Depois de um breve atraso devido ao frio e ao trabalho acumulado, hoje está no ar o quinto episódio da Quarentalks, uma série que criei para trazer uma nova abordagem ao Inferno Santo durante esse período de quarentena. Trata-se de uma tentativa de recorte do período de pandemia e os seus reflexos na música e na vida de bandas e artistas nativos ou residentes do Espírito Santo. Em cada episódio eu converso com seis deles sobre os dias de isolamento social e juntos refletimos sobre o que tem rolado.
Nos quatro episódios anteriores eu falei com nomes como Ana Müller, Dan Abranches, Juliano Gauche, Fabio Mozine (Mukeka di Rato), Gabriela Brown, Edson Sagaz (Suspeitos na Mira), João Lucas Ribeiro (Muddy Brothers), André Prando, Sandro Juliati (Volapuque, Mukeka di Rato), Gabriela Terra (My Magical Glowing Lens), Leonardo Machado (Blackslug) e muitos outros.
Desta vez, a conversa conta com Gustavo Macacko, cantor e compositor hoje radicado no Rio de Janeiro e que no ano passado soltou seu novo álbum, Humanifesta; Vinicius Hoffmam, frontman do grupo Zé Maholics, que recentemente lançou o EP Macaco Politizado (2019); Lua MacLaine, cantora que acaba de fazer sua estreia com o doce EP Conversa de um Só (2019); 6ok, membro do quarteto Solveris e artista solo com diversos singles lançados em 2020 — tendo inclusive um novo som agendado para essa sexta (17); Gil Mello, músico por trás do selo Subtrópico e metade do duo experimental Mudo, que em 2018 estreou com o EP Não sei se soma ou ausência; e Davi Cirino, guitarrista e compositor da pesada Skydiving From Hell, cujo single mais recente, “Black Flag”, saiu ainda em 2019.
Suas respostas foram editadas para criar uma dinâmica de diálogo ao texto e suas entrevistas individuais estarão disponíveis logo mais e bem aqui. No mais, é isso. Deixe rolando a playlist de vídeos abaixo que preparei com os participantes deste episódio e divirta-se enquanto lê a matéria.
Nós brasileiros acompanhamos com relativa antecedência a evolução dessa pandemia ao redor do mundo. Ainda assim, o ato de entrar em quarentena provou-se ser algo mais fácil de ser compreendido na teoria do que na prática. Você acredita que estava preparado para isso?
6ok: Não, mano, eu não tava preparado pra essa quarentena.
Lua MacLaine: Acredito que nenhum de nós estávamos preparados para tamanho acontecimento global.
Vinicius Hoffmam: Eu sou um grande aficionado por história, e pandemias não são lá uma novidade nesse sentido.
Gustavo Macacko: As pestes, a crise econômica, a queda do Império e o Renascimento são ciclos que se repetem historicamente.
Vinicius Hoffmam: De alguma forma, a ciclicidade histórica desse tipo de evento me trouxe alguma paz. Acho que cada tempo nos apresenta desafios diferentes e precisamos enfrentar os nossos de forma corajosa e consciente.
Gil Mello: Antes do Covid já vivíamos o cerceamento de direitos básicos, desmantelamento de inúmeros instrumentos de inclusão, massacre da população negra e periférica, destruição acelerada da Amazônia e áreas de preservação — a lista é interminável. Com certeza já tínhamos várias pandemias acontecendo por aqui capitaneadas e divididas em Ministérios e Secretarias
Davi Cirino: Não esperava que a resposta da nossa sociedade brasileira, tanto dos líderes políticos quanto do cidadão comum, fosse ser tão ruim. Acho que até o momento eu não digeri essa situação toda.
Gil Mello: Antes mesmo de se começar a digerir a atual condição que vivemos, a má digestão será longa.
Lua MacLaine: O que vemos hoje é caos e vidas se esvaindo.
Davi Cirino: Eu não consigo entender como nós nos negamos a aprender com os demais países e de onde vem essa disposição de colocar a própria vida e a de outros em risco.
Gustavo Macacko: Isso bateu de forma bem profunda em mim.
Como você tem lidado com o fato de que parte de suas atividades, planos e até mesmo fontes de renda foram reduzidas, adiadas ou até mesmo extintas?
Gustavo Macacko: Eu tinha uma turnê europeia agendada pra abril. Faria shows que passariam por Berlim, Paris, Amsterdã, Barcelona e Portugal e estava muito ansioso por ela. Com a pandemia, tive tudo cancelado e tive que aceitar que a maior viagem que conseguiria fazer nesse momento era ir fazer compras aqui do lado.
Lua MacLaine: É um sentimento de falha. Lancei o meu primeiro EP em novembro e pretendia começar a tocar em abril.
Vinicius Hoffmam: É muito frustrante. Boa parte da minha renda vem de shows em bares e tem sido difícil balancear.
Gil Mello: Já vivo com pouco tem bastante tempo — o que acredito me fazer ter uma certa “calma”, apesar de ter dias que fico pendurado no teto de tanta ansiedade. Onde fico maluco é pensar que das 357 coisas que fazia, uma ou outra, que sobram contando em uma mão, puderam ser continuadas de alguma forma.
6ok: Mano, a verdade é que a gente tem que saber ter jogo de cintura e não desesperar. Tem que pensar, parar um pouco e pensar que não é só você que tá sofrendo, né? Tá todo mundo fodido… tá ligado?
Gil Mello: Tá bem complicado e dentro desse universo só penso nas galeras dos trabalhos, da graxa e da técnica, que estão em situações bem mais vulneráveis.
Lua MacLaine: Infelizmente, esse ano é um ano de perdas e espero profundamente que em 2021 possamos voltar às nossas atividades.
Gustavo Macacko: Entendo que o vírus trouxe novas consciências financeiras também — fazer mais comida em casa, se desligar do que é supérfluo e viver com o básico.
Davi Cirino: O que nós temos feito é reduzir ao máximo os gastos com coisas não essenciais.
Gustavo Macacko: Editais emergenciais foram criados nesse caminho, mas o que mais chamou minha atenção foi voltar o foco pro essencial: cuidar da saúde, da alimentação, entender a composição como um processo de cura interior e aceitar que nossa rotina tava viciada e cheia de equívocos. A matemágicka mudou.
Vinicius Hoffmam: Desde o início tenho usado o tempo extra pra me dedicar a outros projetos que normalmente acabavam ficando de lado por falta de tempo.
6ok: Tenho fé que aos poucos a gente vai conseguindo trabalhar com o que a gente tem e vai conseguindo alcançar um resultado bacana.
Desde que entramos nessa, vimos que o isolamento teve diversos reflexos nas pessoas. Enquanto uns não notaram muita diferença em seu cotidiano, alguns viram seus problemas com depressão sendo amplificados, outros passaram por crises de ansiedade e mais. Como tem sido a sua adaptação a esse período?
6ok: Cara, tem sido difícil, porque minha ansiedade voltou bastante e eu me cobro muito nas coisas que eu faço. Por não poder estar fazendo e não ter como me gravar aqui em casa, esse tempo sem produção tá me cobrando muito.
Gil Mello: Logo no começo da quarentena pensei em finalizar algumas coisas que já vinha trabalhando e aproveitar pra me aprofundar em estudos de produção musical e mixagem. Ao passar dos dias, minha produtividade caiu vertiginosamente e consequentemente a concentração e o ímpeto da prática.
6ok: Chega um momento que a gente começa a ver cada vez mais os nossos defeitos e você acaba focando só neles e esquece bastante coisa do que já fez.
Lua MacLaine: Eu sofro de ansiedade há muito tempo. O fato de ficar em casa era algo comum pra mim, mas com a dificuldade de tráfego por áreas de lazer, nos vemos presos em nossa própria mente.
Davi Cirino: Desde muito novo lido com problemas de ansiedade, depressão e baixa autoestima [e] esse “cárcere” que vivemos me faz mal em alguns dias, mas eu já me sentia recluso mesmo antes disso tudo começar. Eu tento me manter forte pensando que não sofro sozinho.
Vinicius Hoffmam: Eu convivo com a depressão desde a infância e essa foi uma preocupação minha desde o início da pandemia. Por sorte, há algum tempo eu tenho aprendido a me cuidar e criar ferramentas pra me manter saudável.
Lua MacLaine: Eu tento fugir pintando quadros, desenhado, compondo, estudando músicas que eu acho difíceis, respondo quiz… inúmeras atividades para aliviar o tédio e a tensão.
Gustavo Macacko: Estou compondo mais, escrevendo poesias e criando ambientes de debates — produzindo pra não perder o equilíbrio emocional.
Vinicius Hoffmam: Tenho feito exercícios físicos regularmente e usado o tempo livre pra compor e trabalhar em músicas novas da banda.
Gil Mello: Como sou “tripolar” [risos] e não consigo ficar parado, rapidamente me propus a produzir uma música diferente todos os dias. Desse modo vou ocupando a cabeça, tentando transformar e ressignificar angústia, tristeza, ansiedade, saudade e solidão em um cenário mais suportável.
Davi Cirino: Temos que pensar que a vida segue adiante e um dia essa pandemia também vai passar.
Gustavo Macacko: Estamos vivendo uma Guerra Invisível e precisamos estar preparados. Reduzir o tempo nas redes sociais e buscar uma evolução pra não ser contaminado pela pandemia das fake news.
Enquanto alguns defendem que o isolamento deve ser absoluto, outros o enxergam como um exagero e toda essa discussão parece apenas amplificar esse período de extrema divisão social que já vivemos. Nesse contexto, o que você acha que esse momento significa para nós como sociedade?
Gil Mello: Não sei muito bem, mas certamente os planos deram errado.
Davi Cirino: Esse é um momento que escancara a gravidade dessa divisão — nosso povo foi incapaz de se unir para combater uma doença e preservar a própria saúde e a das pessoas ao seu redor.
Gustavo Macacko: Acho que a evolução é inevitável, mesmo que para isso precisemos viver uma Guerra. Cada um acredita no que convém, e nosso país é bem mal-educado e individualista. Vamos pagar um preço e isso não tem como mudar.
Davi Cirino: Os líderes políticos priorizam os interesses empresariais em detrimento da vida dos trabalhadores. Eles instigam o povo contra si mesmo para poder cuidar de interesses próprios e sucateiam a educação e a saúde pública, alienando a população que não sabe como procurar informação e nem como interpretar e filtrar as informações oferecidas.
Gustavo Macacko: Lidar com as diferenças é nosso maior desafio. A política está no viver e as escolhas de cada um serão o reflexo desse entendimento.
Vinicius Hoffmam: Desde que me interesso por política, percebo que no Brasil o grande problema é a falta de conhecimento. É muito difícil ver discussões sobre os reais problemas que nos assolam — e discussões válidas relacionadas a política são incrivelmente raras.
Gil Mello: Se uma profunda autocrítica não estiver sendo feita, o buraco vai parecer não ter fim.
Gustavo Macacko: Sou um artista que me posiciono, pois sei da minha responsabilidade e busco fazer o possível pra ajudar o entorno dentro das minhas possibilidades. Cada um terá que fazer o mesmo — e quem não assumir uma posição também estará se posicionando.
Lua MacLaine: Sou a favor do isolamento social e distanciamento. O importante é nos unir e nos ajudar.
Gil Mello: Num bate papo recente entre o Ailton Krenak e o Sidarta Ribeiro, algo que me atravessou foi uma fala do Ailton, onde ele diz que esse vírus não tem outro endereço que não o ser humano, e este não como existência e sim como espécie.
Vinicius Hoffmam: Numa crise como essa, nossa capacidade de solucionar problemas tem sido testada e, no meu ponto de vista, estamos falhando miseravelmente.
Davi Cirino: Esses problemas já ocorrem há tempos, mas se agravaram nos últimos anos e essa divisão é a culminância dessas falhas.
Acha que é possível tirarmos algo positivo de um período como esse?
6ok: Eu acho que a gente só vai ter essa noção depois que a parada realmente acabar.
Lua MacLaine: Eu gostaria de acreditar que sim, mas somos falhos.
6ok: Às vezes a gente acha que alguma coisa que aconteceu e atingiu um grande número de pessoas pode mudar a cabeça delas, mas passa uma semana e elas esquecem que aquilo aconteceu.
Lua MacLaine: Erramos e parece que muitos não aprendem com os erros e infelizmente acabam atrapalhando o desenvolvimento positivo de outros.
Davi Cirino: Essa pandemia evidenciou o despreparo mundial para lidar com esse tipo de situação
Gil Mello: Ainda mais pensando a forma que o Governo Federal está tratando essa pandemia desde o começo.
Davi Cirino: Nós tivemos sorte da taxa de mortalidade do coronavírus ser baixa quando comparada com a de outras doenças. Muitas vidas foram perdidas por falta de cuidado e, como a memória coletiva é curta, não fico otimista pensando que aprenderemos alguma lição.
Vinicius Hoffmam: Sempre é possível, mas acredito que isso demanda um nível de autocrítica maior do que estamos acostumados.
Gil Mello: O que é certo é a urgência de profundas mudanças estruturais.
Gustavo Macacko: Horizontalizar as relações e trabalhar a humildade, valorizar o que é essencial pra sobreviver e exercitar o perdão, aproveitar pra enfrentar medos e traumas que estavam varridos pra debaixo do tapete, se reinventar sem se preocupar com a opinião alheia e valorizar quem amamos de fato.
6ok: Cuidar do futuro pras próximas gerações é a parada mais importante que a gente tem que pensar.
Vinicius Hoffmam: Precisamos abandonar os extremos, buscar maior compreensão sobre o nosso sistema político e econômico e a partir daí encontrar soluções que façam sentido pra nossa realidade.
Num foco mais pessoal, o que você descobriu sobre si mesmo ou aprendeu nesse período de introspecção?
Vinicius Hoffmam: Por ficar em casa tanto tempo, acho que a gente presta mais atenção em como gastamos nossa energia e principalmente com o que gastamos.
6ok: Eu tô aprendendo a ser mais real comigo, saca?
Gustavo Macacko: Passei a me conhecer melhor, reconhecendo questões e medos mais profundos.
Lua MacLaine: Pude fazer coisas que gostava e que ficava parado por não ter um tempo só meu [e] foquei em atividades que eu já praticava para aperfeiçoar.
Vinicius Hoffmam: Tenho tentado priorizar minha saúde, usar o meu tempo de forma que eu priorize ao máximo a mim, as pessoas que eu amo e as coisas que eu amo fazer.
6ok: Agora eu tô sendo mais conciso, saca? Tô mais focado no que estou pra realizar na minha carreira. Eu tive bastante tempo pra pensar [e] consegui focar num caminho que eu acho que vai dar certo.
Gustavo Macacko: Saber que a morte está mordendo nosso calcanhar é uma revolução pessoal e profissional.
6ok: Isso aí pra mim foi essencial.
Gil Mello: Se nada mudou, aí com certeza tem algo ainda mais errado.
Quando se trata de compor ou trabalhar num projeto criativo, muitas pessoas naturalmente buscam um certo isolamento. Esse período tem sido favorável para você nesse sentido?
Gil Mello: Quando esse isolamento é buscado pelo artista, as energias entram em consonância, [mas] na condição que estamos, as coisas se deram de uma forma terrível, então acredito seja um período muito difícil para muita gente produzir e dar conta da existência e da saúde mental ao mesmo tempo.
Davi Cirino: O isolamento não tem sido positivo no que diz respeito a compor e gravar músicas com a minha banda. Não podemos ensaiar e quando eu estou dentro de casa eu acabo escutando menos música, então a inspiração desaparece
Gil Mello: Isso sem falar que nenhuma conta entrou em quarentena e elas não param um dia.
Lua MacLaine: Acho que compor na quarentena está sendo complicado para mim, pois tem mais gente em casa fazendo diversas coisas diferentes, falando o tempo todo — o que dificulta criar algo.
6ok: Dentro do estilo que eu trabalho, a maioria das vezes o momento e a vivência são intrínsecos ao conteúdo da sua música. E aí você tá preso dentro de casa por um tempão, sem poder fazer nada, tá ligado? Como é que você vai compor uma música assim se você está vivendo totalmente o oposto?
Lua MacLaine: …mas não é impossível.
Gustavo Macacko: Minha criação nunca dependeu de isolamento. Crio onde for pra não morrer. É uma relação tão essencial como a de respirar pra mim.
Gil Mello: Eu achei uma forma para continuar produzindo e não pirar, o que certamente está sendo minha salvação.
Vinicius Hoffmam: Pra mim tem sido bastante produtivo. A maioria do meu tempo extra tem sido pra compor e produzir músicas novas.
Gil Mello: Nesse meio tempo, o álbum que iria lançar como sendo o primeiro disco cheio do Mudo mudou de formato. Vou lançar vários singles separados, acompanhados de vídeos e animação, mas que perpassam ideias que são trabalhadas em todas as músicas.
Davi Cirino:. Eu tirei um tempo pra começar a estudar produção musical e isso tem me mantido ocupado. Até comecei um canal no YouTube com minha namorada onde fazemos alguns covers justamente pra poder mostrar o resultado desses estudos.
Gustavo Macacko: Estou produzindo uma nova canção, chamada “Anti Vírus” [que sai no próximo dia 24], baseada no texto da economista Eduarda La Rocque, que propõe a criação de um fundo pra ajudar a combater a miséria no mundo.
Vinicius Hoffmam: Inventamos um projeto de disco feito em casa pra aprendermos mais sobre o processo de produção, dar vazão ao processo criativo e fornecer algum entretenimento pra quem curte o nosso som e tá em casa à toa.
Lua MacLaine:, Eu tenho focado mais na pintura e desenho nesse momento.
Gustavo Macacko: Mas também tô curtindo ficar olhando pro céu deitado na rede, rolando na grama, cuidando do jardim e me comunicando mentalmente com o mundo extra físico.
Como você espera que o seu trabalho possa contribuir tanto no período durante quanto no pós-quarentena?
6ok: Como tá todo mundo meio que em casa, há uma procura muito grande por coisas que preencham o seu tempo e que te façam não pensar nas coisas ruins que estão acontecendo. Então as pessoas estão consumindo mais videoclipes e mais músicas, saca?
Lua MacLaine: Esse momento é o de descobrir coisas novas, músicas novas. Muita gente não me conhece ainda. Espero contribuir levando amor a todos que escutam as minhas músicas.
Davi Cirino: Eu espero que meu trabalho musical possa entreter o ouvinte, mas que também possa levantar questionamentos e dar força pra combater o que precisa ser combatido.
Gustavo Macacko: Espero que ele seja um tipo de oxigênio pra quem se sentir sufocado, uma fonte de inspiração pra quem quiser criar e um caminho místicko pra quem topar voar. É uma forma de me curar e ajudar pessoas que estão buscando suas próprias curas.
6ok: Eu tinha escrito uma música que parecia às vezes que eu tava sentindo um pouco que essa parada ia acontecer, saca? Ela tem um pé em “Fuck Depression” — daquele EP que eu fiz com o Leozi [Solveris] — e é pras pessoas que às vezes estão jogadas e que desistiram um pouco da vida. O nome da faixa é “Let’s Go” e é pra levar elas pra cima mesmo.
Vinicius Hoffmam: Como Zé Maholics, vamos lançar um álbum feito em casa, sem equipamento chique ou super produzido. Tem música pra rir, pra chorar, pra ficar puto e música pra ouvir na rede tomando vinho. Acho que o objetivo principal é trazer algum alento nesse período tão difícil com o que a gente sabe fazer de melhor, que é a nossa música.
Gil Mello: A música pra mim é conexão, talvez por isso minhas letras tracem um caminho sobre transitoriedade, fragilidades e ressignificação de distâncias. Espero sempre poder contribuir para confortar alguma existência.
Por fim, muito se especula sobre como será o convívio social num período pós-quarentena e os seus impactos em toda a cadeia musical. Quais são as suas expectativas para esse novo capítulo?
Gustavo Macacko: Aprendi a não criar expectativas. Por enquanto meu foco está na minha Quarentena de Cuecas. Acho perda de tempo colocar energia no futuro nesse momento. O tempo é vida e viver cada dia tá valendo muito.
Davi Cirino: Eu me preocupo com as outras consequências da pandemia, [já que] depois da doença enfrentaremos crises econômicas e políticas.
Gil Mello: Apesar de acompanhar alguns pensamentos sobre o novo modo de dispor toda a cadeia da arte e do entretenimento, aos meus olhos ainda está muito longe de que modo toda essa engrenagem vai novamente se movimentar.
6ok: Eu acredito que esse ano não deva ter shows. Se for, vai ser uma parada bem pequena, poucas pessoas ainda de máscara, tá ligado?
Vinicius Hoffmam: Acho que pra gente do mundo da música é bastante complexo, né? Imagina um show onde ninguém encosta em ninguém. Deve ser bem sem graça [risos].
6ok: Vai ser uma questão de tempo pras pessoas voltarem a sentir aquele calor, principalmente em shows, festivais e essas paradas assim. Acho que as pessoas vão se sentir mais à vontade [primeiro] entre amigos, entre familiares e tal.
Lua MacLaine: Espero que seja muito gratificante, tanto no meio musical quanto no meio da arte — que são coisas que eu amo fazer.
6ok: Ninguém quer voltar a esse caos de novo depois de ter terminado.
Vinicius Hoffmam: Vamos precisar mudar alguns hábitos, pelo menos durante algum tempo pós-pandemia — o que eu acho que vai ser bem difícil por sermos um povo de muito contato físico.
6ok: Vai ser o kit, né? Carteira, celular, chave de casa, máscara e álcool em gel.
Vinicius Hoffmam: De maneira geral, acho que as pessoas gostariam de sair da pandemia direto pra um carnaval fora de época, mas acho que podemos encontrar formas seguras de reconstruir nosso cenário de shows e música ao vivo de forma consciente e segura.
Davi Cirino: Eu não acredito que teremos uma mudança significativa. A memória coletiva é muito curta e assim que o público for liberado para frequentar shows e eventos, ele vai voltar a comparecer.
Gil Mello: Está difícil de vislumbrar uma saída para tudo isso e, se tratando de Brasil, a gente mal consegue acompanhar todas as atrocidades diárias — o que embaça mais ainda o horizonte.
Vinicius Hoffmam: Precisamos ter consciência para que possamos recomeçar de forma segura.
Gustavo Macacko: No mais, quero viver o estado de presença com mais entrega e aceitar de uma vez que “Quando eu morrer ainda será agora”.
Gil Mello: Artista tem que ser artista só por querer ser artista, então de alguma forma sabemos pensar e agir de modo criativo. O trabalho minimamente é longo e árduo.
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Entrevistas individuais e na íntegra com cada um destes artistas podem ser lidas bem aqui.
Texto: João Depoli | @joaodepoli.
Foto de capa: Nariz, Gilberto Moulin, Mykaella Lopes, Heitor Riguetti, Almir Vargas e Divulgação.