Sandrera: “A pandemia tirou do armário quem é da vida e quem é da economia.”

Leia na íntegra o papo que tive com Sandrera sobre esse período de quarentena e os seus desdobramentos atuais e futuros
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Sandrera ao vivo no Projeto Raulzera (Crédito: Vagna Ganen).
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Na ativa desde o final da década de 90, Sandrera é um cantor e compositor natural de Vila Velha que entrelaça elementos do folk norte-americano com a pluralidade da música brasileira. Já tendo se apresentado fora do país, com passagens por festivais na Noruega e na França, seu disco mais recente é Prateleira, lançado ainda em 2018. Atualmente em quarentena, ele segue focado em seu novo projeto artístico, chamado Poemas Engarrafados, que logo renderá um single e um show.

Confira abaixo a íntegra da conversa que tivemos e saiba quais são suas reflexões sobre esses últimos meses de pandemia. Aproveite também para ler as entrevistas com outros artistas capixabas que participaram da série Quarentalks clicando aqui.

João Depoli: Nós brasileiros acompanhamos com relativa antecedência a evolução dessa pandemia ao redor do mundo. Ainda assim, o ato de entrar em quarentena provou-se ser algo mais fácil de ser compreendido na teoria do que na prática. Você acredita que estava preparado para isso?

Sandrera: Não estava preparado. Me senti — e ainda me sinto — assustado e muito triste com o despreparo do atual governo em debochar da situação e não se importar com as famílias que perderam seus entes queridos.

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Como você tem lidado com o fato de que parte de suas atividades, planos e até mesmo fontes de renda foram reduzidas, adiadas ou até mesmo extintas?

Tentando manter o equilíbrio emocional, buscando a resiliência nessa nova situação.

Desde que entramos nessa, vimos que o isolamento teve diversos reflexos nas pessoas. Enquanto uns não notaram muita diferença em seu cotidiano, alguns viram seus problemas com depressão sendo amplificados, outros passaram por crises de ansiedade e mais. Como tem sido a sua adaptação a esse período?

Tem sido um grande exercício mental, pois também sofro muito com a ansiedade — inclusive tenho tido princípios de crises de ansiedade. Tenho buscado criar projetos para o momento de isolamento, como o Café com Live e em projetos pós-pandemia, como o Poemas Engarrafados. A minha força-motriz tem sido a arte, a família e a vida.

“É no caos que o amor se revela”.

Enquanto alguns defendem que o isolamento deve ser absoluto, outros o enxergam como um exagero e toda essa discussão parece apenas amplificar esse período de extrema divisão social que já vivemos. Nesse contexto, o que você acha que esse momento significa para nós como sociedade?

Esse momento de pandemia tornou-se um momento revelador e separa quem olha para o mundo como CNPJ e quem olha para o mundo como CPF. A pandemia tirou do armário quem é da vida e quem é da economia.

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Sandrera (Crédito: Autorretrato).

+ Leia também: Com fragmentos de carta de Raul Seixas para ex-mulher, Sandrera lança videoclipe de “Querida Kika”.

Acha que é possível tirarmos algo positivo de um período como esse?

Sim. Temos que tirar. É isso que a história nos mostra, de estarmos sempre nos adaptando para recomeçarmos.  É no caos que o amor se revela em aquele que restou de pé estender a mão a quem estiver caído. Empatia, solidariedade, amor e a certeza que a humanidade vale a pena.

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Num foco mais pessoal, o que você descobriu sobre si mesmo ou aprendeu nesse período de introspecção?

Descobri que sou mais bagunceiro que eu pensava. Que eu e minha cabeça, às vezes fica difícil ocupar o mesmo espaço. E que, assim como os pássaros, o ser humano não nasceu para ficar preso. Sim. Mudou sim. Mudou a certeza de saber o quanto sou frágil diante de algo invisível. Uma coisa é saber e entender que a vida é frágil, outra coisa é sentir na pele o quanto ela é.

“O que tenho é a esperança de dias melhores, mas as minhas expectativas não são tão otimistas”.

Quando se trata de compor ou trabalhar num projeto criativo, muitas pessoas naturalmente buscam um certo isolamento. Esse período tem sido favorável para você nesse sentido?

Não muda nada para mim, pois em se tratando de isolamento particularmente eu vivo isolado mentalmente, até de mim mesmo. Tenho déficit de atenção, desatenção crônica e com isso acabei desenvolvendo um mundo paralelo. Posso estar em meio a uma multidão, mas com a cabeça na lua. Nunca precisei me isolar para o meu momento de criação. Continuo produzindo a todo vapor. Tenho me ocupado com o meu programa no Instagram, o Café com Live — no qual entrevisto artistas e personalidades do todo Brasil —, em elaborar projetos para editais de cultura e participando de festivais online. [Também] acabei de criar um novo projeto, o Poemas Engarrafados, que consiste em eu engarrafar os meus contos, algumas canções inéditas e meus poemas — todos engarrafados e com aromas nas garrafinhas. Acabei de compor o meu novo single e estou idealizando um show acústico, intitulado Poemas Engarrafados. E também já está pronto o show Quase Hippie, para lançamento pós-pandemia.

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Sandrera e seus “Poemas Engarrafados” (Crédito: Vagna Ganen).

Como você espera que o seu trabalho possa contribuir tanto no período durante quanto no pós-quarentena?

Durante a quarentena, espero que quem ouça uma de minhas canções, ou de qualquer outro artista, possa se desligar de tanta tristeza e dor do momento. E no pós-pandemia, espero poder receber as pessoas em meus shows e que minhas canções tragam, de certa forma, um afago a tudo isso que passamos.

+ Leia também: “Escute esse disco”, por Sandrera.

Por fim, muito se especula sobre como será o convívio social num período pós-quarentena e os seus impactos em toda a cadeia musical. Quais são as suas expectativas para esse novo capítulo?

Ainda não tenho nada formatado de como será, apenas, como a maioria, tenho especulações, imaginando como isso afetará o mercado musical. O que tenho é a esperança de dias melhores, mas as minhas expectativas não são tão otimistas, devido ao impacto negativo na economia.

Texto: João Depoli | @joaodepoli.

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