Vitor Locatelli: “Bastante força e criatividade para seguir driblando a situação.”

Leia na íntegra o papo que tive com Vitor Locatelli (Moreati, Vitu) sobre esse período de quarentena e os seus desdobramentos atuais e futuros
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Vitor Locatelli (Crédito: Reprodução/YouTube).
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Vitor Locatelli é o vocalista e guitarrista da Moreati, banda que em 2018 fez sua estreia com o álbum Algum Lugar. Mesclando elementos do rock alternativo com a nova psicodelia nacional, o projeto começou como um power trio, evoluiu para uma quarteto e agora se viu impedido de praticar suas atividades devido à pandemia. Diante disto, Locatelli aproveitou para se aventurar no “velho desejo” da carreira solo e há pouco deu início à empreitada com o single “Deixa Sossegar”, lançado sob o codinome Vitu.

Confira abaixo a íntegra da conversa que tivemos e saiba quais são suas reflexões sobre esses últimos meses de pandemia. Aproveite também para ler as entrevistas com outros artistas capixabas que participaram da série Quarentalks clicando aqui.

João Depoli: Nós brasileiros acompanhamos com relativa antecedência a evolução dessa pandemia ao redor do mundo. Ainda assim, o ato de entrar em quarentena provou-se ser algo mais fácil de ser compreendido na teoria do que na prática. Você acredita que estava preparado para isso?

Vitor Locatelli: Às vezes me pego pensando como tudo aconteceu, como de repente tudo mudou. Acho que ninguém estava preparado. Acaba que a gente projeta, imagina como vai ser, mas na realidade sai tudo diferente, como quase tudo na vida [risos]. Eu já vivi dez dias em um só, experimentei diferentes sentimentos um atrás do outro. É uma situação inédita, acho que a gente só vai digerir isso mesmo daqui a alguns anos. Um dia desses vi pessoas com roupa de proteção desinfetando uns corrimãos na orla, foi um momento bem estranho, quase uma cena de filme, só que não. É por aí [risos].

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Como você tem lidado com o fato de que parte de suas atividades, planos e até mesmo fontes de renda foram reduzidas, adiadas ou até mesmo extintas?

É difícil, João. É bastante assustador. Mas não é como se a gente antes fosse uma categoria com suporte desde sempre, né? A gente sempre teve que ser criativo e se reinventar para existir. Agora eu me forço a acreditar que não vai ser diferente. Acaba que infelizmente nossa atividade vai ser a última a retornar, então ainda vamos precisar ter bastante força e criatividade para seguir driblando a situação e os sentimentos gerados por ela.

Desde que entramos nessa, vimos que o isolamento teve diversos reflexos nas pessoas. Enquanto uns não notaram muita diferença em seu cotidiano, alguns viram seus problemas com depressão sendo amplificados, outros passaram por crises de ansiedade e mais. Como tem sido a sua adaptação a esse período?

Eu tenho tentado não me exigir muito. Não entro em pilha de internet, não fico achando que tenho que ser produtivo ou isso e aquilo. Tenho tentado ao máximo ser cuidadoso comigo mesmo, me dar tempo e escutar o que estou sentindo. A música sempre foi refúgio pra mim e agora não está sendo diferente. Acabei na verdade em meio a isso tudo escrevendo uma música que decidi lançar em carreira solo, por exemplo. Um dia de cada vez, sem grandes planos, mas também sem deixar a cabeça parar.

“Eu acredito em uma sociedade mais empática, mais solidária e mais atenta depois disso tudo”.

Enquanto alguns defendem que o isolamento deve ser absoluto, outros o enxergam como um exagero e toda essa discussão parece apenas amplificar esse período de extrema divisão social que já vivemos. Nesse contexto, o que você acha que esse momento significa para nós como sociedade?

Eu sou otimista, às vezes até chato por isso [risos]. Apesar de todos os absurdos que cada dia vemos na internet e nas redes sociais, eu tenho tentado acreditar que vamos sair dessa melhores. Eu espero que a gente aprenda um pouco mais sobre o que realmente importa. Aprender que um e todos é a mesma coisa. Aprender que o que importa é dividir, sem isso não somos nada. Eu acredito em uma sociedade mais empática, mais solidária e mais atenta depois disso tudo. É o que eu quero e escolho acreditar.

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Vitor Locatelli (esq.) com a banda Moreati (Crédito: Luiza Grillo).

+ Leia também: Moreati mistura reflexões, desabafos e amores em Algum Lugar, seu disco de estreia.

Acha que é possível tirarmos algo positivo de um período como esse?

Diversas coisas! Eu acredito muito em aprendizado. Coisas boas e principalmente coisas ruins nos trazem aprendizado e sabedoria. Pessoalmente falando, já me sinto bastante mudado e acredito que dificilmente vou voltar a enxergar as coisas como antes. Tenho certeza que vou dar muito mais valor a pequenezas que às vezes passavam batidas. Cada um é a mudança que o universo precisa, não é mesmo?

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Num foco mais pessoal, o que você descobriu sobre si mesmo ou aprendeu nesse período de introspecção?

Todo dia aprendo que não sei de nada, que o futuro não existe e que nós somos agora. Se nós somos agora, temos que sempre buscar a melhor versão de nós mesmos e dividir amor. Acho que esse isolamento é uma lição de amor. Precisamos viver cada momento com mais amor pelo outro, por nós mesmos e pelo mundo.

“A música sempre cumpriu um papel social importantíssimo e agora parece que isso ficou reforçado”.

Quando se trata de compor ou trabalhar num projeto criativo, muitas pessoas naturalmente buscam um certo isolamento. Esse período tem sido favorável para você nesse sentido?

Resolvi tirar do papel um velho desejo que era a carreira solo — um lado mais intimista, mais exposto, talvez. Mas, como falei antes, não me cobro e não me sinto obrigado a produzir. Tenho meu tempo, mas as coisas acabaram acontecendo e o primeiro single foi pro mundo. Mas tenho me ocupado como sempre, com o violão, que é meu refúgio. Dele sai tudo, da Moreati, agora do Vitu. E dele sai também meu refúgio muitas vezes, o que me acalma e que me faz respirar.

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Moreati ao vivo (Crédito: Tati Hauer).

+ Leia também: “Escute esse disco”, por Vitor Locatelli (Moreati, Vitu).

Como você espera que o seu trabalho possa contribuir tanto no período durante quanto no pós-quarentena?

A música sempre cumpriu um papel social importantíssimo e agora parece que isso ficou reforçado. Somos um refúgio, a gente se expõe pra encontrar com as pessoas e dividir uma jornada. Seja antes, seja agora, música pra mim sempre foi isso: trocar, se conectar, dividir. A música que acabei lançando como Vitu surgiu em um dia em que estava muito mal e encontrei na escrita um escape. Muitas pessoas vieram falar comigo que era o que precisavam ouvir no momento ou que consegui traduzir o que ela estava sentindo. Acho que é isso, se encontrar para não se sentir ainda mais sozinho, isolado.

Por fim, muito se especula sobre como será o convívio social num período pós-quarentena e os seus impactos em toda a cadeia musical. Quais são as suas expectativas para esse novo capítulo?

Acho que prefiro esperar. Não sei como vai ser, não faço ideia. Mas somos uma ala criativa, somos isso. Então vai ter uma saída, vamos achar o caminho.

Texto: João Depoli | @joaodepoli.

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