Dan Abranches: “Difícil falar sobre momento positivo quando tem tanta gente morrendo.”

Leia na íntegra o papo que tive com o Dan Abranches sobre esse período de quarentena e os seus desdobramentos atuais e futuros
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Dan Abranches (Crédito: Divulgação).
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Natural de Cachoeiro de Itapemirim, Dan Abranches é um cantor e compositor que, embora ainda seja jovem, já acumula um longo currículo. Ele começou à frente das bandas de rock Olgah e Surbelle, foi pra São Paulo, lançou-se numa carreira solo, mergulhou em versões acústicas no YouTube, resolveu se reinventar no soul e R&B, deu vida ao EP Ruby (2017), passou pelo programa The Voice Brasil e agora está prestes a lançar um novo registro.

Confira abaixo a íntegra da conversa que tivemos e não deixe de ler sua participação ao lado de Juliano Gauche, Ana Müller, Cainã Morellato, Rafael Braz e Hugo Ali no primeiro episódio da série Quarentalks.

João Depoli: Nós brasileiros acompanhamos com relativa antecedência a evolução dessa pandemia ao redor do mundo. Ainda assim, o ato de entrar em quarentena provou-se ser algo mais fácil de ser compreendido na teoria do que na prática. Em retrospectiva, você acredita que estava preparado para isso?

Dan Abranches: Com certeza eu não tava preparado pra isso. Apesar de eu ser uma pessoa muito caseira — eu não saio muito de casa, eu saía apenas pra tocar mesmo — a minha rotina era muito diferente, né? Cada dia eu tava numa cidade e eu não ficava muito na minha casa. Então foi estranho nas primeiras semanas ficar em casa, mas o que é mais estranho é realmente não saber. Não ter perspectiva de futuro, do que eu vou fazer mês que vem, de como que eu vou me sustentar, pagar minhas contas, aluguel, de como eu vou me alimentar. A vida na música é cheia de altos e baixos, ela é difícil, mas a gente tem a opção de… A gente faz uma correria, faz ligações, fecha um show e agora nem isso. Não tem nem a possibilidade de tentar, então tá sendo muito difícil. Me manter na quarentena… Como eu moro com uma outra pessoa, não tá sendo muito impossível assim, até porque eu sou muito caseiro, trabalho com produção e gosto de ficar em casa. Mas, em outras questões, tá sendo bem difícil.

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Como você tem lidado com o fato de que parte de suas atividades, planos e até mesmo fontes de renda foram reduzidas, adiadas ou até mesmo extintas?

Olha, inicialmente eu fiquei bem desesperado na verdade. Quando começou a quarentena eu tinha cerca de 20 shows já fechados e foi tudo cancelado. E eu falei: “E agora?” [risos]. Como que eu vou pagar a minha fatura de cartão, como eu vou pagar minhas coisas? E aí veio o auxílio e eu tive ajuda de alguns familiares, porque eu não conseguiria… e tô tendo ajuda ainda e tô fazendo algumas lives para arrecadar dinheiro. Lancei mais músicas que estavam paradas para arrecadar algum dinheiro com o Ecad [direitos autorais da execução pública de músicas], mas tá sendo muito difícil. Financeiramente muito difícil e muito desesperador.

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Dan Abranches (Crédito: Divulgação).

Desde que entramos nessa, vimos que o isolamento teve diversos reflexos nas pessoas. Enquanto uns não notaram muita diferença em seu cotidiano, alguns viram seus problemas com depressão sendo amplificados, outros passaram por crises de ansiedade e mais. Como tem sido a sua adaptação de um ponto de vista mental a esse período?

Eu tive depressão quase que a minha vida toda e atualmente, nesse ano, no ano passado, finalmente eu consegui fazer um tratamento e entender o que que causava. Então eu sofro ainda de ansiedade, mas depressão, neste período da minha vida, não. Eu não tive muitos problemas em relação a isso. Meu problema é sempre a ansiedade e essa questão financeira que está muito incerta. Mas eu aproveitei esse tempo pra me dedicar mais à minha produção musical, estudar mais sobre isso. E tá sendo bom também, porque, como eu tocava muito, eu nunca tinha tempo. Então [agora] eu tô dedicando tempo pra produção. Quero entrar nesse mercado de produção de beats e acho que essa pandemia me abriu os olhos pra isso. Eu tava muito fincado nessa coisa do show. É onde eu ganho dinheiro, é onde eu ganhava minha renda toda há muitos anos já. Agora eu tenho que me desdobrar e avistar novas oportunidades, novos meios de ganhar dinheiro dentro da música com esse novo mundo virtual.

“Não dá pra excluir tudo o que tá acontecendo só porque eu tenho um lugar de privilégio.”

Enquanto alguns defendem que o isolamento deve ser absoluto, outros o enxergam como um exagero e toda essa discussão parece apenas amplificar esse período de extrema divisão social que já vivemos. Nesse contexto, o que você acha que esse momento significa para nós como sociedade?

Entra o caso da desigualdade social, né? Acho que para algumas pessoas não mudou nada mesmo. Eles estão se alimentando bem e não tem aluguel para pagar. Muitas pessoas têm casa própria, não tem contas e às vezes a fonte de renda delas não foi impactada em nada, enquanto outras pessoas simplesmente não têm o que comer. Eu passei bastante dificuldade [no início]. Depois que eu consegui o auxílio, deu uma melhorada. Acho que, pra nós como sociedade, ao mesmo que eu vejo muitos problemas nessa pandemia, eu vejo também muita gente se ajudando, muita gente doando e muita gente se movimentando para ajudar. Eu participei de algumas lives solidárias, eu doei algumas roupas, tem amigos meus recolhendo roupas e cestas básicas para doar. Acho que também mobilizou muita gente e é muito bonito de ver como as pessoas se ajudam e não são as pessoas que têm muito, né? São as pessoas que têm pouco que ajudam outras pessoas que têm pouco e é muito bonito de ver.

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Acha que é possível tirarmos algo positivo de um período como esse?

Olha, é meio difícil falar sobre momento positivo quando tem tanta gente morrendo na fila do hospital e tanta gente passando muita dificuldade agora, porque não tá podendo trabalhar e porque ganhava o dinheiro do pão ali. Quem trabalha no comércio, quem trabalhava com qualquer tipo de emprego mais informal, quem trabalhava nas ruas vendendo coisas. Acho que tem muita gente sofrendo. Pra mim, particularmente, tem uma coisa interessante que foi o fato de eu parar um pouco. Tinha muito tempo que eu não parava, sabe? Que ficava um pouco em casa e vivia uma vida um pouco mais tranquila. Eu tava sempre naquela ansiedade de mais projetos, de terminar coisas, de viajar. Acho que muita gente tava assim, né? E aí eu tô parando mais pra contemplar. Viver um dia de cada vez, sabe? Isso tem sido interessante, mas não dá pra excluir tudo o que tá acontecendo só porque eu tenho um lugar de privilégio.

Num foco mais pessoal, o que você descobriu sobre si mesmo ou aprendeu nesse período de introspecção?

Eu tô me conhecendo muito, muito, muito… Como nunca me conheci antes. Tá sendo bem interessante entender que eu não preciso de certas coisas. Entender que as minhas prioridades mudaram muito. O meu consumo diminuiu muito e eu entendi que eu não preciso consumir e gastar [tanto], sabe? Mudei meus hábitos. Parei de beber [risos], que é uma coisa que eu fazia com mais frequência e eu acho que tem sido muito bom. Eu posso levar uma vida muito mais simples, muito mais tranquila e tem sido muito bom.

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Quando se trata de compor ou trabalhar num projeto criativo, muitas pessoas naturalmente buscam um certo isolamento. Esse período tem sido favorável para você nesse sentido?

Sim, eu gosto de estar mais isolado e com um pouco do ócio ali pra compor, mas eu parei por vários períodos, né? Quando a ansiedade tá batendo muito forte não dá pra gente compor nada, porque tem mais preocupações do que habilidades e liberdades criativas na nossa cabeça. Então eu passei por vários períodos. Eu fiz um EP de quarentena que tá quase pronto, produzido todo na minha casa — arranjei, escrevi, enfim, gravei tudo aqui e isso me tomou o primeiro mês todo. O segundo mês eu fiquei com muita ansiedade, não fiz quase nada. E nesse terceiro mês eu voltei aos meus projetos, porque não dá pra ficar parado, né? Então foi legal sim pra compor, mas especialmente para estudar produção, que é uma coisa que leva tempo e eu precisava dar uma estudada. Comecei a produzir outros artistas, que era algo que eu já queria fazer há muito tempo e, nessa quarentena eu estou tendo essa possibilidade — à distância, mas tá rolando. Enfim, tá sendo interessante.

“A gente tem que se atualizar, mudar a forma com que a gente fazia as coisas e se adaptar a esse novo momento do mundo.”

Como você espera que o seu trabalho possa contribuir tanto no período durante quanto no pós-quarentena?

Eu espero que a minha música acalme e conforte quem precisa. Eu venho fazendo lives solidárias. Todos os convites para lives solidárias eu aceitei com muito gosto. O que eu posso fazer no momento é usar a minha exposição para divulgar esses projetos que estão realmente ajudando muita gente. E eu espero que a minha música conforte. Essas três novas composições que eu pretendo lançar nesse EP, elas são bem calmas, elas trazem essa calmaria. Pra quem tá com muita ansiedade, acho que vai ser bem legal. E eu fiz pensando nisso, pensando que eu queria passar uma leveza pras pessoas nesse momento. Acho que é a intenção desse EP, porque é o que ele fez por mim, então espero que ele faça por outras pessoas também.

Por fim, muito se especula sobre como será o convívio social num período pós-quarentena e os seus impactos em toda a cadeia musical. Quais são as suas expectativas para esse novo capítulo?

Acho que é esse o momento de mudanças, né? Um período que vai ser muito difícil, mas é um momento de mudanças, pelo menos pra mim. Eu já tô avistando um novo mundo de possibilidades, que é o mundo virtual, que é uma tendência. Talvez ela tenha sido apressada por esse acontecimento, mas é uma tendência. Então eu vejo um novo mundo. Eu pretendo trabalhar muito com produção e almejo um dia viver de direitos autorais através de Spotify e dessas redes. Estar sempre tendo um lançamento com frequência. Acredito que seja possível fazer shows virtuais e mudar um pouco a forma que era feito, né? Vai tudo pro mundo virtual e é isso, porque eu não acredito que esse isolamento vá acabar tão cedo, né? Pelo menos não esse ano pra gente que trabalha em aglomerações basicamente, né? Que são os shows… Acho que vai ser muito difícil. Então a gente tem que se atualizar, mudar a forma com que a gente fazia as coisas e se adaptar a esse novo momento do mundo. Acho que é possível a gente se adaptar sim. A música não vai parar, né? A música vai continuar, só que por outros meios. A gente vai conseguir.

Texto: João Depoli | @joaodepoli.

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