi em conjunto. Para que eu desenvolva, é fundamental a presença, os encontros descontraídos e os ensaios. Existem muitas experimentações e descobertas nesses momentos. Faz falta.

Fabio Mozine: Eu sou um cara que sempre desenha muito. Eu não preciso de isolamento pra fazer isso.

Fepaschoal: Acho que quando temos total liberdade para criar algo, parece que a coisa flui de um jeito diferente.

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Luíza Boê: Não é possível criar sem algum relaxamento, sem ter tempo livre.

Thiago Stein: Mesmo com essas limitações, nós estamos trabalhando em novos materiais. Um grava aqui, o outro grava ali, pega tudo, junta com o que temos e bora!

Fabio Mozine: Pelo fato de ter um pouco mais de tempo em casa, eu também consegui finalizar a demo do Merda. Vou te falar que, se não fosse a pandemia, talvez eu já estaria em São Paulo gravando, mas tô agarrado aqui.

Fepaschoal: Eu crio porque tô afim de criar e não porque preciso. Acho que a coisa boa nisso tudo é que eu nunca compus e produzi tanto. Eu ainda não sei quando e como vou lançar tanto material, mas tô focando numas 4 músicas mais atreladas ao contexto geral pra um EP de quarentena.

Gabriela Brown: Tenho três produções no forno e mais alguns feats pra sair. Às vezes me sinto inspirada e, como estou em isolamento, tenho tempo pra sentar e explorar a inspiração. Isso é muito bom. O problema é que, por estar em isolamento, esse momento de estímulo é mais raro.

Luíza Boê: Estou compondo muitas músicas, mas também tenho pintado muita aquarela, toda terça público a websérie “Água Viva” no meu IGTV, voltei a estudar teclado, faço aula online de expressão corporal, faço terapia, estou lendo e participo de um grupo online de leitura do livro “O Caminho do Artista”, que é um livro maravilhoso para desbloqueios criativos.

Fabio Mozine: Eu também tenho um livro inacabado aqui que preciso fazer a correção ortográfica e rever alguns trechinhos. Se eu conseguir fazer isso aí, eu diria que utilizei bem o meu tempo da pandemia. Vamos ver se eu consigo, porque pelo visto vai ter muita pandemia ainda.

Luíza Boê: Acredito que quanto mais me trabalho enquanto ser humano, melhores serão minhas criações. Criatividade e espiritualidade pra mim são um mesmo caminho.

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Fabio Mozine (Crédito: Divulgação/Facebook).

Como você espera que o seu trabalho possa contribuir tanto no período durante quanto no pós-quarentena?

Fepaschoal: Honestamente, eu acho difícil fazer música autoral com algum intuito de resultado.

Fabio Mozine: Sinceramente, eu acho que o meu trabalho musical não vai contribuir em nada pra pandemia, cara. A minha música vai agradar a quem sempre gostou das minhas bandas. Não vai acalmar ninguém.

Fepaschoal: Eu procuro apenas fazer, aprender fazendo, lançar, tocar. Tudo sem pensar no impacto ou no não-impacto. Eu faço porque minha alma precisa disso. O que vem de retorno é só lucro. Se uma ou duas ou três pessoas gostarem, se identificarem, eu já fico muito feliz.

Gabriela Brown: Eu acredito que a música pode ser um alento pra quem está em casa, seja como renovação criativa, um frescor ou um aconchego mesmo de se relacionar com alguma expressão musical.

Thiago Stein: Todo trabalho que envolva entretenimento nesse período está sendo fundamental para quem está em casa e só tem este meio para se divertir e se distrair.

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Luíza Boê: Meu trabalho é atravessado pela dimensão do autoconhecimento e pela dimensão da espiritualidade, naturalmente. Então sinto que esse cenário provocado pela quarentena, que é mais propício à reflexão, acaba aumentando a conexão das pessoas com as minhas músicas.

Thiago Stein: Espero que possamos contribuir com novidades para que as pessoas tenham esse entretenimento e possamos estar juntos no período pós-pandemia em futuras apresentações.

Luíza Boê: Meu propósito é conectar com o coração das pessoas, levar consciência e conforto por meio do meu trabalho.

Edson Sagaz: Acho que o rap, junto à sua cultura hip-hop, já vem sempre desempenhando o seu papel.

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Luíza Boê (Crédito: Yulli Nakamura).

Por fim, muito se especula sobre como será o convívio social num período pós-quarentena e os seus impactos em toda a cadeia musical. Quais são as suas expectativas para esse novo capítulo?

Edson Sagaz: Não estamos em um momento delicado, sempre vivemos nesse “momento” — como alvos móveis com várias miras, umas nas costas e outras nas testas.

Fepaschoal: Eu vejo que passamos por uma transição. O capitalismo já mostrou que não deu certo, e, se cair de vez, cairá atirando. Essas horas é bom a gente ter consciência do que realmente importa.

Luíza Boê: Essas condições limitantes nos impulsionam a criar novas formas de monetizar os serviços e produtos culturais. Espero que isso aconteça de forma que beneficie os artistas novos e independentes, e não somente os que já estão consagrados.

Thiago Stein: Esse momento nos fez olhar para uma ferramenta que já existia, mas que não havia sido explorada como está sendo agora, que são as transmissões ao vivo via redes sociais.

Gabriela Brown: Acredito que os formatos digitais vieram pra ficar. As lives de YouTube e Instagram abriram a portinha de um novo nicho para concertos com menos custos e uma atmosfera diferente.

Thiago Stein: Ao meu ver elas estão se mostrando muito importantes para as apresentações de artistas que não são do mainstream, tendo não só a oportunidade de apresentar e ecoar os seus trabalhos como também de se beneficiar com o financiamento coletivo.

Luíza Boê: Torço para que haja cada vez mais plataformas, editais e projetos que incentivem a cooperação, ao invés da competição.

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Gabriela Brown: Espero que o período de pós-quarentena, com shows liberados, vai trazer uma energia acumulada de um grande público consumidor.

Fabio Mozine: Vamos supor que estamos em agosto e falem: “a curva da pandemia abaixou, hein? Tá quase acabando”. Eu particularmente não sei se eu iria num show de uma banda num local lotado sabendo que ainda há o risco desse vírus. Não sei se eu iria não, velho. Tô sendo muito sincero com você.

Fepaschoal: Eu não vou parar de tocar, mas vejo com dificuldade a retomada dos eventos de aglomeração por um bom tempo. Não dá pra saber o que vai acontecer ao longo desse período.

Luíza Boê: Acredito que será um grande desafio para nós da cultura reinventarmos um jeito de consumir música, teatro, cinema, entretenimento e estar junto sem que isso seja um grande risco para a saúde das pessoas.

Thiago Stein: Claro que certos hábitos de higiene vão se manter como ressaca desses tempos, mesmo quando estiver tudo em ordem.

Fepaschoal: O que mais tenho pensado é em preparar uma rota de fuga à la “Run To The Hills”, do Iron Maiden.

Luíza Boê: De tudo, tenho apenas uma certeza: arte não vai faltar!

Thiago Stein: Não é o fim do nosso contato, é só um stand by.

. . .

Entrevistas individuais e na íntegra com cada um destes artistas podem ser lidas bem aqui.

Texto: João Depoli | @joaodepoli.

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