O cantor e compositor André Prando é um dos nomes de maior destaque do circuito musical capixaba atual. Já tendo circulado por diversos estados — inclusive com passagens por grandes festivais nacionais, como o Rock in Rio e o Psicodália —, sua carreira solo teve início ainda em 2014, quando lançou o EP Vão. Agora, 6 anos mais tarde, Prando já coleciona dois álbuns, Estranho Sutil (2015) e Voador (2018), e atualmente divulga seu novo EP, Calmas Canções do Apocalipse, um registro totalmente feito durante esse período de quarentena.
Confira abaixo a íntegra da conversa que tivemos e não deixe de ler sua participação ao lado de João Lucas Ribeiro (Muddy Brothers), Larissa Pacheco (Big Bat Blues Band), Patricia Ilus, Henrique Mattiuzzi (Amanita Flying Machine) e Marcus Luiz (Intóxicos) no terceiro episódio da série Quarentalks.
João Depoli: Nós brasileiros acompanhamos com relativa antecedência a evolução dessa pandemia ao redor do mundo. Ainda assim, o ato de entrar em quarentena provou-se ser algo mais fácil de ser compreendido na teoria do que na prática. Você acredita que estava preparado para isso?
André Prando: Acho que ninguém tava preparado na verdade, né? Mas é curioso ver como muita gente aqui no Brasil tratava o assunto com brincadeira, né? Não levando a sério. Quando começaram as medidas de isolamento social por aqui, muita gente não adotou — na verdade até hoje muita gente não adotou, muita gente não leva a sério, não acredita. Isso é muito sério. Tem a ver com um movimento no mundo todo de loucura, de não acreditar na ciência, sabe? É um cenário parecido com o que a gente sempre vê em filmes, né? Uma coisa meio apocalíptica mesmo. A gente nunca imagina que vai acontecer e que tá perto da gente, mas a verdade é que a gente não cuida muito bem do nosso planeta. A gente não vive coletivamente de uma forma a pensar na igualdade e talvez esse momento nos leva a refletir sobre tudo isso. Sobre essas reflexões necessárias para que a gente continue vivendo no planeta. Ainda tô digerindo, porque é um processo. Acho que a gente não tá perto de chegar ao fim do isolamento social. Temos um longo período pela frente. Pelo que sei, a gente tá no pico da contaminação agora — enquanto o governador do Espírito Santo tá liberando abrir Shopping… Eu tenho dificuldade de fazer planos pra muitos dias pra frente e cada dia vivido é uma conquista e eu acho que é meio isso. Tô meio divagando aqui, mas eu acho que é meio por aí. Além da pandemia em si, a gente tem vivido uma crise política bizarra. A gente tá muito fodido aqui no Brasil por conta do governo Bolsonaro em meio à pandemia, porque a crise política rouba o lugar da pandemia. Então todo dia são novas preocupações, novos processamentos e tem sido esse caos.
Como você tem lidado com o fato de que parte de suas atividades, planos e até mesmo fontes de renda foram reduzidas, adiadas ou até mesmo extintas?
Minha primeira atitude assim que começaram os procedimentos de isolamento social foi suspender a minha agenda toda, porque eu acho que o primeiro entendimento necessário é que a saúde, a vida, venha antes da economia. A gente precisa ter isso em mente. Assim, eu vou me dar mal? Todo mundo vai. Não tá fácil pra ninguém na verdade. De imediato, o que eu fiz e tenho feito pra de alguma forma me sustentar foi trabalhar melhor a divulgação do meu site, que tem minha loja onde eu vendo minhas camisas, CDs, LPs, enfim, e tenho feito lives. Através das lives eu recebo contribuições, então eu tenho conseguido levantar alguma renda através disso. Mas, a longo prazo, eu não consigo pensar muita coisa, tipo, como é que vai ser depois, porque eu não consigo nem pensar quando será conveniente voltar a existir eventos e aglomerações assim. Não consigo pensar nisso agora. Fora isso, nas primeiras semanas do isolamento eu me concentrei bastante na produção de um novo trabalho, que é uma forma de me manter ativo e produtivo, mas principalmente de me expressar e expurgar as ideias que eu precisava.
Desde que entramos nessa, vimos que o isolamento teve diversos reflexos nas pessoas. Enquanto uns não notaram muita diferença em seu cotidiano, alguns viram seus problemas com depressão sendo amplificados, outros passaram por crises de ansiedade e mais. Como tem sido a sua adaptação a esse período?
Num primeiro momento, eu também achava que eu era um exemplo de pessoa que não ia notar muita diferença, porque, como artista, eu tô acostumado a estar em casa. Mas rapidamente você entende que não se trata só disso, né? Principalmente pelo fato de não ter contato com as pessoas que a gente ama e todas as incertezas em si. Então, por mais que meu cotidiano não tenha mudado muito aqui em casa, a cabeça começa a funcionar de outra forma e outras preocupações tomam lugar da nossa mente, né? Mas tem sido importante os longos momentos de reflexão sobre o que esse momento pode representar pra gente agora, sabe? Como a gente pode, de alguma forma, usar essas preocupações e esse tempo pra refletir sobre mudanças, rever nossos hábitos sobre pensar coletivamente. Acho que uma das principais lições é pensar coletivamente. Pensar como a gente pode se preocupar mais com o outro, sabe? Ser mais empático e cuidar bastante da sanidade mental não só nossa, mas dos nossos próximos. O que tem me dado força, na real, é o que sempre me dá força, que é a arte. Eu fico muito feliz em poder continuar fazendo o meu trabalho. E aí eu destaco o fato de que o EP que eu lancei fala desse momento, ele fala do que a gente tá vivendo. Então eu fico feliz em ver como o meu trabalho é pertinente. Além disso, o que me move, é claro, é o amor que eu tenho pelas pessoas próximas, né? Pela minha esposa e pelos meus amigos que eu tenho tanta saudade. Mas é um privilégio poder ter companhia, porque eu sei que tem muita gente que tá passando esse momento sozinho. Muito doido. Espero que essas pessoas estejam tendo contato, pelo menos virtual, com outras pessoas e tendo atenção e carinho.
“É mais triste pensar que a quarentena é só para alguns do que o próprio fato da quarentena existir.”
Enquanto alguns defendem que o isolamento deve ser absoluto, outros o enxergam como um exagero e toda essa discussão parece apenas amplificar esse período de extrema divisão social que já vivemos. Nesse contexto, o que você acha que esse momento significa para nós como sociedade?
Eu acho muito triste que algumas pessoas interpretem de alguma forma a pandemia como algo político, como: “Ah, quem defende quarentena é de esquerda. Quem não defende é de direita”, sabe? Eu tenho visto esse baixo nível de discussão, que é um absurdo. Muito triste na verdade. É um nível de desinformação muito triste, porque a pandemia é uma coisa mundial. Se trata de saúde mundial da existência humana. As pessoas deveriam estar levando muito mais a sério. É mais triste pensar que a quarentena é só para alguns do que o próprio fato da quarentena existir. Tem gente que não tem respeitado, não tem levado a sério, não tem acreditado. Num primeiro momento, executar 100% do isolamento era importante. Acho que agora, chegando em três meses de isolamento, a gente começa a chegar num momento de reflexão de pequenas soluções — tenho visto, pelo menos — de saídas controladas, de encontros controlados, sabe? Pra gente não surtar, na verdade. Eu não sei muito bem. Acho que a gente precisa estar acompanhando com cuidado essas pequenas e novas soluções, porque é isso: três meses de isolamento sem sair de casa pra nada a gente surta mesmo. Mas é foda, porque, ao mesmo tempo que é necessário começar a pensar em pequenas formas de sair, não banalmente, mas como alguma forma de válvula de escape ou de resolver coisas importantes, a gente está no momento de maior contágio. Então é uma loucura. Não tem uma resposta absoluta. O momento todo é confuso.
Acha que é possível tirarmos algo positivo de um período como esse?
Eu acho! Acho que nas perguntas anteriores eu já falei sobre isso, né? Mas eu acho que sim. Não é nem tirar algo de positivo, mas gastar o tempo que a gente tem pra refletir e tirar essas lições.
Num foco mais pessoal, o que você descobriu sobre si mesmo ou aprendeu nesse período de introspecção?
Com certeza. Eu acho que, mesmo quem não tem parado pra pensar sobre isso, é impossível passar por esse momento sem transformação, porque o mundo tá em transformação. A sociedade em si já é outra e já começa a girar de outra forma. Eu acho muito importante os pontos que eu tenho tocado aí: o pensar coletivamente, cuidar mais do planeta e do meio ambiente e das pessoas, da sanidade mental, rever a loucura do capitalismo. Sem contar, como eu falei, não só no Brasil — que a gente tem vivido uma crise política absurda —, mas no mundo todo a gente tem visto recentes episódios de manifestações. As pessoas, mesmo em meio à pandemia, estão precisando ir às ruas manifestar. E eu não me refiro a manifestantes de extrema direita, muito pelo contrário. Mas às manifestações em resposta a isso.
“As pessoas têm notado durante a quarentena como a arte é pertinente em suas vidas.”
Quando se trata de compor ou trabalhar num projeto criativo, muitas pessoas naturalmente buscam um certo isolamento. Esse período tem sido favorável para você nesse sentido?
Pra mim, esse é um dos pontos principais em relação à minha quarentena, porque eu passei as primeiras semanas me concentrando na produção de um novo trabalho, que é o EP Calmas Canções do Apocalipse — todo pensado e produzido em casa, né? Gravei aqui em casa mesmo e eu nem tenho home studio, então abracei as condições do isolamento. As participações especiais que tem no disco foram todas gravadas respectivamente em suas casas e a galera enviou os arquivos. É um EP que reflete o que a gente está vivendo, não só em relação à pandemia, mas dos últimos anos e dos dramas que a gente tem vivido. Reflexão utópica e distópica sobre os próximos momentos também. Enfim, eu fico feliz de ver como é um trabalho que tem confortado muita gente, que tem sido pertinente e que as pessoas se identificam. Além disso, eu tenho feito muitas lives temáticas, tributo a alguns artistas e sempre fazendo as autorais. Tenho me mantido ativo.
Como você espera que o seu trabalho possa contribuir tanto no período durante quanto no pós-quarentena?
De uma forma geral, as pessoas têm notado durante a quarentena como a arte é pertinente em suas vidas. Como ela é uma válvula importante de reflexão e de escape mesmo; como mantém a gente conectado com a sensibilidade e com as próprias pessoas; como através das lives as pessoas tão interagindo entre si nos chats e tal. Isso tudo é muito real. E, do meu trabalho propriamente dito, eu fico feliz em ver o feedback das pessoas de que têm sido músicas que confortam elas nesse momento e as levam a refletir.
Por fim, muito se especula sobre como será o convívio social num período pós-quarentena e os seus impactos em toda a cadeia musical. Quais são as suas expectativas para esse novo capítulo?
Cara, eu não consigo opinar [risos]. Não sei dizer. Como eu tenho falado, eu não tô conseguindo gastar muito tempo pra fazer especulações de como as coisas vão ser a um longo prazo. Eu tô conseguindo pensar meio que diariamente só e cuidar das coisas que tão mais próximas, sabe? O que eu sei é que nada será como antes. Tudo precisa ser revisto. Não sei como vão acontecer eventos ou quando serão possíveis de novo. É muito doido. Acho que pensar isso, sei lá… Não sei se é prioridade… Mas tem que ser, porque é a nossa área. Mas eu tenho procurado saber — lendo notícias de algumas práticas e algumas novas soluções. Vi que em alguns países estão rolando shows em um local aberto e a galera assistindo do estacionamento, cada um dentro do seu carro, como naqueles antigos cinemas de estacionamento. Doidera. Ou novas roupas que tão sendo criadas. Umas doideiras assim. Mas… sei lá… não sei se é muito por aí. Acho que o importante é cuidar do agora.
Texto: João Depoli | @joaodepoli.