Davi Cirino é o guitarrista e compositor da Skydiving From Hell, banda de metal pautada em influências como Lamb of God, Parkway Drive e All Shall Perish. Fundada em Vila Velha no ano de 2016, ela também conta com os músicos Jefferson Rates (vocal), Ingrid Pimentel (guitarra) e Ramon Lucas (bateria), tendo como seu single mais recente a música “Black Flag”, que saiu ainda em 2019 — ano em que Cirino e companhia levaram pra casa o prêmio de 1° lugar no Segundo Festival de Bandas do Garage Pub.
Confira abaixo a íntegra da conversa que tivemos e não deixe de ler sua participação ao lado de Gustavo Macacko, 6ok (Solveris), Vinicius Hoffmam (Zé Maholics), Lua MacLaine e Gil Mello (Mudo) no quinto episódio da série Quarentalks.
João Depoli: Nós brasileiros acompanhamos com relativa antecedência a evolução dessa pandemia ao redor do mundo. Ainda assim, o ato de entrar em quarentena provou-se ser algo mais fácil de ser compreendido na teoria do que na prática. Você acredita que estava preparado para isso?
Davi Cirino: Definitivamente não estava preparado, não esperava que fosse levar tanto tempo e, principalmente, não esperava que a resposta da nossa sociedade brasileira como um todo, tanto dos líderes políticos quanto do cidadão comum, fosse ser tão ruim. Acho que até o momento eu não digeri essa situação toda. A pandemia continua acontecendo e as falhas em combatê-la continuam se agravando. Eu não consigo entender como nós nos negamos a aprender com os demais países e de onde vem essa disposição de colocar a própria vida e a de outros em risco.
Como você tem lidado com o fato de que parte de suas atividades, planos e até mesmo fontes de renda foram reduzidas, adiadas ou até mesmo extintas?
Até o presente momento eu tive a sorte de não ter minha principal fonte de renda reduzida efetivamente, apesar de estar recebendo de forma diferente. O que nós temos feito em casa é reduzir ao máximo os gastos com coisas não essenciais.
Desde que entramos nessa, vimos que o isolamento teve diversos reflexos nas pessoas. Enquanto uns não notaram muita diferença em seu cotidiano, alguns viram seus problemas com depressão sendo amplificados, outros passaram por crises de ansiedade e mais. Como tem sido a sua adaptação a esse período?
Desde muito novo lido com problemas de ansiedade, depressão e baixa autoestima, mas não posso dizer que eles pioraram durante esse período. Esse “cárcere” que vivemos me faz mal em alguns dias, mas eu já me sentia recluso mesmo antes disso tudo começar. Eu tento me manter forte pensando que não sofro sozinho. Minha namorada mora comigo e eu sei que essa situação toda também não tem sido fácil pra ela e eu quero ser um bom suporte nos momentos que ela precisar. Temos que pensar que a vida segue adiante e um dia essa pandemia também vai passar.
“A memória coletiva é curta, não fico otimista pensando que aprenderemos alguma lição”.
Enquanto alguns defendem que o isolamento deve ser absoluto, outros o enxergam como um exagero e toda essa discussão parece apenas amplificar esse período de extrema divisão social que já vivemos. Nesse contexto, o que você acha que esse momento significa para nós como sociedade?
Esse é um momento que escancara a gravidade dessa divisão — nosso povo foi incapaz de se unir para combater uma doença e preservar a própria saúde e a das pessoas ao seu redor. Os líderes políticos priorizam os interesses empresariais — a produção, o lucro e o bem-estar dos empresários — em detrimento da vida dos trabalhadores. Eles instigam o povo contra si mesmo para poder cuidar de interesses próprios e sucateiam a educação e saúde pública, alienando a população que não sabe como procurar informação e nem como interpretar e filtrar as informações oferecidas. Esses problemas já ocorrem há tempos, mas se agravaram nos últimos anos e essa divisão é a culminância dessas falhas.
Acha que é possível tirarmos algo positivo de um período como esse?
Não, não acho. Nós tivemos sorte da taxa de mortalidade do coronavírus ser baixa quando comparada com a de outras doenças, mas essa pandemia evidenciou o despreparo mundial para lidar com esse tipo de situação. Muitas vidas foram perdidas por falta de cuidado e, como a memória coletiva é curta, não fico otimista pensando que aprenderemos alguma lição.
Num foco mais pessoal, o que você descobriu sobre si mesmo ou aprendeu nesse período de introspecção?
Como citei anteriormente, percebi que já estava vivendo em isolamento mesmo antes da pandemia começar e que, apesar disso ser consequência de outros problemas que eu enfrento, essa reclusão agrava esses mesmos problemas. Não posso solucionar isso nesse exato momento, já que ainda estamos em quarentena, mas quando for seguro pretendo tentar mudar esse quadro.
“Essa pandemia evidenciou o despreparo mundial para lidar com esse tipo de situação”.
Quando se trata de compor ou trabalhar num projeto criativo, muitas pessoas naturalmente buscam um certo isolamento. Esse período tem sido favorável para você nesse sentido?
O isolamento não tem sido positivo no que diz respeito a compor e gravar músicas com a minha banda. Não podemos ensaiar e quando eu estou dentro de casa eu acabo escutando menos música, então a inspiração desaparece. No entanto, eu tirei tempo pra começar a estudar produção musical (gravação, mixagem) e isso tem me mantido ocupado. Até comecei um canal no YouTube com minha namorada onde fazemos alguns covers justamente pra poder mostrar o resultado desses estudos. Pra quem interessar, o nome do canal é That Guitar Couple.
Como você espera que o seu trabalho possa contribuir tanto no período durante quanto no pós-quarentena?
Eu espero que meu trabalho musical possa entreter o ouvinte, mas que também possa levantar questionamentos e dar força pra combater o que precisa ser combatido.
Por fim, muito se especula sobre como será o convívio social num período pós-quarentena e os seus impactos em toda a cadeia musical. Quais são as suas expectativas para esse novo capítulo?
Eu me preocupo com as outras consequências da pandemia, [já que] depois da doença enfrentaremos crises econômicas e políticas. Mas no que diz respeito a shows e consumo em geral de música, eu não acredito que teremos uma mudança significativa. Como eu disse antes, a memória coletiva é muito curta e assim que o público for liberado para frequentar shows e eventos, ele vai voltar a comparecer. Mas eu acredito que as lives serão mais comuns, mesmo depois da pandemia.
Texto: João Depoli | @joaodepoli.