Fepaschoal: “Estamos num momento de transição inquestionável.”

Leia na íntegra o papo que tive com o Fepaschoal sobre esse período de quarentena e os seus desdobramentos atuais e futuros
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Fepaschoal (Crédito: Manuela Galindo).
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Paulista radicado no Espírito Santo, Fepaschoal é um cantor e compositor que passou seus anos de formação musical no município de Guarapari. Os frutos de seu trabalho solo, no entanto, vieram após mudar-se para a capital, onde lançou seu álbum de estreia, CMDO Guatemala (2011), e seu sucessor, Canto do Urbanóide Parte I (2016). Seu último lançamento foi o single “Galope”, uma parceria com André Prando que saiu no ano passado.

Confira abaixo a íntegra da conversa que tivemos e não deixe de ler sua participação ao lado de Fabio Mozine (Mukeka di Rato), Gabriela Brown, Luíza Boê, Thiago Stein (DOZZ) e Edson Sagaz (Suspeitos na Mira) no segundo episódio da série Quarentalks.

João Depoli: Nós brasileiros acompanhamos com relativa antecedência a evolução dessa pandemia ao redor do mundo. Ainda assim, o ato de entrar em quarentena provou-se ser algo mais fácil de ser compreendido na teoria do que na prática. Você acredita que estava preparado para isso?

Fepaschoal: Confesso que quando os primeiros casos de COVID-19 começaram a pipocar na China, minha reação foi achar que não seria grande coisa, ou que, talvez, nem chegasse ao Brasil. Estava mais focado no Carnaval [risos]. Acredito que boa parte dos brasileiros também pensava assim. No início de março, com os primeiros casos aparecendo por aqui, eu comecei a me informar mais e começou a bater a nóia, pois eu tenho umas crises de asma vez ou outra e sou fumante. Iniciei minha quarentena antes do decreto estadual.

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Como você tem lidado com o fato de que parte de suas atividades, planos e até mesmo fontes de renda foram reduzidas, adiadas ou até mesmo extintas?

Tenso, né? É uma ansiedade com a qual todos estamos tendo que lidar. Eu já vinha trabalhando em casa, no meu humilde estúdio, prestando serviços de áudio em geral. Mas os trabalhos em shows, gravações e etc não têm rolado mais, infelizmente. Pra minha sorte, já estar habituado ao trabalho em casa e levar um estilo de vida simples, sem muitos gastos além do necessário, ajuda a amortecer o impacto. Não posso reclamar da vida, pois sei que a situação tá muito feia pra muita gente.

Desde que entramos nessa, vimos que o isolamento teve diversos reflexos nas pessoas. Enquanto uns não notaram muita diferença em seu cotidiano, alguns viram seus problemas com depressão sendo amplificados, outros passaram por crises de ansiedade e mais. Como tem sido a sua adaptação a esse período?

Eu não tenho me cobrado tanto. Acho que a coisa boa nisso tudo é que eu nunca compus e produzi tanto. Vou ter muito material pra usar ainda daqui pra frente depois desse ócio criativo em casa. Acho que quem faz/vive de música sabe o quanto ela nos ajuda em momentos assim. Estou lendo mais do que antes também e há tempos não sofro com crises de ansiedade, pois penso que tudo isso que a gente vive é uma passagem, a morte é certa e desespero nunca ajuda. Claro que recorro muitas vezes à medicina natural sagrada para manter o equilíbrio da mente. Isso também é útil.

“Parece que querem que nós naturalizemos a convivência com o caos.”

Enquanto alguns defendem que o isolamento deve ser absoluto, outros o enxergam como um exagero e toda essa discussão parece apenas amplificar esse período de extrema divisão social que já vivemos. Nesse contexto, o que você acha que esse momento significa para nós como sociedade?

Só tenho uma palavra pra definir esse momento, João: Doidera! Nunca fomos tão flagrantemente vilipendiados pelas autoridades. Dizer que “é um absurdo” já soa redundante, pois são tantos absurdos que parece que querem que nós naturalizemos a convivência com o caos. Estamos aí, rumo ao primeiro lugar em contágio, tendo que lidar com uma pandemia e com um “Governo” que, em si só, já é A crise. Incrível como as bolhas de (des)informação têm sucesso por aqui. Nós temos tantos exemplos no mundo de políticas que obtiveram sucesso no trato da pandemia, no entanto, testemunhamos boquiabertos um (des)Governo que politiza a situação para mascarar sua total incapacidade, incentivando as pessoas a se contagiarem, ou seja, piorando a situação em vez de tentar resolver. É mais do que triste, é trágico, devastador…

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Fepaschoal (Crédito: Manuela Galindo).

Acha que é possível tirarmos algo positivo de um período como esse?

Eu vejo que estamos num momento de transição inquestionável. Mas é muito difícil afirmar se essa transição será boa ou ruim. Se for boa, será através de um remédio muito amargo. Se for ruim, cruz credo! Quero nem pensar como vai ser.

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Num foco mais pessoal, o que você descobriu sobre si mesmo ou aprendeu nesse período de introspecção?

Reafirmei pra mim mesmo a importância de estarmos cercados de quem a gente ama. Dou graças ao universo em ter minha parceira e minha filhota por perto. Descobri que sou notívago por natureza. Ter uma rotina de escola me obrigava a seguir horários tipo acordar cedo, dormir cedo e tudo mais. Ultimamente, 14h são as novas 10h da manhã. Descobri que eu já era precavido, pois já andava com tubinho de álcool gel na pochete antes de ser hype [risos].

“O capitalismo já mostrou que não deu certo, e, se cair de vez, cairá atirando.”

Quando se trata de compor ou trabalhar num projeto criativo, muitas pessoas naturalmente buscam um certo isolamento. Esse período tem sido favorável para você nesse sentido?

Acho que quando temos total liberdade para criar algo, parece que a coisa flui de um jeito diferente. Eu crio porque tô afim de criar e não porque preciso. Minha pastinha de 2020 no computador com produções minhas tá uns 200% maior do que a pasta do ano passado. Eu ainda não sei quando e como vou lançar tanto material, mas tô focando numas 4 músicas mais atreladas ao contexto geral pra um EP de quarentena.

Como você espera que o seu trabalho possa contribuir tanto no período durante quanto no pós-quarentena?

Honestamente, eu acho difícil fazer música autoral com algum intuito de resultado. Eu procuro apenas fazer, aprender fazendo, lançar, tocar. Tudo sem pensar no impacto ou no não-impacto. Eu faço porque minha alma precisa disso. Quando toco o barco assim, o que vem de retorno é só lucro. Se uma ou duas ou três pessoas gostarem, se identificarem, eu já fico muito feliz.

Por fim, muito se especula sobre como será o convívio social num período pós-quarentena e os seus impactos em toda a cadeia musical. Quais são as suas expectativas para esse novo capítulo?

Eu sempre tive uma utopia de vida: uma casinha no campo, com energia solar, permacultura, agrofloresta, home studio, contato com a natureza… Minha consciência sempre cochichou isso no meu ouvido. Hoje em dia ela GRITA! Eu vejo que passamos por uma transição. O capitalismo já mostrou que não deu certo, e, se cair de vez, cairá atirando. Essas horas é bom a gente ter consciência do que realmente importa: nossa água, nosso solo, nosso ar e nosso pão. Eu não vou parar de tocar, mas vejo com dificuldade a retomada dos eventos de aglomeração por um bom tempo. Não dá pra saber o que vai acontecer ao longo desse período. O que mais tenho pensado é em preparar uma rota de fuga à la “Run To The Hills” do Iron Maiden.

Texto: João Depoli | @joaodepoli.

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