Natural de Vitória, Edson Sagaz acumula diversos ofícios. Além de ser o artista plástico autor do primeiro graffiti da nossa capital (em 1988), é produtor de eventos, professor, militante de movimentos sociais e mais. Hoje ele está aqui como rapper, compositor e um dos membros fundadores do grupo Suspeitos na Mira, um dos pioneiros do rap no estado.
Confira abaixo a íntegra da conversa que tivemos e não deixe de ler sua participação ao lado de Fabio Mozine (Mukeka di Rato), Gabriela Brown, Luíza Boê, Thiago Stein (DOZZ) e Fepaschoal no segundo episódio da série Quarentalks.
João Depoli: Nós brasileiros acompanhamos com relativa antecedência a evolução dessa pandemia ao redor do mundo. Ainda assim, o ato de entrar em quarentena provou-se ser algo mais fácil de ser compreendido na teoria do que na prática. Você acredita que estava preparado para isso?
Edson Sagaz: Incômodo, desconfortável e indigesto. Por saber que nunca estivemos preparados pra isso e pra mais um monte de situações, fomos muito descrentes com todo esse surto e desmerecemos o conhecimento científico, contaminados por uma onda de fake news lamentavelmente espalhadas por pessoas que exploram a fé alheia e que também desacreditam de todo universo científico.
Como você tem lidado com o fato de que parte de suas atividades, planos e até mesmo fontes de renda foram reduzidas, adiadas ou até mesmo extintas?
Como já foi dito por várias pessoas do universo do setor cultural, somos/fomos a primeira classe trabalhadora a parar e com certeza seremos a última a voltar de fato, pois somos o setor que mais movimenta volume de pessoas em torno de megaestruturas, de projetos infinitos em torno de shows, teatros, cinemas, juntamente com setores da rede alimentícia, como restaurantes, bares e outros. Com isso, vimos uma nova maneira de nos reinventarmos, palavra muito usada em lives espalhadas pela internet.
Desde que entramos nessa, vimos que o isolamento teve diversos reflexos nas pessoas. Enquanto uns não notaram muita diferença em seu cotidiano, alguns viram seus problemas com depressão sendo amplificados, outros passaram por crises de ansiedade e mais. Como tem sido a sua adaptação a esse período?
Julgo ter tido um pouco de sorte por estar em quarentena e isolado com pessoas que tenho um afeto profundo. Digo que esse momento é também um momento pra você se auto avaliar como ser humano e participar mais das tarefas diárias — não que tivesse uma ideia diferente dessa atitude, mas agora se tornou mais frequente ou mais pulsante em minha cabeça. Deixar as tarefas pra depois ou pra somente uma pessoa dentro de casa gera não só desconforto, mas grande desgaste na maioria das relações. Por isso eu não acho, tenho certeza, que é um dos agravantes de velhas relações se acabarem nesse período, por haver uma certa incompatibilidade na divisão das tarefas dentro dos lares.
“Foi o sacode natural que a Terra acaba de nos dar.”
Enquanto alguns defendem que o isolamento deve ser absoluto, outros o enxergam como um exagero e toda essa discussão parece apenas amplificar esse período de extrema divisão social que já vivemos. Nesse contexto, o que você acha que esse momento significa para nós como sociedade?
Enquanto países seguiram sugestões acolhidas pela Organização Mundial da Saúde e viram efeitos positivos em relação à pandemia, isolamento e distanciamento social, o “Excrementosíssimo Bolsa de Presidente” incompetente relativizou, juntamente à horda de vermes que o seguem, apelando a uma retórica genérica, sem nenhum embasamento científico.
Acha que é possível tirarmos algo positivo de um período como esse?
Sim, haja visto que esse foi o sacode natural que a Terra acaba de nos dar. Já vivíamos em uma situação alarmante de destruição de nossos recursos naturais, como florestas, rios e mares. O desprezo à vida humana [também] é grande nos comportamentos de algumas pessoas — digo lideranças e setores da sociedade civil — e por muitos anos estimulado pelas grandes corporações midiáticas, [que trabalham] sem nenhuma imparcialidade. Mas quando temos manifestações que rompem a quarentena por reivindicações, criando um contraponto na polaridade atual da conjuntura dessa necro-política que o desgoverno Bolsonariano insiste em manter, isso mostra que estamos no caminho da mudança.
Num foco mais pessoal, o que você descobriu sobre si mesmo ou aprendeu nesse período de introspecção?
Sim, reforçou muito aquilo que eu já venho dizendo para meus alunos: “nunca é tarde pra aprender algo novo, filtrar muita desinformação popularizada nas TVs e pela web/redes sociais”. [Estou] aprendendo a editar vídeos, escrevendo e compondo muito, estudando muitas lives de grandes artistas da cultura hip-hop e vendo muito canais progressistas de opiniões políticas, como Meteoro, Henry Bugalho, O Historiador, Clayson e Fala, M.R. Mas também resolvi fazer algo pelos meus pares. Entrei numa de fazer campanha de arrecadação e doação aos que fazem cultura e que nesse exato momento tão passando por essa dificuldade. Temos como exemplo uma galera que tem em suas abordagens — sejam elas musicais, em coreografias, em arte ou teatrais — o discurso sempre em função do coletivo, sem pensar como será o dia de amanhã. Resolvi entrar em contato com essa galera após ter recebido várias doações de outro grupo e as respostas eram constatadas na prática. A galera realmente tem passado necessidades e muitas vezes caladas. Não por orgulho, mas por displicência talvez, pelo mínimo de brio.
“O Corona caminha livre nas ruas, escoltado por seguranças fardados, enquanto a quebrada é dizimada por milicianos há 520 anos.”
Quando se trata de compor ou trabalhar num projeto criativo, muitas pessoas naturalmente buscam um certo isolamento. Esse período tem sido favorável para você nesse sentido?
Sou contrário a muitas maneiras de escrever e uma delas é se isolar com silêncio. No caso de música, eu preciso que tenha algo já como trilha sonora ao fundo, seja qualquer tipo de som menos universitário, nada contra mas prefiro viola de moda ou outros tipos de som. Moro bem de frente de uma avenida — se num for uma das mais movimentadas da Grande Vitória. Gosto desse ócio criativo com diversidade sonora e, pra dar uma acrescentada em todo o caos de informações, ligo a TV em algum canal de jornalismo. Pronto, esse é o meu perfeito cenário criativo. Agora é claro que existem alguns momentos ou determinados textos que eu preciso de silêncio pra improvisar e um deles foi na criação das respostas destas perguntas.
Como você espera que o seu trabalho possa contribuir tanto no período durante quanto no pós-quarentena?
Sempre pensamos numa narrativa coerente e que seja informativo, em que registrar. Uma época influenciará e mudará ideias, modas, estilo, conceitos. Acho sempre que o rap, junto à sua cultura hip-hop, já vem desempenhando o seu papel.
Por fim, muito se especula sobre como será o convívio social num período pós-quarentena e os seus impactos em toda a cadeia musical. Quais são as suas expectativas para esse novo capítulo?
Primeiro que a juventude tome sentido de quem ela é e que tome as rédeas dessa luta, pra não viverem de luto. Eu, por este tempo isolado, achava realmente que iríamos mudar drasticamente, mas acredito que eu posso estar errado. A maioria dos seres humanos são educados pra se relaxarem, pra errarem e não assumirem o erro, não fazer uma autocrítica. Haja visto o que já vem acontecendo com o relaxamento de alguns estados, o povo se joga nos braços da rua quinem os rockeiro se jogava nos braços da multidão à frente de seu palco. Estamos vivendo um momento muito difícil, onde terraplanistas negacionistas antivacina repetem as asneiras do seu mito mor e que irão se tratar com o remédio que ele disser que é bom. Tamo no rumo de uma infecção de rebanho. Se cuidem, protejam-se, porque o Corona caminha livre nas ruas, escoltado por seguranças fardados, enquanto a quebrada é dizimada por milicianos a 520 anos e com os jornalistas até algum tempo atrás passando pano pros imperialistas. Tire suas dúvidas vendo a cobertura das últimas manifestações. Tá mudando, mas quanto sangue teve que escorrer e ainda vai jorrar por debaixo dessa ponte? Quantos deles e quantos dos nossos não teve que ser torturado até termos uma câmera melhorzinha na mão pra expormos toda essa Desgraça? HOJE e SEMPRE: não estamos em um momento delicado, sempre vivemos nesse “Momento” — como alvos móveis com várias miras, umas nas costas outras nas testas. Nunca ficamos de brincadeira na hora de irmos pro fronte da batalha. Temos nossos corpos usados de escudo por muitas vezes pela esquerda branca, mesmo assim entendemos que a luta é séria. Agora temos mais recursos e ferramentas para expor A Luta Antirracista e Antifascista, mortes na periferia agora, à luz do dia, em qualquer lugar. É a normalização da barbárie. Homenageio os herdeiros que preferem morrer de pé a que viver de joelhos.
Texto: João Depoli | @joaodepoli.