Guilherme Cysne é um cantor e compositor capixaba que de uns anos pra cá tem se dedicado ao seu projeto solo, o Bongrado, sua “banda de um homem-só”. Nela, o músico já gravou os EPs ‘Nômade’ (2016), ‘Tempo ao Temporal’ (2018) e no ano passado deu origem ao ótimo ‘Por Esta Estrada’, que inclusive figura em nossa lista de melhores do ano. Mas além de músico, Cysne tem como seu principal ofício a produção musical. Dentre os artistas com quem ele já trabalhou por aqui, destacam-se Merci, Bernardo John e Rising Bones.
Veja Guilherme em nossa lista
Confira abaixo a íntegra da conversa que tivemos e saiba quais são suas reflexões sobre esses últimos meses de pandemia. Aproveite também para ler as entrevistas que fizemos com outros artistas capixabas que participaram da série Quarentalks clicando aqui.
João Depoli: Nós brasileiros acompanhamos com relativa antecedência a evolução dessa pandemia ao redor do mundo. Ainda assim, o ato de entrar em quarentena provou-se ser algo mais fácil de ser compreendido na teoria do que na prática. Você acredita que estava preparado para isso?
Guilherme Cysne: Acho que ninguém estava preparado, né? É raro acertamos na loteria ao contrário [risos]. Acho que nunca estamos preparados pra quebrar a rotina dessa forma. A realidade parece estática e previsível, mas não é.
Como você tem lidado com o fato de que parte de suas atividades, planos e até mesmo fontes de renda foram reduzidas, adiadas ou até mesmo extintas?
Pra ser honesto, eu já toco uma atividade online há bastante tempo. Então minha rotina se manteve.
Desde que entramos nessa, vimos que o isolamento teve diversos reflexos nas pessoas. Enquanto uns não notaram muita diferença em seu cotidiano, alguns viram seus problemas com depressão sendo amplificados, outros passaram por crises de ansiedade e mais. Como tem sido a sua adaptação a esse período?
Pra mim foi tipo o meme: “descobri que meu estilo de vida se chama quarentena” [risos]. Mas é triste saber que tanta gente está sendo impactada e que vem um maremoto por aí. Do ponto de vista mental, eu tenho tentado não gastar tempo demais com as notícias, só o suficiente para não alienar. Tenho focado muito em trabalhar, em usar o tempo pra produzir e até achei um espaço pra me arriscar na prática da Yoga. Sou muito iniciante e experimentei pouco, mas tenho curtido.
“Essa coisa de radicalizar, policiar os iguais e demonizar o diferente, eu acho que só traz frutos ruins”.
Enquanto alguns defendem que o isolamento deve ser absoluto, outros o enxergam como um exagero e toda essa discussão parece apenas amplificar esse período de extrema divisão social que já vivemos. Nesse contexto, o que você acha que esse momento significa para nós como sociedade?
Acho que mais uma grande aula sobre como a polarização pode ser ruim. É um momento político intenso, é impossível não escolher um lado, mas isso não significa que é necessário escolher um extremo. Essa coisa de radicalizar, policiar os iguais e demonizar o diferente, eu acho que só traz frutos ruins. É o caminho oposto ao amadurecimento da sociedade.
Acha que é possível tirarmos algo positivo de um período como esse?
Acho sim, desde coisas diretas, como cuidados maiores com hábitos que podem reduzir a transmissão de doenças de alto contágio, até questões de reflexão da política e do modelo de gestão dos recursos da sociedade.
Num foco mais pessoal, o que você descobriu sobre si mesmo ou aprendeu nesse período de introspecção?
Ah sim, claro! Tem a questão humana. Esse tapa na cara nos faz ver que a vida é curta e deve ser vivida com mais intensidade. Nunca mais terei a mesma visão sobre a rotina e a realidade [risos].
“A pandemia veio para mostrar que a internet é muito mais do que treta no Facebook e corpos bonitos no Instagram”.
Quando se trata de compor ou trabalhar num projeto criativo, muitas pessoas naturalmente buscam um certo isolamento. Esse período tem sido favorável para você nesse sentido?
Com certeza. Existem formas de tirar proveito das crises, no bom sentido, e uma delas é produzir aquilo que nos eleva a um estado de reflexão. Pra ser honesto, a correria tá enorme, mas eu [fiz] pelo menos uma música nova, inspirado nisso tudo. Se chama “Para Além do Caos” — tem uma demo no meu perfil pessoal do insta e devo lançar alguma hora.
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Como você espera que o seu trabalho possa contribuir tanto no período durante quanto no pós-quarentena?
Há quase uma década eu tenho um trabalho com didática de áudio e produção musical na minha produtora, a Cysne Produções — que é a minha profissão de fato. Eu confesso que comprei mais a missão nessa área do que como artista. Eu tenho produzido muito conteúdo para músicos e artistas que estão precisando aproveitar seu tempo, aprender novas habilidades, tentar criar novas fontes de renda e por aí vai.
Por fim, muito se especula sobre como será o convívio social num período pós-quarentena e os seus impactos em toda a cadeia musical. Quais são as suas expectativas para esse novo capítulo?
Olha, estou tentando ser realista, sem pender para nenhum lado. A expectativa é que a economia sofra, que o mercado do entretenimento demore a se recuperar e isso significa menos atividade musical em geral. Porém, a pandemia veio para mostrar que a internet é muito mais do que treta no Facebook e corpos bonitos no Instagram [risos]. O mundo inteiro está descobrindo o potencial de fazer coisas à distância e na música não será diferente. Já vendendo o meu peixe, quem souber se adaptar ao universo online, desenvolver novas habilidades, vai descobrir um novo mercado muito virgem e fértil pela frente. Eu tenho sido um grande entusiasta dos novos ambientes musicais.
Texto: João Depoli | @joaodepoli.