João Santos é o vocalista, guitarrista e compositor do grupo Festina Lente, que já tem na bagagem um disco homônimo (2015) e um EP, Toda Forma de Amor Vale a Pena (2017). No ano passado a banda disponibilizou seus singles mais recentes, “O Passageiro” e “Nenhum Sinal de Confusão”, e agora ela segue nas finalizações de seu novo álbum.
Confira abaixo a íntegra da conversa que tivemos e saiba quais são suas reflexões sobre esses últimos meses de pandemia. Aproveite também para ler as entrevistas com outros artistas capixabas que participaram da série Quarentalks clicando aqui.
João Depoli: Nós brasileiros acompanhamos com relativa antecedência a evolução dessa pandemia ao redor do mundo. Ainda assim, o ato de entrar em quarentena provou-se ser algo mais fácil de ser compreendido na teoria do que na prática. Você acredita que estava preparado para isso?
João Santos: Bem, creio que nenhuma nação no mundo estava preparada para essa situação, porém algumas autoridades foram certeiras e conseguiram de certo modo controlar a pandemia combatendo os focos de contaminação pelo vírus, reduzindo algumas possibilidades do mesmo de se espalhar. No Brasil isso foi um tanto confuso. Logo de cara tivemos muita politicagem por parte das lideranças de situação e oposição. Isso com certeza atrapalhou.
Como você tem lidado com o fato de que parte de suas atividades, planos e até mesmo fontes de renda foram reduzidas, adiadas ou até mesmo extintas?
Não foi fácil lidar com, digamos, “o congelamento de certas ações”. Estávamos finalizando o nosso disco e de repente STOP! Tudo foi congelado. Mas o pior foi constatar logo nas primeiras semanas o quanto a quarentena seria prejudicial às famílias mais carentes. Mas isso não quer dizer que não devêssemos evitar aglomerações, porém é fato que muita gente depende de renda semanal para sobrevivência — e ficar meses sem nenhuma receita é impraticável, né? Isso vem sendo o mais difícil de superar diariamente.
Desde que entramos nessa, vimos que o isolamento teve diversos reflexos nas pessoas. Enquanto uns não notaram muita diferença em seu cotidiano, alguns viram seus problemas com depressão sendo amplificados, outros passaram por crises de ansiedade e mais. Como tem sido a sua adaptação a esse período?
A música vem sendo crucial nesse momento. A literatura também. Mas confesso que a partir do segundo mês de quarentena surtei algumas vezes. Daí tive de tirar uns dias e me desligar do noticiário e tentar me concentrar em outras coisas, como por exemplo na solidariedade de muitas pessoas. Poder fazer parte disso me trouxe de volta ao chão.
“Se o isolamento fosse absoluto, o país já estaria morto”.
Enquanto alguns defendem que o isolamento deve ser absoluto, outros o enxergam como um exagero e toda essa discussão parece apenas amplificar esse período de extrema divisão social que já vivemos. Nesse contexto, o que você acha que esse momento significa para nós como sociedade?
Toda discussão é boa para que possamos somar ideias. No entanto, se o isolamento fosse absoluto, o país já estaria morto! Particularmente eu defendo que deveria ter tido mais testes e o isolamento apenas das cidades onde os primeiros casos foram confirmados. Mas tivemos situações onde a prioridade foi providenciar contêineres para jogar os corpos ao invés de testes para a população. E a multiplicidade de pensamento não deveria dividir as pessoas e sim somar ideias, afinal isso é a democracia.
Acha que é possível tirarmos algo positivo de um período como esse?
Sem dúvidas devemos tirar muitas lições positivas desse momento. A capacidade de solidariedade é [a] maior delas. Uma autoanálise também pode ser interessante. Saber o que de fato importa e como seremos como indivíduos daqui pra frente.
Num foco mais pessoal, o que você descobriu sobre si mesmo ou aprendeu nesse período de introspecção?
Muita coisa mudou. Viver é correr riscos, só que às vezes não damos tanta atenção às tantas outras “pandemias” que nos acompanham diariamente, então eu penso que é possível ser mais cuidadoso, sobretudo com o próximo. E é fundamental que estejamos sempre do lado de quem mais precisa o tempo todo.
“Viver é correr riscos, só que às vezes não damos tanta atenção às tantas outras ‘pandemias’ que nos acompanham diariamente”.
Quando se trata de compor ou trabalhar num projeto criativo, muitas pessoas naturalmente buscam um certo isolamento. Esse período tem sido favorável para você nesse sentido?
Sim, particularmente sou bem introspectivo, e me isolar em casa, no campo, no meio da natureza é sempre bastante inspirador, porém não é a mesma coisa quando você tem um turbilhão de incertezas no ar. Escrevi algumas coisas nesse período, só o tempo irá dizer qual a relevância delas. Não é tão fácil canalizar tudo isso e transformar em música.
+ Leia também: “Escute esse disco”, por João Santos (Festina Lente).
Como você espera que o seu trabalho possa contribuir tanto no período durante quanto no pós-quarentena?
Desde o começo escrevo canções que propõem reflexões sobre o cotidiano, as diferenças, as injustiças e sobretudo as questões sociais. De algum modo pude perceber que algumas pessoas se conectaram à essas canções. Isso me parece bom. Por outro lado, eu queria que as canções de amor estivessem no top das conexões. Nosso disco novo já estava todo produzido quando paramos as gravações e, revendo as letras, percebi o quanto elas ganharão sentidos diferentes daqui pra frente. Coisas da arte.
Por fim, muito se especula sobre como será o convívio social num período pós-quarentena e os seus impactos em toda a cadeia musical. Quais são as suas expectativas para esse novo capítulo?
Não dá para prever muita coisa nesse cenário. Penso que as bandas que continuaram ou desenvolveram seus trabalhos nesse período têm mais chance de saírem na frente quando as coisas começarem a “normalizar”. Estar junto daqueles que fazem a gente existir como artista no momento difícil pode ser uma maneira de estreitar a conexão. Comercialmente falando, creio que ainda não vejo uma luz muito clara. Vai ser um ano muito duro para todos nós.
Texto: João Depoli | @joaodepoli.