João Lucas: “Tem sido difícil compor com o espectro da morte tão próximo.”

Leia na íntegra o papo que tive com o João Lucas sobre esse período de quarentena e os seus desdobramentos atuais e futuros
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João Lucas Ribeiro, vocalista da banda Muddy Brothers (Crédito: Divulgação).
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João Lucas Ribeiro é o homem por trás de uma das maiores vozes do rock do Espírito Santo. Reconhecido por ser o vocalista do grupo de rock canela-verde The Muddy Brothers — que em 2016 soltou o álbum Facing The Sky (Backwards) —, ele recentemente deu início a um novo projeto. Chama-se Hill Dreams, um duo country que divide com Rogério Aguiar (da banda paulista de punk rock Lo-Fi) e que teve sua estreia em 2018, quando eles lançaram o disco Shortcuts Through The Heart of Nowhere. Além de emplacar algumas datas pelo estado, a turnê desse álbum inclusive levou a dupla até os Estados Unidos. João agora segue confinado enquanto espera para gravar seu novo trabalho.

Confira abaixo a íntegra da conversa que tivemos e não deixe de ler sua participação ao lado de André Prando, Larissa Pacheco (Big Bat Blues Band), Patricia Ilus, Henrique Mattiuzzi (Amanita Flying Machine) e Marcus Luiz (Intóxicos) no terceiro episódio da série Quarentalks.

João Depoli: Nós brasileiros acompanhamos com relativa antecedência a evolução dessa pandemia ao redor do mundo. Ainda assim, o ato de entrar em quarentena provou-se ser algo mais fácil de ser compreendido na teoria do que na prática. Você acredita que estava preparado para isso?

João Lucas: Não digeri nada, eu tô bem assustado com tudo e especialmente com os “brasileiros”.

Como você tem lidado com o fato de que parte de suas atividades, planos e até mesmo fontes de renda foram reduzidas, adiadas ou até mesmo extintas?

É um lance muito cruel, né? Tô vendo casas de show que toquei aqui e no exterior fechando as portas. Músicos, técnicos, roadies e todo mundo da nossa área passando dificuldade. Isso provoca uma tristeza imensurável, mas o que temos que fazer é se ajudar de qualquer maneira. O que estiver ao nosso alcance para passarmos vivos por esse momento. Depois a gente pensa no que faz.

Desde que entramos nessa, vimos que o isolamento teve diversos reflexos nas pessoas. Enquanto uns não notaram muita diferença em seu cotidiano, alguns viram seus problemas com depressão sendo amplificados, outros passaram por crises de ansiedade e mais. Como tem sido a sua adaptação a esse período?

Não tem sido fácil não. Lido com a depressão e a ansiedade boa parte da minha vida e agora, com o que está acontecendo em todo mundo e estando distante das pessoas que eu amo e não poder nem ir ali na praia, a coisa vem diferente. Então aquele frontalzinho servido com uma bebida gelada infelizmente se faz muito necessário [risos] — sempre acompanhado do seu médico, né? Eu não sou o melhor cara do mundo pra falar disso. Como Leonard Cohen dizia: “I don’t consider myself a pessimist. I think of a pessimist as someone who is waiting for it to rain. And I feel soaked to the skin”. É muito difícil tentar manter algum tipo de pensamento positivo, ele sempre vem nebuloso. Eu acendo minhas velas e penso no melhor pros meus amigos, família e pessoas queridas pelo mundo, na segurança e na saúde deles e como vai ser quando eu puder vê-los novamente e quando eu puder ver minha namorada de novo. Isso aliado com minha principal fonte de força e companheirismo desde que me conheço por gente são a música, os livros e os filmes. Eles têm me deixado vivo.

“O governo está mandando pessoas pro abate enquanto outras aplaudem de suas varandas gourmet.”

Enquanto alguns defendem que o isolamento deve ser absoluto, outros o enxergam como um exagero e toda essa discussão parece apenas amplificar esse período de extrema divisão social que já vivemos. Nesse contexto, o que você acha que esse momento significa para nós como sociedade?

Vivemos num país surreal. Não dá nem pra contar os absurdos que se vê por dia. No momento em que te respondo, isso estão flexibilizando o isolamento enquanto registramos 35 mil mortos [já passamos de 59 mil]. O governo está mandando pessoas pro abate enquanto outras aplaudem de suas varandas gourmet. Eu cortei laços com todo mundo que não defende e não respeita a única coisa que pode salvar vidas no mundo nesse momento. Não falo mais com quem defende esse desgoverno genocida que está nos catapultando para um dos momentos mais tristes da história. Eu realmente não quero nunca mais ter contato com essas pessoas. Eu me sinto cercado por maníacos 24 horas por dia aqui no meu bairro e o que eu mais quero durante o resto da minha vida é distância do lugar que me proporcionou isso. Infelizmente.

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João Lucas Ribeiro em ação (Crédito: Fernando Yakota).

Acha que é possível tirarmos algo positivo de um período como esse?

A resposta que eu queria te dar era que as pessoas saíssem dessa com um senso de empatia e solidariedade maior e mais aguçado, mas, como podemos observar, não vai ser isso que vai rolar.

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Num foco mais pessoal, o que você descobriu sobre si mesmo ou aprendeu nesse período de introspecção?

Relembrei a importância do exercício físico pra saúde mental, sério [risos]. Tenho a sorte de ter uma esteira em casa e tô aprendendo a apreciar esse momento de contato com meu corpo como algo especial [risos]. Puta merda, mas é sério. Tentando ser mais saudável e cuidar do meu corpo. Só isso mesmo.

“Daqui a pouco essa vacina vem e a gente volta a arrebentar por aí.”

Quando se trata de compor ou trabalhar num projeto criativo, muitas pessoas naturalmente buscam um certo isolamento. Esse período tem sido favorável para você nesse sentido?

Tenho trabalhado nas minhas músicas quando a minha mente deixa. Nos arranjos do disco que eu deveria estar gravando agora e foi parado pela pandemia. Pelo menos pra mim tem sido difícil compor com o espectro da morte tão próximo. Então, de vez em quando, depois de cavucar muito, sai alguma coisa. Fiz uma live temática em homenagem ao aniversário do Bob Dylan, homem que é muito importante pra mim e isso foi MUITO bom. Me diverti muito, toquei minhas coisas autorais, pedidos e a galera se amarrou na festa. Estava muito relutante à ideia, mas pelo visto rolou.

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Muddy Brothers ao vivo (Crédito: Leandro Wissinievski).

Como você espera que o seu trabalho possa contribuir tanto no período durante quanto no pós-quarentena?

Espero que tire a galera desse momento sombrio por pelo menos alguns minutos, né? Isso já tá de bom tamanho.

Por fim, muito se especula sobre como será o convívio social num período pós-quarentena e os seus impactos em toda a cadeia musical. Quais são as suas expectativas para esse novo capítulo?

Não faço ideia, bicho. Acho que vai rolar um período de adaptação bem, bem longo. Tudo depende da evolução na pesquisa da doença. Acho muito importante depositar nossa fé nos cientistas e profissionais da saúde que estão trabalhando nisso e obedecer às suas recomendações SEMPRE. Daqui a pouco essa vacina vem e a gente volta a arrebentar por aí.

Texto: João Depoli | @joaodepoli.

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