Izar: “Não há como utilizarmos a palavra ‘positivo’. A ferida é enorme”.

O cantor e compositor falou com a gente sobre seus posicionamentos e ações durante a pandemia e a inevitável adaptação da música ao período
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Izar no clipe de “Todo Mundo É Mais Famoso Que Eu” (Crédito: Reprodução/YouTube).
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Felipe Izar é um músico e jornalista capixaba que por oito anos esteve à frente da banda Abrantes. Sua estreia solo foi marcada por ‘O Amor, A Escuridão E A Esperança’ (2018), um álbum com 10 faixas produzidas pelo multi-instrumentista Thiago Arruda.

Atualmente imerso no processo de gravação de seu segundo disco (no momento chamado ‘Tempos de Paz?’), o cantor e compositor há pouco lançou o single “Todo Mundo É Mais Famoso Que Eu”. Além disso, Izar comanda o podcast de música, política e comunicação Ágora Musical, que já recebeu a vereadora Camila Valadão, o músico e jornalista Rafael Braz e muitos outros nomes importantes. No último sábado (23), Izar também esteve envolvido nos bastidores do ExFest, festival capitaneado pela artista linharense Bella Nogueira.

Confira abaixo a íntegra da conversa que tivemos em agosto do ano passado e saiba quais são suas reflexões sobre esses últimos meses de pandemia. Aproveite também para ler as entrevistas que fizemos com outros artistas capixabas que participaram da série Quarentalks clicando aqui.

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João Depoli: Nós brasileiros acompanhamos com relativa antecedência a evolução dessa pandemia ao redor do mundo. Ainda assim, o ato de entrar em quarentena provou-se ser algo mais fácil de ser compreendido na teoria do que na prática. Você acredita que estava preparado para isso?

Izar: É uma situação difícil, mas que tem de ser enfrentada. Assim que se tornou necessária a quarentena no Espírito Santo, eu aderi ao movimento, uma vez que tinha condições de desenvolver todas as minhas atividades em casa. Para mim era possível. Para muitos, um desastre. É momento de compreensão, humanidade e força. A prioridade é salvar vidas. Além disso, é importante cada um colaborar do jeito que pode para reduzir outras perdas. Uma pena que muitos brasileiros não tenham entendido que o isolamento é a única ferramenta até o momento para combatermos o vírus. Fôssemos mais responsáveis e tivéssemos um presidente decente, provavelmente já teríamos um cenário mais favorável para a volta à normalidade. Por enquanto, há muita dor, tristeza e incertezas. E agora, além da luta contra o Coronavírus, trata-se também de uma luta da sociedade contra o autoritarismo do Governo Federal, que destila uma série de atitudes absurdas e desumanas, tais como a sonegação dos números da pandemia.

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Izar ao vivo na Mizzy Room Sessions (Crédito: Reprodução/YouTube).

Como você tem lidado com o fato de que parte de suas atividades, planos e até mesmo fontes de renda foram reduzidas, adiadas ou até mesmo extintas?

Eu trabalho profissionalmente como músico e jornalista. Esta última profissão manteve minha renda e eu não fui tão afetado quanto meus colegas que dependem, por exemplo, exclusivamente de shows. Por isso mesmo, minha principal meta neste momento é divulgar minhas composições o máximo possível, evitando participar de editais emergenciais, como o do Governo do Espírito Santo, e evitando disponibilizar uma fonte de pagamento em minhas lives, de modo a sempre priorizar os meus colegas. Também tenho tentado colaborar com gravações gratuitas de guitarra, elaboração de releases para artistas, entre outras ações. Só para reforçar, no entanto, eu trabalho profissionalmente com música e por isso o retorno financeiro é uma das minhas metas. Mas não neste momento.

Desde que entramos nessa, vimos que o isolamento teve diversos reflexos nas pessoas. Enquanto uns não notaram muita diferença em seu cotidiano, alguns viram seus problemas com depressão sendo amplificados, outros passaram por crises de ansiedade e mais. Como tem sido a sua adaptação a esse período?

A música é uma das forças, sem dúvida. Não apenas para mim, mas acredito que para a maioria das pessoas, entre artistas e ouvintes. Considero a música um serviço essencial nesta quarentena, uma vez que leva alegria para as pessoas em casa, ajuda a descansar a cabeça e a combater a ansiedade.

“Trata-se também de uma luta da sociedade contra o autoritarismo do Governo Federal”.

Enquanto alguns defendem que o isolamento deve ser absoluto, outros o enxergam como um exagero e toda essa discussão parece apenas amplificar esse período de extrema divisão social que já vivemos. Nesse contexto, o que você acha que esse momento significa para nós como sociedade?

O isolamento é necessário e, como disse anteriormente, a única ferramenta que temos por enquanto para combater a pandemia. Enxergar como exagero mais de 35 mil mortes [número da época da entrevista, hoje já estamos em mais de 215 mil mortes no país] em tão pouco tempo? Impossível. Esta é uma história triste para o Brasil e para o mundo.

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Izar no clipe de “Todo Mundo É Mais Famoso Que Eu” (Crédito: Reprodução/YouTube).

Acha que é possível tirarmos algo positivo de um período como esse?

Na situação em que estamos, não há como utilizarmos a palavra “positivo”. A ferida é enorme. Espero que todos nós sejamos pessoas melhores e mais colaborativas após a quarentena, que a reciprocidade aumente, o respeito, a união, a solidariedade. Mas não dá para romantizar. Sinceramente, uma convivência com dádivas recíprocas, com humanidade, é o mínimo para uma sociedade dar certo. Não podemos atribuir algo tão básico como uma vitória após uma tragédia desse tamanho.

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Num foco mais pessoal, o que você descobriu sobre si mesmo ou aprendeu nesse período de introspecção?

Será mesmo que existe este momento introspectivo? Tirando a presença física em lugares que normalmente frequentamos e o contato físico, estamos completamente conectados com o mundo todo. Não vi nesta quarentena momentos de reflexão pessoal. Mas sim uma situação que levou a todos a agir, agir, agir e agir.

“Espero que todos nós sejamos pessoas melhores e mais colaborativas após a quarentena”.

Quando se trata de compor ou trabalhar num projeto criativo, muitas pessoas naturalmente buscam um certo isolamento. Esse período tem sido favorável para você nesse sentido?

Acabei de lançar mais um single, chamado “Todo Mundo É Mais Famoso Que Eu”. Não foi uma canção composta para a quarentena, mas que ficou pronta neste período e tem letra e atmosfera que conversam bem com o momento. A história do single é tratada a partir de um personagem frustrado com seus resultados nas redes. “Um segundo: são 10 likes nos seus. E os meus não são virais”, diz a letra. Trata-se de um pouco de humor, mas com um conceito de produção que também expressa melancolia. A música questiona todo o ambiente das redes: os clichês, as estratégias de comportamento para ser bem-sucedido, a valorização do belo, o escândalo dos coaches e a aparência que suprime a realidade. Claro, tanto o artista em questão quanto o personagem da música estão dentro desse mesmo jogo. O ponto é conversar sobre esses assuntos e compartilhar um sentimento que pode ser o mesmo de milhares de pessoas. Já iniciei também o processo de produção do meu segundo disco e tenho produzido conteúdo para mim e outros artistas todos os dias.

Como você espera que o seu trabalho possa contribuir tanto no período durante quanto no pós-quarentena?

No caso do meu último lançamento, há uma sugestão para debater as redes sociais, um ambiente tão importante para todos os músicos e artistas e, ao mesmo tempo, um lugar que nos consome, por conta da “guerra” diária com os números e as informações em demasia. O dito futuro da música no contexto digital já estava aí, já era presente, na verdade [risos]. E agora esse cenário tem sido aprofundado por conta da pandemia. Assim, considero importante debatermos as redes sociais para que ela se torne mais plural, democrática, mais benéfica a todos.

Por fim, muito se especula sobre como será o convívio social num período pós-quarentena e os seus impactos em toda a cadeia musical. Quais são as suas expectativas para esse novo capítulo?

O futuro já estava aí. As mudanças no comportamento da sociedade para consumir arte já estavam aí. Tudo isso tem sido potencializado na quarentena, claro. Mas, por enquanto, não tenho visto um impacto impressionante, mas como um caminho que já se apresentava como inevitável.

Texto: João Depoli | @joaodepoli.

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