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Quarentalks: Episódio 03

André Prando, Patricia Ilus, João Lucas Ribeiro (Muddy Brothers), Henrique Mattiuzzi (Amanita Flying Machine), Larissa Pacheco (Big Bat Blues Band) e Marcus Luiz (Intóxicos) falam sobre os desdobramentos da quarentena no terceiro episódio da série
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Está no ar o terceiro episódio da Quarentalks, uma série especial que criei para trazer uma nova abordagem ao Inferno Santo durante esse período de quarentena. Trata-se de uma espécie de recorte desse período de pandemia e os seus desdobramentos na música e na vida de bandas e artistas nativos ou residentes do Espírito Santo. Em cada episódio eu converso com seis deles sobre como eles têm lidado e o que têm feito perante tudo o que tem ocorrido nestes dias de isolamento social. Eu diria que são conversas bem profundas, reflexivas e bastante sinceras.

Na primeira delas eu falei com Juliano Gauche, Cainã Morellato (Cainã e a Vizinhança do Espelho), Ana Müller, Dan Abranches, Rafael Braz (Auria) e Hugo Ali (Broken & Burnt, Blackslug). Já no segundo episódio, as reflexões ficaram por conta de Fabio Mozine (Mukeka di Rato), Fepaschoal, Gabriela Brown, Thiago Stein (DOZZ), Luíza Boê e Edson Sagaz (Suspeitos na Mira).

Agora eu converso com o cantor e compositor André Prando, que acaba de lançar o EP Calmas Canções do Apocalipse (2020), dando sequência ao seu segundo disco, Voador (2018). Além dele, temos a cantora e escritora Patricia Ilus, que acaba de finalizar uma campanha de financiamento coletivo para a triagem de seu segundo livro, bem como o querido João Lucas Ribeiro, vocalista da banda The Muddy Brothers, cujo trabalho mais recente é o disco Facing The Sky (Backwards) (2016).

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Leia as reflexões dos nossos artistas todas as quartas-feiras na Quarentalks.

A essa galera também se junta Larissa Pacheco, uma das vozes do veterano grupo Big Bat Blues Band, além de Henrique Mattiuzzi, vocalista e guitarrista da banda Amanita Flying Machine, que em 2018 lançou seu homônimo EP de estreia. Para completar o grupo, eu também conversei com Marcus Luiz, guitarrista do trio instrumental de surf music Intóxicos, que conta com dois álbuns lançados, Vila Velha Todo Dia (2015) e End Times (2018).

Suas respostas foram editadas para criar uma dinâmica de diálogo ao texto e suas entrevistas individuais estarão disponíveis na íntegra na próxima sexta (03) e segunda-feira (06) bem aqui. No mais, é isso. Deixe rolando a playlist que preparei com os participantes deste episódio e divirta-se enquanto lê a matéria.

Nós brasileiros acompanhamos com relativa antecedência a evolução dessa pandemia ao redor do mundo. Ainda assim, o ato de entrar em quarentena provou-se ser algo mais fácil de ser compreendido na teoria do que na prática. Você acredita que estava preparado para isso?

André Prando: Acho que ninguém tava preparado na verdade, né?

Henrique Mattiuzzi: Fui pego de surpresa.

André Prando: É um cenário parecido com o que a gente sempre vê em filmes, né? Uma coisa meio apocalíptica mesmo. A gente nunca imagina que vai acontecer e que tá perto da gente.

João Lucas: Não digeri nada.

Henrique Mattiuzzi: Eu só digeri o pânico do isolamento social ao olhar o agora sem preceitos, visando começar o novo após a pandemia.

André Prando: Acho que é um processo diário que vai ser um pouco longo.

Marcus Luiz: Estamos nos adaptando, mas infelizmente ainda tem gente que menospreza a gravidade da situação.

André Prando: É curioso ver como muita gente aqui no Brasil, antes do Corona chegar, tratava o assunto com brincadeira, né?

João Lucas: Eu tô bem assustado com tudo e especialmente com os “brasileiros”.

Marcus Luiz: O Brasil hoje poderia ser um exemplo positivo no combate à pandemia se tivéssemos agido com responsabilidade e antecedência.

André Prando: A gente tá muito fodido aqui no Brasil, porque a crise política rouba o lugar da pandemia.

Marcus Luiz: Infelizmente temos um governante completamente despreparado e irresponsável.

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Henrique Mattiuzzi: No início estava um pouco cético quanto ao isolamento social. Só fui perceber do que se tratava quando já estava acontecendo.

Patricia Ilus: Eu não imaginava que o Congresso fosse se organizar para aprovar auxílios e isso me surpreendeu positivamente. Mas também a sordidez e a falta de escrúpulos de quem não se dá o trabalho nem de disfarçar o projeto de extermínio da população mais pobre do Governo Federal também me assusta.

Larissa Pacheco: Para ser sincera, nunca consegui ficar exatamente em quarentena. Além da música, tenho uma confeitaria com minha irmã, e tivemos que ser muito criativas para passar por esse período de fechamento da loja — e isso me obrigou a estar mais na rua do que gostaria.

Patricia Ilus: O dinheiro está sendo retido, os pagamentos estão sendo adiados sem motivo, e sem auxílio financeiro, empresas não podem fechar e pessoas não podem ficar em casa. Não é uma questão só de ignorância, é um projeto de morte que encurralou as pessoas.

Larissa Pacheco: Isso me faz sofrer bastante, porque a vontade de me cuidar em casa é diária, mas a impossibilidade gera muita angústia pela tensão constante do sair e enfrentar todo o processo paranoico de máscara, álcool gel, lavar as mãos mil vezes. Todo dia que saio, volto exausta.

Patricia Ilus: As pessoas relativizavam dizendo que empresa quebra, mas morto não ressuscita. Elas estavam certas, mas ignorar a complexidade da situação é um erro também.

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Patricia Ilus (Crédito: Herone Fernandes Filho).

Como você tem lidado com o fato de que parte de suas atividades, planos e até mesmo fontes de renda foram reduzidas, adiadas ou até mesmo extintas?

Patricia Ilus: Lidando mal [risos]. Minhas fontes de renda praticamente acabaram. Apareceu uma pressão enorme em fazer tudo online, sem eu ter estrutura, equipamento e às vezes nem conhecimento. Isso me deixa mal, muito mal.

Henrique Mattiuzzi: A pandemia fez do isolamento social a suspensão de toda a minha agenda. Sem demanda, fiquei sem renda. Nenhuma gig foi adiada ou ficou de ser remarcada, tudo foi suspenso mesmo, sem previsão de voltar.

Larissa Pacheco: É um desafio constante de decisões tomadas quase que diariamente, sem nenhuma perspectiva de que serão decisões boas ou ruins.

Marcus Luiz: Ainda estamos tentando nos acostumar. Muita coisa está tendo que ser reinventada.

Patricia Ilus: Parece que estou sempre procurando aprender alguma coisa que não sei, sempre correndo atrás de alguma coisa. Nunca parece suficiente.

Larissa Pacheco: Toda a atividade cultural tem sido duramente afetada.

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André Prando: Minha primeira atitude assim que começaram os procedimentos de isolamento social foi suspender a minha agenda toda, porque eu acho que o primeiro entendimento necessário é que a saúde, a vida, venha antes da economia. Eu vou me dar mal? Todo mundo vai. Não tá fácil pra ninguém na verdade.

João Lucas: É um lance muito cruel, né? Tô vendo casas de show que toquei aqui e no exterior fechando as portas. Músicos, técnicos, roadies e todo mundo da nossa área passando dificuldade. Isso provoca uma tristeza imensurável.

Larissa Pacheco Rola uma frustração enorme de estar parada com os projetos, com as parcerias, com os encontros, com os ensaios.

Patricia Ilus: É claro que gostaria de estar fazendo shows e gravando meu CD, que era o projeto desse ano. Mas a vida sempre me mostra que tenho que encaixar os meus planos nos planos do mundo.

André Prando: A longo prazo, eu não consigo pensar muita coisa — tipo, como é que vai ser depois —, porque eu não consigo nem pensar quando será conveniente voltar a existir eventos e aglomerações assim.

João Lucas: O que temos que fazer é se ajudar de qualquer maneira. O que estiver ao nosso alcance para passarmos vivos por esse momento. Depois a gente pensa no que faz.

Patricia Ilus: Por mais que tudo pareça uma loucura, eu tenho conseguido ficar a maioria dos dias calma e presente. É que, se a gente se concentrar no agora, o emocional melhora.

Marcus Luiz: Quando essa fase mais crítica passar, poderemos compreender com mais clareza como caminharão as coisas. Ainda há muitas incertezas.

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Henrique Mattiuzzi, guitarrista e vocalista da Amanita Flying Machine (Crédito: Divulgação),

Desde que entramos nessa, vimos que o isolamento teve diversos reflexos nas pessoas. Enquanto uns não notaram muita diferença em seu cotidiano, alguns viram seus problemas com depressão sendo amplificados, outros passaram por crises de ansiedade e mais. Como tem sido a sua adaptação a esse período?

João Lucas: Como Leonard Cohen dizia: “I don’t consider myself a pessimist. I think of a pessimist as someone who is waiting for it to rain. And I feel soaked to the skin”.

André Prando: Num primeiro momento, eu achava que eu era um exemplo de pessoa que não ia notar muita diferença, porque, como artista, eu tô acostumado a estar em casa. Mas rapidamente você entende que não se trata só disso, né?

João Lucas: Não tem sido fácil não. Lido com a depressão e a ansiedade boa parte da minha vida e agora, com o que está acontecendo em todo mundo e estando distante das pessoas que eu amo e não poder nem ir ali na praia, a coisa vem diferente.

André Prando: A cabeça começa a funcionar de outra forma e outras preocupações tomam lugar da nossa mente.

Henrique Mattiuzzi: Estou com minha cabeça tranquila na verdade. Entendendo o momento como uma pausa mesmo. Não dá para forçar. É respeitar o tempo da sociedade evoluir ao tempo que tentamos nos reinventar com a ajuda dos aparelhos tecnológicos.

Larissa Pacheco: Embora a rotina tenha mudado, não senti esses efeitos de isolamento no sentido de depressão ou solidão. O sair que me gera ansiedade em função de todo o processo, do zelo, atenção para coisas, como não coçar o rosto, não encostar em nada… A tristeza de encontrar um amigo e não poder abraçar. A revolta em ver gente na rua passeando à toa, sem cuidado algum consigo e com o próximo.

Marcus Luiz: De alguma forma, todos nós sairemos afetados, mas se cada um tiver o mínimo de consciência, os danos serão menores.

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João Lucas: É muito difícil tentar manter algum tipo de pensamento positivo, ele sempre vem nebuloso. Eu acendo minhas velas e penso no melhor pros meus amigos, família e pessoas queridas pelo mundo.

Larissa Pacheco: Ter uma boa companhia em casa ajuda muito também.

André Prando: É um privilégio poder ter companhia, porque eu sei que tem muita gente que tá passando esse momento sozinho. Muito doido.

Marcus Luiz: O momento é de focar em tomar as medidas corretas, seguir os conselhos de especialistas, ajudar quem precisa, difundir informações importantes e ter paciência.

André Prando: Acho que uma das principais lições é pensar como a gente pode se preocupar mais com o outro, sabe? Ser mais empático e cuidar bastante da sanidade mental não só nossa, mas dos nossos próximos.

Enquanto alguns defendem que o isolamento deve ser absoluto, outros o enxergam como um exagero e toda essa discussão parece apenas amplificar esse período de extrema divisão social que já vivemos. Nesse contexto, o que você acha que esse momento significa para nós como sociedade?

Marcus Luiz: Para o Brasil, uma derrota. Somos vistos como o exemplo a não ser seguido.

João Lucas: Vivemos num país surreal. Não dá nem pra contar os absurdos que se vê por dia. O governo está mandando pessoas pro abate enquanto outras aplaudem de suas varandas gourmet.

Larissa Pacheco: Ver a quantidade de pessoas nas ruas sem necessidade é algo que me entristece muito.

André Prando: Eu acho muito triste que algumas pessoas interpretem de alguma forma a pandemia como algo político, como: “Ah, quem defende quarentena é de esquerda. Quem não defende é de direita”, sabe? Eu tenho visto esse baixo nível de discussão, que é um absurdo.

Larissa Pacheco: Eu vejo com muita tristeza o quanto temos fracassado enquanto sociedade.

Henrique Mattiuzzi: Quem contraria essa ideia de quarentena tá fazendo papel de ridículo frente ao pensamento normal que vai no mundo agora.

Marcus Luiz: Fazer um isolamento frouxo só vai prolongar o sofrimento.

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André Prando: Se trata de saúde mundial da existência humana. As pessoas deveriam estar levando muito mais a sério. É mais triste pensar que a quarentena é só para alguns, do que o próprio fato da quarentena existir.

Henrique Mattiuzzi: Considerando a carência estrutural do nosso sistema público de Saúde, entendo essa quarentena como um sacrifício coletivo em prol de uma minoria que pode ser salva com esse cuidado.

João Lucas: Eu cortei laços com todo mundo que não defende e não respeita a única coisa que pode salvar vidas no mundo nesse momento. Não falo mais com quem defende esse desgoverno genocida que está nos catapultando para um dos momentos mais tristes da história.

Marcus Luiz: Falta uma liderança de verdade, alguém que pense nos brasileiros com empatia. Sabemos que a única medida eficaz até então é o isolamento social rígido, mas, ao invés disso, estamos batendo recordes negativos, cortando verbas, contestando a ciência, reabrindo comércio etc.

Larissa Pacheco: Falta empatia, noção de grupo e do nosso papel enquanto cidadãos. Saber que algumas pessoas preferem acreditar em lunáticos ao invés da ciência. Muita gente se justificando nos dados que lhes convém para tomar essa ou aquela decisão que vá beneficiar seu interesse pessoal. Tudo isso escancara um egoísmo que me deixa esquisita.

Patricia Ilus: Estamos chegando em situações extremas e acho que precisamos de silêncio. E silêncio é algo difícil de extrair dessa sociedade que perdeu tanto sua conexão consigo mesma.

Henrique Mattiuzzi: Acho que a pandemia e a quarentena estão fazendo a sociedade perceber que de fato somos uma sociedade. Vivemos em coletivo.

Patricia Ilus: Estamos tendo que conviver com a dúvida, com a incerteza e falta de perspectiva. Isso pode ser interessante se não enlouquecermos e prestarmos mais atenção no corpo, no presente, no agora — mas sem romantizar. Pessoas vivem em situações muito diferentes e cada uma vai encarar à sua maneira.

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André Prando (Crédito: Henrique Cesar).

Acha que é possível tirarmos algo positivo de um período como esse?

Henrique Mattiuzzi: Não sei se estou sendo pessimista, mas acho que a sociedade não está tirando pontos positivos dessa pandemia.

Patricia Ilus: Como sociedade, não vejo as coisas com otimismo, pelo menos num futuro próximo.

Henrique Mattiuzzi: Alguns falam em legado deixado para a Saúde Pública, mas lembro que essa foi a “estória” dita para a infraestrutura do Brasil quando recebeu a Copa do Mundo de 2014. Não foi o que se aplicou.

Marcus Luiz: Espero que as pessoas passem a tratar o próximo com mais respeito, atenção, carinho e que sejam mais racionais na hora de escolher quem vai conduzir o país.

João Lucas: Como podemos observar, não vai ser isso que vai rolar.

Henrique Mattiuzzi: Tenho receio de que as pessoas se acostumem com esse distanciamento físico. Ouvi relatos de pessoas com pânico de sair de casa, como se houvesse um bicho papão pronto para te pegar lá fora. Isso não faz bem. O isolamento social prolongado agrega problemas psicológicos que podem perdurar por anos.

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Patricia Ilus: A maioria da população está vendo falir os mecanismos que criou para sua sobrevivência. Realmente acho que algum trauma ficará.

Larissa Pacheco: Temos muito o que refletir. Muita coisa tende a mudar de forma definitiva ou por um longo período.

André Prando: Os longos momentos de reflexão sobre o que esse momento pode representar pra gente agora têm sido importante, sabe? A gente pode usar essas preocupações e esse tempo pra refletir sobre mudanças e rever nossos hábitos sobre pensar coletivamente.

Larissa Pacheco: Ao mesmo tempo que muita gente parece não se importar, em outros grupos parece ter ampliado essa noção da importância do papel de todos para a sobrevivência de grupos menos favorecidos.

André Prando: Não só no Brasil, mas no mundo todo a gente tem visto recentes episódios de manifestações. As pessoas, mesmo em meio à pandemia, estão precisando ir às ruas manifestar — e eu não me refiro a manifestantes de extrema direita, mas às manifestações em resposta a isso.

Patricia Ilus: Eu gostaria que o povo compreendesse que é a força motriz do sistema. Vejo pessoas buscando algo a mais no seu cotidiano, mas essa é a realidade de poucos. O sistema de desigualdade e opressão ainda está de pé.

Larissa Pacheco: A desigualdade está mais escancarada que nunca, mas amparar parece que finalmente se tornou algo que não dá mais pra jogar para debaixo do tapete, principalmente nesse momento de desamparo criminoso do poder público.

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João Lucas Ribeiro, vocalista da banda Muddy Brothers (Crédito: Divulgação).

Num foco mais pessoal, o que você descobriu sobre si mesmo ou aprendeu nesse período de introspecção?

André Prando: Mesmo quem não tem parado pra pensar sobre isso, é impossível passar por esse momento sem transformação, porque o mundo tá em transformação. A sociedade em si já é outra.

Larissa Pacheco: Creio que resiliência. Não imaginei que fosse capaz de manter a força de vontade de realizar qualquer coisa numa situação como essa. Tinha a impressão de que ficaria desanimada, talvez enfrentar algum grau de depressão, mas isso não tem acontecido.

Henrique Mattiuzzi: Estou aproveitando a lacuna deixada pela falta de gigs para esvaziar a mente e os dedos. Não tenho nada à frente como obrigação. Isso faz com que a liberdade voe.

Marcus Luiz: É bom enfatizar que devemos valorizar mais nossas famílias e amigos, aproveitar melhor os momentos de lazer, manter o foco em ficar bem e fazer bem aos outros.

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André Prando: Eu também acho muito importante o pensar coletivamente, cuidar mais do planeta, do meio ambiente e das pessoas e rever a loucura do capitalismo.

Patricia Ilus: Posso ser menos séria? Descobri que se eu acreditar que posso tocar bem o violão, meu som melhora muito e que vinho ajuda. Aliás, descobri que posso beber muito mais que esperava, porque passar por esse estresse sem álcool é praticamente impossível [risos].

João Lucas: Relembrei a importância do exercício físico pra saúde mental, sério [risos]. Tenho a sorte de ter uma esteira em casa e tô aprendendo a apreciar esse momento de contato com meu corpo como algo especial [risos]. Puta merda, mas é sério.

Quando se trata de compor ou trabalhar num projeto criativo, muitas pessoas naturalmente buscam um certo isolamento. Esse período tem sido favorável para você nesse sentido?

Marcus Luiz: Compor é um processo mais natural do que induzido. Vejo prós e contras.

João Lucas: Pra mim tem sido difícil compor com o espectro da morte tão próximo. De vez em quando, depois de cavucar muito, sai alguma coisa.

André Prando: Pra mim esse é um dos pontos principais em relação à minha quarentena, porque eu passei as primeiras semanas me concentrando na produção de um novo trabalho, que é o EP Calmas Canções do Apocalipse.

Henrique Mattiuzzi: Já inventei um punhado de temas nesse período de quarentena. Inspirações desse proveitoso tempo. Além disso, estou caprichando nas prés para um novo disco da Amanita Flying Machine — que estava previsto para ser lançado em 2020. Apesar da incerteza do momento, continuo produzindo.

Patricia Ilus: Tenho produzido muitos vídeos, fiz uma música nova e arranjamos (eu e Fabrício Hoffmann) outra que tinha aparecido pouco antes de começar o fim do mundo.

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Larissa Pacheco: Nisso eu acho que sou do contra, me sinto mais criativa com boas companhias, na troca de ideias, ouvindo bons discursos, bons debates. Os encontros são partes importantes que faltam.

Marcus Luiz: Como banda, é importante ter interação entre os membros e viver experiências que tragam inspirações para as criações.

Larissa Pacheco: Quando a inspiração vem eu deixo fluir, gravo áudios, escrevo. Mas confesso que estou devagar.

João Lucas: Quando a minha mente deixa, tenho trabalhado nas minhas músicas e nos arranjos do disco que eu deveria estar gravando agora e foi parado pela pandemia.

Marcus Luiz: No nosso caso, as coisas estão fluindo bem, porque meu irmão, que também é da banda, está morando comigo. Fizemos uma live, produzimos alguns vídeos e estamos começando a produção de um EP.

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Marcus Luiz (esq). e a banda Intóxicos (Crédito: Divulgação).

Como você espera que o seu trabalho possa contribuir tanto no período durante quanto no pós-quarentena?

Henrique Mattiuzzi: Espero que a música esteja sendo uma forte companheira das pessoas nesse momento de isolamento social.

João Lucas: Espero que tire a galera desse momento sombrio por pelo menos alguns minutos, né? Isso já tá de bom tamanho.

André Prando: De uma forma geral, as pessoas têm notado durante a quarentena como a arte é pertinente em suas vidas.

Patricia Ilus: Tenho produzido canções que sei que vão acalmar e alegrar as pessoas. Vou lançar uma música que se chama “A Hora do Não Ser”, que é uma tentativa de buscar essa reflexão das pessoas, essa conexão com seus instintos, com seu corpo, com sua natureza.

André Prando: Eu fico feliz de ver como o novo EP é um trabalho que tem confortado muita gente, que tem sido pertinente e que as pessoas se identificam.

Patricia Ilus: Acredito que tenho lançado algumas ideias, de diversão, representatividade, de amor, de busca pela sabedoria, de ver a vida como um laboratório para experimentação. Eu posso oferecer minha voz e minha visão de mundo. É assim que tento ser um ponto de revolução. Eu sei, sou muito aquariana [risos].

Marcus Luiz: Pelo fato de sermos uma banda instrumental, nunca nos preocupamos em passar uma mensagem tão direta através do som, mas sempre tentamos nos comunicar visualmente. Acreditamos que nosso som transmite uma energia positiva e queremos continuar seguindo este caminho.

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Henrique Mattiuzzi: Nós estamos adaptando nosso trampo.

Larissa Pacheco: Prioridades mudaram e a criatividade tem sido outro aspecto interessante de se observar. Muitas soluções criativas para oferecer cultura, produtos e serviços. Todo mundo tem se reinventado pra sobreviver.

Henrique Mattiuzzi: O recurso de fazer transmissões online caiu como uma luva para atender os “quarenteners” espectadores. Acho muito legal a ideia das lives. Artistas do mundo todo estão contemplando seus fãs gratuitamente. Inédito essa coisa da galera fazer o show ao vivo para o pessoal assistir de casa.

André Prando: Através das lives, as pessoas tão interagindo entre si nos chats e tal. Isso tudo é muito real.

João Lucas: Estava muito relutante à ideia, mas pelo visto rolou. Fiz uma live temática em homenagem ao aniversário do Bob Dylan, homem que é muito importante pra mim e isso foi MUITO bom. Me diverti muito, toquei minhas coisas autorais, pedidos e a galera se amarrou na festa.

Henrique Mattiuzzi: É uma experiência. O público está lá te assistindo, mas você não o está vendo, mas ainda assim o público interage. Tá sendo inovador. Eu gosto.

Larissa Pacheco: Espero poder sempre ser um instrumento a serviço dessa linguagem universal da música e da mensagem que ela traz.

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Larissa Pacheco com a Big Bat Blues Band (Crédito: Bruno Zanchetta).

Por fim, muito se especula sobre como será o convívio social num período pós-quarentena e os seus impactos em toda a cadeia musical. Quais são as suas expectativas para esse novo capítulo?

André Prando: Cara, eu não consigo opinar [risos].

João Lucas: Não faço ideia, bicho.

Patricia Ilus: Sem perspectivas. Futuro demais.

André Prando: Eu tô conseguindo pensar meio que diariamente só e cuidar das coisas que tão mais próximas, sabe? Acho que o importante é cuidar do agora.

Henrique Mattiuzzi: Espero que em 2021 não tenhamos o receio de sair para as ruas ou a preocupação de evitar aglomerações em festivais e eventos de qualquer tipo. Que os bares possam funcionar livremente sem restrições e as pessoas tenham acesso ao lazer com mente tranquila.

André Prando: Tudo isso precisa ser revisto. Não sei como vão acontecer eventos. Quando serão possíveis de novo. É muito doido. Acho que pensar isso, sei lá… Não sei se é prioridade… Mas tem que ser, porque é a nossa área.

João Lucas: Vai rolar um período de adaptação bem, bem longo.

Larissa Pacheco: Creio que um belo dia as coisas voltarão ao normal, com pessoas ocupando novamente os tradicionais espaços de cultura e lazer, mas até lá acredito que vamos presenciar uma enorme transição.

João Lucas: Tudo depende da evolução na pesquisa da doença. Acho muito importante depositar nossa fé nos cientistas e profissionais da saúde que estão trabalhando nisso e obedecer às suas recomendações SEMPRE.

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Marcus Luiz: Como já tem ocorrido, os principais movimentos serão virtuais.

Larissa Pacheco: Acredito em um espaço virtual que se torne ainda mais tecnológico para oferecer maior qualidade de som e imagem.

Marcus Luiz: A criatividade vai ser fundamental.

Larissa Pacheco: Muita gente deve se reinventar dentro de suas atividades culturais.

André Prando: O que eu sei é que nada será como antes.

Larissa Pacheco: Não sei exatamente o que deve vir, nem sou muito boa futurista inclusive, mas se já presenciávamos um mundo de mudanças extremamente velozes, agora mais do que nunca elas devem vir insanas.

João Lucas: Daqui a pouco essa vacina vem e a gente volta a arrebentar por aí.

Henrique Mattiuzzi: Que a sede pelo entretenimento, pela arte e pela cultura leve a galera a curtir e fazer valer os momentos juntos. Essas são minhas expectativas.

. . .

Entrevistas individuais e na íntegra com cada um destes artistas podem ser lidas bem aqui.

Texto: João Depoli | @joaodepoli.

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