Natural de Cachoeiro de Itapemirim, 6ok ganhou notoriedade como membro do quarteto de R&B Solveris, que em 2018 deu vida ao seu divertidíssimo e de muito bom gosto álbum de estreia, Vida Clássica. Em atividade solo paralela ao seu trabalho com o grupo, o músico tem se mostrado um artista bastante prolífico, tendo singles lançados numa frequência quase que mensal — inclusive com seu novo som, “Moda”, saindo do forno hoje mesmo (17).
Confira abaixo a íntegra da conversa que tivemos e não deixe de ler sua participação ao lado de Gustavo Macacko, Vinicius Hoffmam (Zé Maholics), Lua MacLaine, Gil Mello (Mudo) e Davi Cirino (Skydiving From Hell) no quinto episódio da série Quarentalks.
João Depoli: Nós brasileiros acompanhamos com relativa antecedência a evolução dessa pandemia ao redor do mundo. Ainda assim, o ato de entrar em quarentena provou-se ser algo mais fácil de ser compreendido na teoria do que na prática. Você acredita que estava preparado para isso?
6ok: Não, mano, eu não tava preparado pra essa quarentena, assim como acho que a maioria das pessoas — apesar de eu ter trabalhado bastante no final e no meio do ano passado e até no início desse ano pra ter material pra soltar, independente de gravação, de clipe ou de música nova. Eu tenho material pra trabalhar, mas não estava preparado de forma alguma e tá sendo difícil digerir essa situação, porque a gente não sabe até quando isso vai ficar. A gente tem a esperança de que não demore muito, mas precisamos voltar a trabalhar, né?
Como você tem lidado com o fato de que parte de suas atividades, planos e até mesmo fontes de renda foram reduzidas, adiadas ou até mesmo extintas?
Mano, a verdade é que a gente tem que saber ter jogo de cintura e não desesperar. Tem que parar um pouco e pensar que não é só você que tá sofrendo, né? Tá todo mundo fodido… tá ligado? Então tá sendo difícil, difícil mesmo, de verdade. Mas tenho fé assim que aos poucos a gente vai conseguindo trabalhar com o que a gente tem e vai conseguindo alcançar um resultado bacana. A boa é imaginar que tá todo mundo na mesma situação que você. Não tem ninguém melhor e às vezes imaginar que tem gente pior ainda faz com que a gente tenha uma sensação de que: “porra, a gente ainda tá conseguindo trabalhar, imagina quem tá desempregado e não tem como, de forma alguma, botar dinheiro dentro de casa”. É até ruim reclamar, saca?
Desde que entramos nessa, vimos que o isolamento teve diversos reflexos nas pessoas. Enquanto uns não notaram muita diferença em seu cotidiano, alguns viram seus problemas com depressão sendo amplificados, outros passaram por crises de ansiedade e mais. Como tem sido a sua adaptação a esse período?
Cara, tem sido difícil, porque minha ansiedade voltou bastante e eu me cobro muito nas coisas que eu faço. Por não poder estar fazendo e não ter como me gravar aqui em casa, esse tempo sem produção tá me cobrando muito. Tá sendo uma parada bem difícil. Chega um momento que a gente começa a ver cada vez mais os nossos defeitos e você acaba focando só neles e esquece bastante coisa do que já fez. O que tem sido minha força-motriz, mano… tem sido mesmo a minha namorada. Vou te falar a verdade, ela tem me ajudado bastante —psicologicamente e até nas atividades mesmo. Ela tá sempre ligada ali comigo, tá sempre me ajudando na parada. A família também, vou te dizer que a família é essencial pra tá botando você pra frente. Eles entendem a situação e também estão chateados junto comigo. Eles não estão me cobrando mais do que eu já me cobro, então a pressão maior é eu mesmo em cima de mim. Mas ter escutado as coisas que eu tenho já pronta me deixa um pouco tranquilo, porque eu tô sentindo que as coisas que eu tenho pronta são bastante atemporais. Eu não preciso estar correndo, porque eu sei que as coisas acontecem do jeito que elas têm que acontecer e no tempo que elas têm que acontecer. Tô começando a pensar assim pra realmente não surtar.
“Eu não preciso estar correndo, porque eu sei que as coisas acontecem do jeito que elas têm que acontecer e no tempo que elas têm que acontecer. Tô começando a pensar assim pra realmente não surtar”.
Enquanto alguns defendem que o isolamento deve ser absoluto, outros o enxergam como um exagero e toda essa discussão parece apenas amplificar esse período de extrema divisão social que já vivemos. Nesse contexto, o que você acha que esse momento significa para nós como sociedade?
Eu acredito real, mano, que isso tinha que acontecer, saca? Depois de ver umas notícias sobre praias, rios e lagos, que tão muito mais limpos do que foi visto há 10, 20 anos, não só no Brasil, mas no mundo todo… É como se o planeta desse uma respirada desse vírus que é o ser humano, tá ligado? Dentro de casa a gente tá aprendendo a aceitar um pouco mais o espaço do outro — tudo bem que as famílias às vezes estão ali, tipo… não costumam se ver tanto, mas agora elas têm a oportunidade de estar convivendo cada vez mais, saber o que elas pensam e tendo diferentes tipos de atividade. Eu acho isso excepcional, como ver filmes em família, almoçar em família, jantar em família — fazer qualquer coisa. Tá sendo uma parada muito boa pras famílias em si, saca? Claro que não é toda família que está sendo feliz estando mais tempo do que normalmente em casa, mas na grande maioria acredito que tá sendo uma parada boa mesmo. O que tá atrapalhando é que as pessoas precisam de botar dinheiro na mesa, precisam de trabalhar. Tem pessoas que não conseguem ficar paradas dentro de casa, vendo filme e fazendo comida e tal. Gostam de estar em ação, assim como é a minha mãe, meu pai e eu mesmo. Mas tá sendo uma parada massa acho que no âmbito geral como humanidade, saca? Acho que a gente vai tirar uma parada maneira depois que isso tudo passar.
Acha que é possível tirarmos algo positivo de um período como esse?
Eu acho que a gente só vai ter essa noção maior se vai ter algo positivo depois que a parada realmente acabar. Às vezes a gente acha que alguma coisa que aconteceu ali e atingiu um grande número de pessoas pode mudar a cabeça delas, mas passa uma semana e elas esquecem que aquilo aconteceu e voltam àquelas atividades, porque é cultural de um local, de uma região, saca? Cada cidade tem o seu jeito de pensar, o seu jeito de agir, suas manias, seus costumes. Claro que tá todo mundo sofrendo a mesma situação, mas todo mundo pensa diferente, né mano? Eu acho que a gente vai ter uma noção maior depois que isso acabar. Mas eu acredito que sim, saca? Acho que foi uma parada boa pro nosso planeta em si. É triste o número de mortos. Triste ver que pessoas próximas da gente, familiares, morreram por causa disso, tá ligado? Mas a gente tem que ter a noção de que somos poeira, tá ligado? A gente é muito pequeno pro que esse mundo tem reservado pras próximas gerações. Acho que cuidar do futuro pras próximas gerações é a parada mais importante que a gente tem que pensar. Viver o agora com a cabeça no futuro, mas com o pé atrás no passado pra você não tomar um baque e cair pra trás e aquilo te ajudar a tomar impulso pra continuar seguindo na frente, bota fé?
Num foco mais pessoal, o que você descobriu sobre si mesmo ou aprendeu nesse período de introspecção?
Eu tô aprendendo a ser mais real comigo, saca? Eu tava olhando cada vez mais os meus defeitos e tipo não querendo consertá-los, porque não é só trocar uma peça que tá estragada por alguma nova, saca? É uma parada que vem da minha personalidade, é algo que vem desde a infância. Então é reconhecer aquilo e saber trabalhar aquilo em mim, tá ligado? Não esconder isso, não tentar trocar isso por algo bom, porque não é assim — a gente não é máquina. A gente pode trabalhar isso melhor, mas não tem como fingir. Agora eu tô sendo mais conciso, saca? Tô mais focado no que estou pra realizar na minha carreira. Eu tive bastante tempo pra pensar. Estava bastante tempo no ócio e estava esperando material chegar. Eu tava dependendo de algo pra continuar a fazer o que eu tava fazendo e esse meio tempo me deixou bastante pensativo, saca? Eu consegui focar num caminho que eu acho que vai dar certo. Conversei com bastante pessoas, ouvi outras opiniões e coisas que às vezes no dia a dia a gente não tem a oportunidade de fazer, tá ligado? Acho que isso aí pra mim foi essencial.
“É necessário o maior tempo de quarentena para que essa parada acabe de vez. Ninguém quer voltar a esse caos de novo depois de ter terminado”.
Quando se trata de compor ou trabalhar num projeto criativo, muitas pessoas naturalmente buscam um certo isolamento. Esse período tem sido favorável para você nesse sentido?
Eu sou muito de momento. Pra mim música é totalmente momento. Dentro do estilo que eu trabalho, a maioria das vezes o momento e sua vivência são intrínsecos ao conteúdo da sua música. E aí você preso dentro de casa por um tempão, sem poder fazer nada, você às vezes fica travado, tá ligado? Vou te falar que é necessário você estar sozinho. Eu gosto bastante de me gravar sozinho em casa no meu tempo, mas eu preciso fazer coisas e viver coisas pra ter ideias e a criatividade vir e eu poder compor. A maioria das vezes é a história de um rolê com alguma pessoa e fazendo algumas coisas. Como é que você vai falar disso e compor uma música disso se você está vivendo totalmente o oposto, trancado em casa? Bloqueou um pouco o meu momento criativo, mas graças à Deus que tudo que eu tenho que gravar — acho que tem umas 10 faixas novas aí — eu compus antes dessa pandemia. Eu não cheguei a compor nada durante essa pandemia. Então o que eu tenho pronto é de antes dela. Agora, pra ser sincero mesmo, eu fiquei um pouco travado. Então é necessário até a gente dar meio que uma fugida, saca? Quebrar um cadinho mesmo a quarentena, saca? Ir um pouco pra praia ou pra mata — de máscara, alcoolzinho em gel na mão, fé, saca? Sentir um vento, ver coisas novas, sair um pouco da tela do computador, da televisão. É essencial pra quem trabalha com arte.
Como você espera que o seu trabalho possa contribuir tanto no período durante quanto no pós-quarentena?
Como tá todo mundo meio que na mesma, em casa assim, há uma procura muito grande por coisas que preencham o seu tempo e que te façam não pensar nas coisas ruins que estão acontecendo por às vezes não estar trabalhando, não estar fazendo nada, não estar tirando um dinheiro, não estar na rotina que as pessoas gostam. Então elas estão consumindo mais videoclipes, mais músicas, mais animes, saca? Fazer e soltar cada vez mais músicas nesse período tá sendo uma parada muito boa. Tá tendo um consumo maior, tá ligado? É uma parada boa pras pessoas que procuram algo pra preencher a mente delas e pra gente que depende bastante dessas pessoas que escutam a gente. Então, tipo, nessas 10 faixas que eu falei, eu tinha escrito uma que parecia às vezes que eu tava sentindo um pouco que essa parada ia acontecer, saca? Ela tem um pé em “Fuck Depression” — aquele EP que eu fiz com o Leozi — e fala bastante com as pessoas que às vezes estão jogadas e que desistiram um pouco da vida. O nome da faixa é “Let’s Go” e é pra levar elas pra cima mesmo. Ela tá bem marcante e eu vou tentar fazer o máximo pra ela sair nesse período aí, porque eu acredito que ela vai fazer uma grande diferença.
Por fim, muito se especula sobre como será o convívio social num período pós-quarentena e os seus impactos em toda a cadeia musical. Quais são as suas expectativas para esse novo capítulo?
Eu acredito que esse ano não deva ter shows. Se for, vai ser uma parada bem pequena, poucas pessoas ainda de máscara, tá ligado? Acho que realmente vai voltar a ter shows um pouco maiores mais lá pra março do ano que vem, saca? Nem sei como é que vai ser o carnaval do ano que vem, mas acho que vai ser uma parada um pouco mais com zelo, né? As pessoas vão sair com álcool em gel, suas máscaras… vai ser o kit né? Carteira, celular, chave de casa, máscara e álcool em gel, entendeu? A galera aí tá vendo nas televisões, nos jornais e nos portais de notícia que é um vírus que, se descuidar, ele pode voltar com força total. Então é necessário o maior tempo de quarentena para que essa parada acabe de vez. Acredito que vai ser uma questão de tempo pras pessoas voltarem a sentir aquele calor, principalmente em shows, festivais e essas paradas assim. Acho que as pessoas vão se sentir mais à vontade entre amigos, entre familiares e tal. Mas, fora isso, é normal, natural. Ninguém quer voltar a esse caos de novo depois de ter terminado.
Texto: João Depoli | @joaodepoli.