Thaysa Pizzolato: “Um senso urgente de mudança está crescendo.”

A tecladista mais requisitada da Grande Vitória nos contou o que ela tem desenrolado nessa quarentena
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Thaysa Pizzolato (Crédito: Aron Ribas).
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Responsável pelos poderosos e sutis teclados e sintetizadores que dão um gostinho a mais à banda Auri, Thaysa Pizzolato é uma musicista incansável. Além de seu trabalho com sua banda principal, que no ano passado lançou um single produzido pela galera do Supercombo, ela também já levou toda sua musicalidade e talento a grupos como My Magical Glowing Lens, Rising Bones, Melanina MCs e muitos outros. Atualmente isolada, ela segue compondo em seus teclados e sintetizadores, publicando vídeos de músicas instrumentais futuristas e de bom muito bom gosto em seu Instagram.

Confira abaixo a íntegra da conversa que tivemos e saiba quais são suas reflexões sobre esses últimos meses de pandemia. Aproveite também para ler as entrevistas com outros artistas capixabas que participaram da série Quarentalks clicando aqui.

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Thaysa Pizzolato ao vivo (Crédito: Tati Hauer).

João Depoli: Nós brasileiros acompanhamos com relativa antecedência a evolução dessa pandemia ao redor do mundo. Ainda assim, o ato de entrar em quarentena provou-se ser algo mais fácil de ser compreendido na teoria do que na prática. Você acredita que estava preparada para isso?

Thaysa Pizzolato: Quando me perguntam como estou, respondo: “tentando não surtar mais que ontem”. Um dia de cada vez, sabe? Acho que a dimensão de tudo que está acontecendo é um processo, dia a dia. Lembro que em março ou abril, quando a quarentena começou a virar realidade, a gente colocava um prazo relativamente curto para a volta do “normal”. Pensando bem, foi bem ingênuo pensar assim. Pelo que se vê, pelo que fazem, a necessidade da quarentena e do distanciamento social está se alongando mais e mais. Absorver toda essa a realidade e colocar tudo em uma perspectiva mais clara é difícil. Talvez o “normal” não volte a ser mais o que a gente estava acostumado.

+ Aproveite para ler a entrevista com o vocalista e guitarrista da banda Auri, Everton Radaell: “Tem sido algo muito novo pro nosso emocional e mental associar sem ‘quebrar’”.

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Como você tem lidado com o fato de que parte de suas atividades, planos e até mesmo fontes de renda foram reduzidas, adiadas ou até mesmo extintas?

Bastante apreensiva, ansiosa, frustrada, triste… mas sempre tentando manter a calma, talvez? Quando penso “e se este ano não tivesse sido assim?”, bate uma frustração pesada. Mas tento não ir muito por esse caminho. Tá todo mundo no mesmo barco, sabe? Estou me adaptando à medida que vou compreendendo o que sinto e o que é possível fazer neste período. Especificamente na área cultural, estamos sofrendo muito. É uma das áreas que mais vai demorar a voltar ao “normal”, de fato. Shows suspensos, atividades suspensas, planos adiados… é complicado. Mas nessas horas temos que pensar no eventual “tudo vai ficar bem”, se ajudar e buscar novos caminhos.

Desde que entramos nessa, vimos que o isolamento teve diversos reflexos nas pessoas. Enquanto uns não notaram muita diferença em seu cotidiano, alguns viram seus problemas com depressão sendo amplificados, outros passaram por crises de ansiedade e mais. Como tem sido a sua adaptação a esse período?

Tem sido bem um dia de cada vez. Tem dias ruins, dias piores, dias apáticos e até dias que você pensa “hoje foi um dia bom”. A situação por si só já é difícil, estamos enfrentando uma pandemia global. E, além de tudo, temos o Brasil (caos na terra) e as outras questões urgentes do mundo. É absurdo atrás de absurdo. Todo dia uma notícia bizarra… gatilhos pra ansiedade não faltam. A saudade também se tornou um sentimento “diário”. Estou aprendendo a lidar com isso. Saudade do dia a dia, da família, dos amigos, dos trabalhos, do simples “ir e vir”. Mas é aquilo: sempre tentando manter a calma — se a gente consegue, tem dias que sim e dias que não, e tá tudo bem. Minha paz de espírito, uma forma de “desligar” um pouco a mente, é a música — mais que nunca. Tenho tentado reajustar projetos para novos formatos e seguir com alguns trabalhos de casa. Estou também sempre em contato com amigos mais próximos e a família. Conversar e compartilhar sentimentos me ajuda. A gente vai diminuindo a saudade do jeito que dá. E estar nessa quarentena ao lado do meu companheiro, Vitor [Locatelli], é uma “sorte”. A gente se ajuda, sempre.

“Talvez o ‘normal’ não volte a ser mais o que a gente estava acostumado”.

Enquanto alguns defendem que o isolamento deve ser absoluto, outros o enxergam como um exagero e toda essa discussão parece apenas amplificar esse período de extrema divisão social que já vivemos. Nesse contexto, o que você acha que esse momento significa para nós como sociedade?

Este momento deixou ainda mais evidente a diferença social que existe no Brasil e todo o egoísmo “podre” que aí está, por assim dizer. Fazer ou não isolamento social não deveria ser debate neste momento, mas não temos nenhuma garantia de amparo. Eu entendo que sou privilegiada por poder ficar em casa, poder fazer o tal “home office”. Infelizmente, a maioria não é. É momento de entender qual é o nosso lugar, que mudanças são necessárias e prioridades devem ser revistas.

+ Confira nossa entrevista com Vitor Locatelli (Moreati, Vitu): “Bastante força e criatividade para seguir driblando a situação”.

Acha que é possível tirarmos algo positivo de um período como esse?

Eu espero que sim? Pior que está não fica? Do fundo do coração, espero que todo mundo tenha mais empatia e dê mais valor às relações pessoais, dê também mais valor ao esforço de cada um para que as coisas aconteçam. Como sociedade, acho que um senso urgente de mudança está crescendo. Essa consciência é importante.

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Num foco mais pessoal, o que você descobriu sobre si mesma ou aprendeu nesse período de introspecção?

Difícil colocar em palavras, mas sinto que algo já “clicou” em mim. Acho que não tem como ficar indiferente com tudo que tá acontecendo. Percebi que venho descobrindo novas formas de ser resiliente, isso é bom.

“Mudanças são necessárias e prioridades devem ser revistas”.

Quando se trata de compor ou trabalhar num projeto criativo, muitas pessoas naturalmente buscam um certo isolamento. Esse período tem sido favorável para você nesse sentido?

Aproveitei a necessidade para começar novos projetos e conseguir montar um “estúdio” em casa. Não é bem um estúdio, mas dá pra gravar, fazer um barulho. Antes não tinha tempo pra sentar, instalar os programas que eu queria e realmente entrar a fundo numa gravação em casa, por exemplo. Esse tempo em casa acaba sendo proveitoso nesse sentido, de tirar vontades antigas do papel. A saudade de tocar ao vivo a gente mata fazendo essas colaborações cada um de sua casa. Longe de ser a mesma coisa, mas pelo menos é divertido e é uma forma de estar “perto” de amigos.

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Thaysa Pizzolato (Crédito: Victória Dessaune).

Como você espera que o seu trabalho possa contribuir tanto no período durante quanto no pós-quarentena?

Se trouxer um pouquinho de alegria e inspiração pra quem ouvir, ver ou sentir, já tô feliz.

+ Leia também: Gabriela Terra (My Magical Glowing Lens): “Não dá pra glamourizar a produtividade em tempos de pandemia”.

Por fim, muito se especula sobre como será o convívio social num período pós-quarentena e os seus impactos em toda a cadeia musical. Quais são as suas expectativas para esse novo capítulo?

Eu acho que a gente vai ter que se reinventar — o que já está acontecendo. Vamos acompanhando de perto as ondas de mudança que estão vindo. A gente torce pra que a cultura, como um tudo, fique de pé e encontre caminho de superação. E vamos lutar pra isso.

Texto: João Depoli | @joaodepoli.

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