Larissa Pacheco: “Sobreviver virou um grande desafio.”

Leia na íntegra o papo que tive com a Larissa Pacheco sobre esse período de quarentena e os seus desdobramentos atuais e futuros
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Larissa Pacheco (Crédito: João Augusto Faria dos Santos).
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A cantora Larissa Pacheco é a dona de uma das mais doces e também ferozes vozes do blues capixaba. Tendo tocado ao lado de artistas como Gustavo Macacko, Amanita Flying Machine, Kessy Borges, Vintage Gang e mais, hoje compõe uma das mais renomadas bandas do estilo, a Big Bat Blues Band.

Confira abaixo a íntegra da conversa que tivemos e não deixe de ler sua participação ao lado de André Prando, João Lucas Ribeiro (Muddy Brothers), Patricia Ilus, Henrique Mattiuzzi (Amanita Flying Machine) e Marcus Luiz (Intóxicos) no terceiro episódio da série Quarentalks.

João Depoli: Nós brasileiros acompanhamos com relativa antecedência a evolução dessa pandemia ao redor do mundo. Ainda assim, o ato de entrar em quarentena provou-se ser algo mais fácil de ser compreendido na teoria do que na prática. Você acredita que estava preparada para isso?

Larissa Pacheco: Para ser sincera, nunca consegui ficar exatamente em quarentena. Além da música, tenho uma confeitaria com minha irmã, e tivemos que ser muito criativas para passar por esse período de fechamento da loja — e isso me obrigou a estar mais na rua do que gostaria. Tive uns primeiros dias em casa, mas desde então não consegui passar 3 dias seguidos dentro dela. O que de fato me faz sofrer bastante, porque a vontade de me cuidar em casa é diária, mas a impossibilidade gera muita angústia pela tensão constante do sair e enfrentar todo o processo paranoico de máscara, álcool gel, lavar as mãos mil vezes… todo dia que saio, volto exausta.

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Como você tem lidado com o fato de que parte de suas atividades, planos e até mesmo fontes de renda foram reduzidas, adiadas ou até mesmo extintas?

É um desafio constante de decisões tomadas quase que diariamente, sem nenhuma perspectiva de que serão decisões boas ou ruins. Especificamente com a música, rola uma frustração enorme de estar parada com os projetos, com as parcerias, com os encontros, com os ensaios. Eu ainda tenho um certo alívio por ter outra possibilidade de renda que, embora tenha mirrado muito, é melhor que nada. Mas, para muitos amigos músicos, juntamente com toda a cadeia que se retroalimenta da atividade, sobreviver virou um grande desafio. Toda a atividade cultural tem sido duramente afetada.

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Larissa Pacheco (Crédito: Herone Fernandes).

Desde que entramos nessa, vimos que o isolamento teve diversos reflexos nas pessoas. Enquanto uns não notaram muita diferença em seu cotidiano, alguns viram seus problemas com depressão sendo amplificados, outros passaram por crises de ansiedade e mais. Como tem sido a sua adaptação a esse período?

Pois é, como disse antes, eu mesma não consegui ficar muito em casa, ou seja, embora a rotina tenha mudado, não senti esses efeitos de isolamento no sentido de depressão ou solidão. Ter uma boa companhia em casa ajuda muito também. O que sinto, na verdade, é meio que o inverso disso, o sair que me gera ansiedade em função de todo o processo, do zelo, atenção para coisas como não coçar o rosto, não encostar em nada… A tristeza de encontrar um amigo e não poder abraçar. A revolta em ver gente na rua passeando à toa, sem cuidado algum consigo e com o próximo. A quantidade de gente desamparada. Eu passo mais por uma ansiedade nesse sentido. Tento me nutrir de música, cultura, informação, reflexão, e ioga pra ajudar a manter a mente e o corpo em equilíbrio.

“A quantidade de pessoas nas ruas sem necessidade é algo que me entristece muito. Falta empatia, noção de grupo e do nosso papel enquanto cidadãos.”

Enquanto alguns defendem que o isolamento deve ser absoluto, outros o enxergam como um exagero e toda essa discussão parece apenas amplificar esse período de extrema divisão social que já vivemos. Nesse contexto, o que você acha que esse momento significa para nós como sociedade?

Eu vejo com muita tristeza o quanto temos fracassado enquanto sociedade. Não que seja novidade, mas olhando desde uma perspectiva de uma situação tão grave, em que o próximo precisa do nosso zelo mais que nunca, é que vejo o quanto a vida do próximo parece não importar. Saber que a única forma eficaz de se reduzir o problema é ficar em casa, como vimos dar certo em outros países, e ver a quantidade de pessoas nas ruas sem necessidade é algo que me entristece muito. Falta empatia, noção de grupo e do nosso papel enquanto cidadãos. Saber que algumas pessoas preferem acreditar em lunáticos ao invés da ciência. Muita gente se justificando nos dados que lhes convém para tomar essa ou aquela decisão que vá beneficiar seu interesse pessoal. Tudo isso escancara um egoísmo que me deixa esquisita. Muito embora tenha despertado, por outro lado, e em certos grupos, ações de solidariedade importantes, ainda acho que, enquanto sociedade, temos muito o que refletir.

Acha que é possível tirarmos algo positivo de um período como esse?

Não sei se positivo, mas que muita coisa tende a mudar de forma definitiva ou por um longo período, eu acredito. Creio que muita gente tem ao menos refletido sobre padrões de consumo. Se de fato é tão necessário ter aquele determinado item naquele determinado momento. Prioridades mudaram. A criatividade tem sido outro aspecto interessante de se observar. Muitas soluções criativas para oferecer cultura, produtos e serviços. Todo mundo tem se reinventado pra sobreviver. Talvez como aspecto realmente positivo eu possa citar uma maior solidariedade entre as pessoas. Ao mesmo tempo que muita gente parece não se importar, em outros grupos parece ter ampliado essa noção da importância do papel de todos para a sobrevivência de grupos menos favorecidos. A desigualdade está mais escancarada que nunca, e amparar parece que finalmente se tornou algo que não dá mais pra jogar para debaixo do tapete, principalmente nesse momento de desamparo criminoso do poder público.

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Num foco mais pessoal, o que você descobriu sobre si mesma ou aprendeu nesse período de introspecção?

Creio que resiliência. Não imaginei que fosse capaz de manter a força de vontade de realizar qualquer coisa numa situação como essa. Tinha a impressão de que ficaria desanimada, talvez enfrentar algum grau de depressão, mas isso não tem acontecido. Tenho sentido muita falta da prática da música, falta dos encontros, dos ensaios, talvez isso esteja sendo o mais difícil no campo pessoal. É algo como um importante pedaço que falta. É no que que mais desejo mergulhar quando tudo isso passar.

“Já presenciávamos um mundo de mudanças extremamente velozes, agora mais do que nunca elas devem vir insanas.”

Quando se trata de compor ou trabalhar num projeto criativo, muitas pessoas naturalmente buscam um certo isolamento. Esse período tem sido favorável para você nesse sentido?

Nisso eu acho que sou do contra, me sinto mais criativa com boas companhias, na troca de ideias, ouvindo bons discursos, bons debates. Os encontros são partes importantes que faltam. Quando a inspiração vem eu deixo fluir, gravo áudios, escrevo. Mas confesso que estou devagar.

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Larissa Pacheco (Crédito: João Augusto Faria dos Santos).

Como você espera que o seu trabalho possa contribuir tanto no período durante quanto no pós-quarentena?

Talvez na potência do retorno, na emoção de estar novamente comunicando através da linguagem universal da música e da mensagem que ela traz, em toda sua linguagem. Espero poder sempre ser um instrumento a serviço dessa verdade.

Por fim, muito se especula sobre como será o convívio social num período pós-quarentena e os seus impactos em toda a cadeia musical. Quais são as suas expectativas para esse novo capítulo?

Creio que um belo dia as coisas voltarão ao normal, com pessoas ocupando novamente os tradicionais espaços de cultura e lazer, mas até lá acredito que vamos presenciar uma enorme transição. Acredito em um espaço virtual que se torne ainda mais tecnológico para oferecer maior qualidade de som e imagem. Música nas plataformas de streaming já eram realidade, agora mais que nunca. Muita gente deve se reinventar dentro de suas atividades culturais. Aulas online. Financiamentos coletivos… Não sei exatamente o que deve vir, nem sou muito boa futurista inclusive, mas se já presenciávamos um mundo de mudanças extremamente velozes, agora mais do que nunca elas devem vir insanas.

Texto: João Depoli | @joaodepoli.

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