Axânt: “Um momento pra gente redescobrir nossa humanidade.”

Leia na íntegra o papo que tive com o Axânt sobre esse período de quarentena e os seus desdobramentos atuais e futuros
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Axânt (Crédito: Divulgação/Facebook).
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Membro fundador do proeminente selo capixaba Setor Proibido, o rapper Axânt fez uma de suas primeiras aparições na bombástica “Primavera Fascista”, uma devastadora canção-manifesto lançada em 2018 contra o então candidato Jair Bolsonaro. O projeto saiu antes do segundo turno eleitoral e também contou com a participação dos MCs BocaumLeoniAdikto, Mary Jane (Melanina MCs), Vk MAC e Dudu, garantindo a todos os envolvidos uma repercussão gigantesca no cenário nacional. Agora o músico está contando os dias para o lançamento de seu EP de estreia, Mundo Negro, que sai no próximo dia 17.

Confira abaixo a íntegra da conversa que tivemos e não deixe de ler sua participação ao lado de Gabriela Terra (My Magical Glowing Lens), Sandro Juliati (Volapuque, Mukeka di Rato), Leonardo Machado (Blackslug), Gimu e Everton Radaell (Auri) no quarto episódio da série Quarentalks.

João Depoli: Nós brasileiros acompanhamos com relativa antecedência a evolução dessa pandemia ao redor do mundo. Ainda assim, o ato de entrar em quarentena provou-se ser algo mais fácil de ser compreendido na teoria do que na prática. Você acredita que estava preparado para isso?

Acho que ninguém tava preparado pra tudo isso que vem acontecendo. E ninguém sabe ao certo o que vai ser daqui pra frente, principalmente com a gestão patética do governo atual. Quando eu parei pra pensar e digerir tudo que tá acontecendo, mantive a calma pra não agravar a situação em casa e esperei o desfecho de tudo.

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Como você tem lidado com o fato de que parte de suas atividades, planos e até mesmo fontes de renda foram reduzidas, adiadas ou até mesmo extintas?

A única solução é se adaptar. Infelizmente, o governo age no descaso com a população de periferia e o futuro é incerto. Mesmo assim, é preciso manter a esperança em dias melhores, então o jeito de lidar com isso é buscando solução e novas fontes de renda pra sobreviver e adotando novas estratégias pros planos que já foram feitos. Desistir nunca.

Desde que entramos nessa, vimos que o isolamento teve diversos reflexos nas pessoas. Enquanto uns não notaram muita diferença em seu cotidiano, alguns viram seus problemas com depressão sendo amplificados, outros passaram por crises de ansiedade e mais. Como tem sido a sua adaptação a esse período?

Antes disso tudo acontecer, eu descarregava todo estresse e ansiedade fazendo esportes. Agora com essa situação atual, em que minha rotina se baseia em ir de casa pro trabalho (estúdio) e do trabalho pra casa — tomando todos os cuidados possíveis —, tento me manter focado e sempre ter algum objetivo à frente pra não perder o pique. Tenho que lidar com crises de ansiedade e preocupações em algumas situações, mas procuro voltar toda minha atenção pro meu objetivo principal e investir tempo na música. Tento me manter saudável mentalmente e diria que minha força motriz é e sempre foi deixar minha família bem de vida e ver meus amigos bem.

“Nos momentos mais difíceis o instinto humano vem à tona.”

Enquanto alguns defendem que o isolamento deve ser absoluto, outros o enxergam como um exagero e toda essa discussão parece apenas amplificar esse período de extrema divisão social que já vivemos. Nesse contexto, o que você acha que esse momento significa para nós como sociedade?

Acho que esse momento difícil, como todos os outros que a humanidade já enfrentou, é um momento de aprendizado. Um momento pra gente repensar nosso lugar e dimensão no mundo tão grande e redescobrir nossa humanidade. Num momento em que milhares de pessoas morrem, se tornar mais humano é uma lição valiosa que a gente pode tirar.

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Axânt no videoclipe de “BLVCK GVNG” (Crédito: Reprodução/YouTube).

Acha que é possível tirarmos algo positivo de um período como esse?

Com certeza. Nos momentos mais difíceis o instinto humano vem à tona. E é nesses momentos que se vê os dois lados de uma mesma moeda. Acredito que o lado da empatia, humanidade e amor ao próximo, podem ser pontos positivos tirados desse período.

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Num foco mais pessoal, o que você descobriu sobre si mesmo ou aprendeu nesse período de introspecção?

Descobri que sou capaz de me adaptar e prosperar em momentos de dificuldade e que a gente não é nada e sabe bem pouco do mundo. Acho que o que mudou foi o jeito de ver as relações pessoais — o que foi necessário e automático com o isolamento.

“Durante a quarentena a gente tenta mostrar o lado bom em meio ao caos, mas sempre confrontando e questionando o que é posto como verdade absoluta.”

Quando se trata de compor ou trabalhar num projeto criativo, muitas pessoas naturalmente buscam um certo isolamento. Esse período tem sido favorável para você nesse sentido?

Por incrível que pareça, tem sido muito favorável produzir e criar em momentos de caos. Tô numa fase muita intensa de criação. Já lancei 5 músicas esse ano, entre feats e trabalhos solos. Tenho um EP de 5 músicas, 100% pronto pra ser lançado e já tô trabalhando em um novo projeto futuro — além de tá envolvido num projeto grandioso que infelizmente não posso comentar ainda [seria este “Primavera Fascista 2”?]. Todos esses trabalhos e produções tomam 100% do meu tempo.

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Axânt no videoclipe de “BLVCK GVNG” (Crédito: Reprodução/YouTube).

Como você espera que o seu trabalho possa contribuir tanto no período durante quanto no pós-quarentena?

A música tem um papel muito importante de orientação, informação e opinião, além de ser um forte pilar cultural. Espero que meu trabalho possa alcançar, informar e fortalecer de alguma forma quem ouve. Durante a quarentena a gente tenta mostrar o lado bom em meio ao caos, mas sempre confrontando e questionando o que é posto como verdade absoluta. O pós quarentena é meio incerto, ninguém sabe como vão ser as coisas. Mas tenho certeza que a arte vai resistir e continuar exercendo esse papel tão importante na sociedade.

Por fim, muito se especula sobre como será o convívio social num período pós-quarentena e os seus impactos em toda a cadeia musical. Quais são as suas expectativas para esse novo capítulo?

Procuro não criar muitas expectativas sobre coisas que eu não sei. Acho que o segredo tá em viver dia após dia sem pensar muito lá na frente. Mas, sem dúvida, a demanda de shows e festivais vai aumentar depois desse período longo de quarentena e isolamento social.

Texto: João Depoli | @joaodepoli.

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