Jefferson Koscky Jr: “A divisão de opiniões demonstra a total falta de consciência de classe dos brasileiros.”

Leia na íntegra o papo que tive com Jefferson Koscky Jr (Marte Attack) sobre esse período de quarentena e os seus desdobramentos atuais e futuros
jefferson-koscky-jr-marte-attack-harley-viva-fotografia
Jefferson Koscky Jr com a Marte Attack no Vitória Rock Festival (Crédito: Vivá Fotografia).
PUBLICIDADE

Jefferson Koscky Jr é o vocalista e guitarrista da Marte Attack, banda de punk rock formada na cidade de Vila Velha em 2011 e que cuja estreia foi marcada pelo lançamento de Homem Pós Moderno (2015). Este álbum reuniu oito músicas que discutem temas como política e problemas sociais em cima de uma camada sonora urgente, mas divertida — “são trilhas sonoras boas para andar de skate”, como garante a banda.

Confira abaixo a íntegra da conversa que tivemos e saiba quais são suas reflexões sobre esses últimos meses de pandemia. Aproveite também para ler as entrevistas com outros artistas capixabas que participaram da série Quarentalks clicando aqui.

João Depoli: Nós brasileiros acompanhamos com relativa antecedência a evolução dessa pandemia ao redor do mundo. Ainda assim, o ato de entrar em quarentena provou-se ser algo mais fácil de ser compreendido na teoria do que na prática. Você acredita que estava preparado para isso?

Jefferson Koscky Jr: No início do ano, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou pandemia, eu acreditei que nós no Brasil iríamos aproveitar das experiências de outros países sobre o afastamento social e lockdown para que os casos não se agravassem, mas as coisas por aqui não poderiam ser piores. Estamos na beira de um colapso do sistema de saúde, devido ao avanço da contaminação, e a crise política no país agrava na medida que o isolamento social vem sendo necessário. Sabemos que o Brasil é frágil devido à grande desigualdade da distribuição de renda junto a um sistema de saúde público que não consegue atender a todos, porém eu não esperava que a contaminação e as mortes seriam banalizadas por uma parte dos brasileiros com ideologias questionáveis disfarçadas de opiniões. Me sinto aflito com tudo. O Brasil não estava preparado para isso.

PUBLICIDADE

Como você tem lidado com o fato de que parte de suas atividades, planos e até mesmo fontes de renda foram reduzidas, adiadas ou até mesmo extintas?

Por enquanto eu consigo trabalhar a distância. Sou professor e atuo em duas escolas da rede estadual. É um trabalho difícil e desafiador, mesmo antes do isolamento social, porém me considero com sorte por conseguir manter meu trabalho que ao mesmo tempo traz produtividade e responsabilidades para a escola, para os alunos e para mim. Meus planos pessoais e da nossa banda foram todos interrompidos e adiados.

Desde que entramos nessa, vimos que o isolamento teve diversos reflexos nas pessoas. Enquanto uns não notaram muita diferença em seu cotidiano, alguns viram seus problemas com depressão sendo amplificados, outros passaram por crises de ansiedade e mais. Como tem sido a sua adaptação a esse período?

Além do meu trabalho a distância com a escola, que me ocupa um bom tempo durante a semana, tenho procurado estudar mais nesses dias, retomando a leitura dos meus livros, fazendo aula de canto a distância e acompanhando alguns canais no YouTube sobre política. Isso acaba resultando em novas composições para possíveis músicas.

“Eu não esperava que a contaminação e as mortes seriam banalizadas por uma parte dos brasileiros com ideologias questionáveis disfarçadas de opiniões”.

Enquanto alguns defendem que o isolamento deve ser absoluto, outros o enxergam como um exagero e toda essa discussão parece apenas amplificar esse período de extrema divisão social que já vivemos. Nesse contexto, o que você acha que esse momento significa para nós como sociedade?

Significa falta de empatia entre as pessoas. A classe trabalhadora fica dividida com quem oferece empregos e toda essa divisão de opiniões demonstra a total falta de consciência de classe dos brasileiros. Acredito que isso é consequência das disseminações de notícias falsas que circulam nas redes sociais, que entre a crise da saúde pública, a crise política e econômica, se alastra para o senso comum.

jefferson-koscky-jr-marte-attack-fill-dias
Jefferson Koscky Jr., vocalista e guitarrista da Marte Attack (Crédito: Felipe Dias).

Acha que é possível tirarmos algo positivo de um período como esse?

Sim, acho possível — tanto no assunto de saúde quanto nas políticas.  É estranho a gente ter que passar por uma pandemia para aprender a lavar as mãos, limpar as superfícies, os produtos e os alimentos como deveríamos fazer. Essas importâncias só foram compreendidas agora. Em relação às políticas, o apoio ao atual governo tem caído e sua credibilidade cai todos os dias com novos escândalos. Acho que o Brasil pode aprender a não desperdiçar seu voto e exercer o seu direito como um cidadão mais consciente nas eleições futuras.

PUBLICIDADE

Num foco mais pessoal, o que você descobriu sobre si mesmo ou aprendeu nesse período de introspecção?

O Espirito Santo é um estado muito lindo, rico em natureza e em cultura. Também sempre valorizei e admirei minha cidade pelos seus valores diversificados. Percebo ainda mais agora os simples prazeres da vida que é desfrutar da sombra de uma castanheira na praia, tocar violão na pracinha do meu bairro ou dar uma pedalada de bicicleta pela cidade. Assim que tudo isso acabar, vou ir nadar no mar e assistir uma roda de congo.

“Acho que o Brasil pode aprender a não desperdiçar seu voto e exercer o seu direito como um cidadão mais consciente nas eleições futuras”.

Quando se trata de compor ou trabalhar num projeto criativo, muitas pessoas naturalmente buscam um certo isolamento. Esse período tem sido favorável para você nesse sentido?

Sim. Antes da quarentena, nós do Marte Attack estávamos produzindo o nosso novo álbum. Os trabalhos foram interrompidos, mas isso nos deu tempo para repensar e criar novas músicas. Isso me faz lembrar que as vezes nós não produzimos por achar que não temos os equipamentos necessários. Meu violão é mais velho do que eu. Entre parafusos de computador, borboletas estranhas e traste de palito de fósforo, parece o Frankenstein, porque eu mesmo tento resolver os problemas dele [risos], mas ele sempre me atendeu. Esses dias eu consertei um amplificador antigo sozinho. Foi muito gratificante. O que eu quero dizer é que sempre é possível produzir com o que a gente tem. As vezes é necessário só um pouco de insistência.

jefferson-koscky-jr-marte-attack-vivá-fotografia
Jefferson Koscky Jr ao vivo (Crédito: Vivá Fotografia).

+ Leia também: “Escute esse disco”, por Jefferson Koscky Jr (Marte Attack).

Como você espera que o seu trabalho possa contribuir tanto no período durante quanto no pós-quarentena?

No período de quarentena, espero que as minhas produções sirvam para meu crescimento pessoal como compositor e depois da quarentena espero que essas músicas possam chegar às pessoas em forma de conscientização crítica sobre tudo isso que estamos vivendo agora.

Por fim, muito se especula sobre como será o convívio social num período pós-quarentena e os seus impactos em toda a cadeia musical. Quais são as suas expectativas para esse novo capítulo?

Muitos artistas estão fazendo apresentações online. Particularmente eu gosto muito do Green Day, e assistir o Billie Joe tocando violão na casa dele pra mim é muito legal. Não sei o que pode acontecer com os shows no futuro, mas estou ansioso pela vacina e acredito que a ciência irá nos ajudar, e espero que logo, porque não dá pra fazer roda de hardcore online [risos]. Uma coisa é certa, muitos artistas estão perdendo fãs por demonstrarem serem adeptos a teorias conspiratória malucas. Espero que no futuro todos lembrem as infelicidades ditas por esses artistas e que o mundo da música seja no mínimo um pouco melhor que era antes, porque estava muito feio, em muitos aspectos.

Texto: João Depoli | @joaodepoli.

Mais do Inferno Santo