Vinicius Hoffmam (Zé Maholics): “Estamos falhando miseravelmente.”

Leia na íntegra o papo que tive com o Vinicius Hoffmam (Zé Maholics) sobre esse período de quarentena e os seus desdobramentos atuais e futuros
Enzo Toniato (esq.) e Vinicius Hoffmam da banda Zé Maholics (Crédito: Tereza Dantas).
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Vinicius Hoffmam é o incrivelmente carismático e absurdamente talentoso vocalista e gaitista do Zé Maholics, banda que formou em meados de 2016 com os músicos Guilherme Bozi (guitarra), Enzo Toniato (bateria), Guilherme Schwartz (baixo) e Rodrigo Nogueira (teclados, violão e percussão). Inspirados por Red Hot Chili Peppers, Gorillaz e Planet Hemp, o quinteto fez sua estreia com um álbum homônimo logo em 2017 e passou os anos seguintes aperfeiçoando sua obra e groove com o auxílio de incansáveis shows e a brilhante adição de toda uma sessão de metais. No ano passado, o grupo provou todo o seu amadurecimento com um sensacional EP chamado Macaco Politizado.

Confira abaixo a íntegra da conversa que tivemos e não deixe de ler sua participação ao lado de Gustavo Macacko, 6ok (Solveris), Lua MacLaine, Gil Mello (Mudo) e Davi Cirino (Skydiving From Hell) no quinto episódio da série Quarentalks.

João Depoli: Nós brasileiros acompanhamos com relativa antecedência a evolução dessa pandemia ao redor do mundo. Ainda assim, o ato de entrar em quarentena provou-se ser algo mais fácil de ser compreendido na teoria do que na prática. Você acredita que estava preparado para isso?

Vinicius Hoffmam: Eu acho que tudo que nos tira do usual costuma incomodar, e com a pandemia não seria diferente. Eu sou um grande aficionado por história e pandemias não são lá uma novidade nesse sentido. De alguma forma, a ciclicidade histórica desse tipo de evento me trouxe alguma paz. Acho que cada tempo nos apresenta desafios diferentes e precisamos enfrentar os nossos de forma corajosa e consciente.

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Como você tem lidado com o fato de que parte de suas atividades, planos e até mesmo fontes de renda foram reduzidas, adiadas ou até mesmo extintas?

É muito frustrante. Por um lado, especialmente no sentido financeiro, boa parte da minha renda vem de shows em bares e tem sido difícil balancear. Por outro lado, desde o início me propus a tirar algo de positivo disso tudo e tenho usado o tempo extra pra me dedicar a outros projetos que normalmente acabavam ficando de lado por falta de tempo.

Desde que entramos nessa, vimos que o isolamento teve diversos reflexos nas pessoas. Enquanto uns não notaram muita diferença em seu cotidiano, alguns viram seus problemas com depressão sendo amplificados, outros passaram por crises de ansiedade e mais. Como tem sido a sua adaptação a esse período?

Eu convivo com a depressão desde a infância e essa foi uma preocupação minha desde o início da pandemia. Por sorte, há algum tempo eu tenho aprendido a me cuidar e criar ferramentas pra me manter saudável. Tenho feito exercícios físicos regularmente e usado o tempo livre pra compor e trabalhar em músicas novas da banda.

“Cada tempo nos apresenta desafios diferentes e precisamos enfrentar os nossos de forma corajosa e consciente”.

Enquanto alguns defendem que o isolamento deve ser absoluto, outros o enxergam como um exagero e toda essa discussão parece apenas amplificar esse período de extrema divisão social que já vivemos. Nesse contexto, o que você acha que esse momento significa para nós como sociedade?

Eu não sou tão velho, mas desde que me interesso por política, percebo que no Brasil o grande problema é a falta de conhecimento. É muito difícil ver discussões sobre os reais problemas que nos assolam — e discussões válidas relacionadas a política são incrivelmente raras. Acho que a pandemia mostrou de maneira muito cruel a nossa incapacidade de encontrar soluções concretas pros problemas que temos e a insistência das pessoas em cartilhas ideológicas do Século 20. O brasileiro, no geral, não pensa sobre o que realmente é necessário ser feito no país para além das propagandas políticas e conversas de WhatsApp. Numa crise como essa, nossa capacidade de solucionar problemas tem sido testada e, no meu ponto de vista, estamos falhando miseravelmente.

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Vinicius Braga, vocalista do grupo Zé Maholics (Crédito: Gilberto Moulin).

Acha que é possível tirarmos algo positivo de um período como esse?

Sempre é possível, mas acredito que isso demanda um nível de autocrítica maior do que estamos acostumados. Acredito veementemente que precisamos abandonar os extremos, buscar maior compreensão sobre o nosso sistema político e econômico e a partir daí encontrar soluções que façam sentido pra nossa realidade. É claro que tudo isso é mais fácil na teoria do que na prática, mas se nós não mudarmos as nossas atitudes, como podemos esperar mudança de nossos governantes?

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Num foco mais pessoal, o que você descobriu sobre si mesmo ou aprendeu nesse período de introspecção?

Por ficar em casa tanto tempo, acho que a gente presta mais atenção em como gastamos nossa energia e principalmente com o que gastamos. Tenho tentado priorizar minha saúde, usar o meu tempo de forma que eu priorize ao máximo a mim, as pessoas que eu amo e as coisas que eu amo fazer.

“Acho que podemos encontrar formas seguras de reconstruir nosso cenário de shows e música ao vivo de forma consciente e segura”.

Quando se trata de compor ou trabalhar num projeto criativo, muitas pessoas naturalmente buscam um certo isolamento. Esse período tem sido favorável para você nesse sentido?

Pra mim tem sido bastante produtivo. A maioria do meu tempo extra tem sido pra compor e produzir músicas novas. Inventamos um projeto de disco feito em casa pra aprendermos mais sobre o processo de produção, dar vazão ao processo criativo e fornecer algum entretenimento pra quem curte o nosso som e tá em casa à toa.

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Vinicius Hoffmam no palco do Stone Pub (Crédito: João Depoli).

Leia também: Veja qual foi o álbum que o Vinicius Hoffmam nos recomendou para ouvirmos durante a quarentena.

Como você espera que o seu trabalho possa contribuir tanto no período durante quanto no pós-quarentena?

Cada trabalho costuma ter uma linha. Como Zé Maholics, vamos lançar, ainda na quarentena, um álbum feito em casa, sem equipamento chique ou super produzido. Tem música pra rir, pra chorar, pra ficar puto e música pra ouvir na rede tomando vinho. Acho que o objetivo principal é trazer algum alento nesse período tão difícil com o que a gente sabe fazer de melhor, que é a nossa música.

Por fim, muito se especula sobre como será o convívio social num período pós-quarentena e os seus impactos em toda a cadeia musical. Quais são as suas expectativas para esse novo capítulo?

Acho que pra gente do mundo da música é bastante complexo, né? Imagina um show onde ninguém encosta em ninguém. Deve ser bem sem graça [risos]. De qualquer forma, eu acredito que vamos precisar mudar alguns hábitos, pelo menos durante algum tempo pós-pandemia — o que eu acho que vai ser bem difícil por sermos um povo de muito contato físico. De maneira geral, acho que as pessoas gostariam de sair da pandemia direto pra um carnaval fora de época, mas acho que podemos encontrar formas seguras de reconstruir nosso cenário de shows e música ao vivo de forma consciente e segura. Aliás, eu vejo essa responsabilidade como uma coisa 100% coletiva. Músicos, casas de show, bares e público, todos precisamos ter consciência para que possamos recomeçar de forma segura.

Texto: João Depoli | @joaodepoli.

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