Humberto Campos: “Muita gente talentosa se descabelando para existir e se estabelecer.”

Leia na íntegra o papo que tive com Humberto Campos sobre esse período de quarentena e os seus desdobramentos atuais e futuros
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Edson Freitas (esq.) e Humberto Campos são o duo Severino (Crédito: Gabriel Hand).
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Humberto Campos é o baixista do Severino, duo que divide com o cantor e guitarrista Edson Freitas. Firmados em bases pré-programadas e pautados em diversas nuances da nova MPB, a dupla fez sua estreia no ano passado com o EP Próxima Estação. Já em 2020, Campos e Freitas deram continuidade ao trabalho com o recente lançamento do videoclipe de seu novo single, a inédita “Manhã de Domingo”.

Confira abaixo a íntegra da conversa que tivemos e saiba quais são suas reflexões sobre esses últimos meses de pandemia. Aproveite também para ler as entrevistas com outros artistas capixabas que participaram da série Quarentalks.

João Depoli: Nós brasileiros acompanhamos com relativa antecedência a evolução dessa pandemia ao redor do mundo. Ainda assim, o ato de entrar em quarentena provou-se ser algo mais fácil de ser compreendido na teoria do que na prática. Você acredita que estava preparado para isso?

Humberto Campos: Não mesmo! Mas a adaptação foi até tranquila. O que tá sendo mesmo difícil é assistir as questões políticas do país. Isso sim tem sido um suplício. Um sofrimento sem fim.

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Como você tem lidado com o fato de que parte de suas atividades, planos e até mesmo fontes de renda foram reduzidas, adiadas ou até mesmo extintas?

Resiliente. Parafraseando um personagem de novela do Antônio Fagundes, “muita calma nessa hora”. Tivemos um 2019 muito difícil e começamos o ano 2020 enfrentando uma situação complicadíssima, onde o irmão do Edson — meu parceiro no duo — piorou de um câncer, vindo a falecer. Isso nos deixou engessados desde o ano passado. Tínhamos planejado começar a divulgar o EP Próxima Estação, lançado em novembro, a partir desse desfecho. Estávamos com alguns shows marcados no Rio de Janeiro no começo de Abril (todos cancelados) e as conversas que eu tinha iniciado para tocar em outros estados também foram suspensas. Conseguimos fazer a produção do nosso segundo EP e iríamos começar a gravar também. Agora é esperar o que virá pra retomar de onde paramos.

Desde que entramos nessa, vimos que o isolamento teve diversos reflexos nas pessoas. Enquanto uns não notaram muita diferença em seu cotidiano, alguns viram seus problemas com depressão sendo amplificados, outros passaram por crises de ansiedade e mais. Como tem sido a sua adaptação a esse período?

No meu caso, não tive questões nesse sentido, pois tenho uma base familiar e de consciência filosófica e espiritual bem sólida que me dão um bom sustento nessas horas. E até mesmo meu jeito de ser meio “sussa” ajuda. Mas vejo que realmente muitas pessoas não estão lidando muito bem. Minha esposa é psicóloga e por força da profissão vislumbra isso muito de perto.

“Tenho visto uma espécie de empatia seletiva e não a incondicional”.

Enquanto alguns defendem que o isolamento deve ser absoluto, outros o enxergam como um exagero e toda essa discussão parece apenas amplificar esse período de extrema divisão social que já vivemos. Nesse contexto, o que você acha que esse momento significa para nós como sociedade?

Deveria significar ruptura e vislumbre para uma sociedade mais equalizada, onde numa situação completamente inesperada em que todos temos a perder, uma união indistintamente tinha que aflorar. Infelizmente não rolou e o pior, foi o inverso.  Acho que, desde as últimas eleições presidenciais, nós estamos vivendo uma espécie de “separação do joio e do trigo”. Não estou dizendo do bom ou do mal, mas aquilo que está enraizado nas psiques das pessoas. A sua capacidade de enxergar ou não coisas que estão muito visíveis e outras não tanto. Tenho visto uma espécie de empatia seletiva e não a incondicional.

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Humberto Campos (esq.) e Edson Freitas do duo Severino (Crédito: Gabriel Hand).

Acha que é possível tirarmos algo positivo de um período como esse?

Sim e deveríamos! Tendenciamos a valorizar o que não temos ou aquilo que perdemos. No isolamento forçado, a perda, mesmo que temporária, daquilo que era absolutamente corriqueiro e simples — como um abraço, um encontro, um passeio, um show e o próprio cotidiano —, deveria nos fazer dar maior valor e exercê-los com mais amor e importância.

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Num foco mais pessoal, o que você descobriu sobre si mesmo ou aprendeu nesse período de introspecção?

Honestamente, não. Até porque naturalmente eu sou bem introspectivo, e estou sempre exercitando reflexões mentais sobre mim, os outros, vida, universo.

“Tudo de ruim de outrora ressurgirá como fênix”.

Quando se trata de compor ou trabalhar num projeto criativo, muitas pessoas naturalmente buscam um certo isolamento. Esse período tem sido favorável para você nesse sentido?

Como já tenho bastante material composto e acabamos de produzir um material novo para o próximo EP do Severino, estou aproveitando esse período para trabalhar em novos materiais do nosso repertório de releituras que somos “obrigados” a ter para poder ampliar nossas opções de trabalho em pubs, bares e eventos diversos. Somente o show autoral ainda não nos possibilita a ter uma rotina de apresentações consistente que possa nos manter.

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Duo Severino (Crédito: Gabriel Hand).

+ Leia também: “Escute esse disco”, por Humberto Campos (Severino).

Como você espera que o seu trabalho possa contribuir tanto no período durante quanto no pós-quarentena?

Música é energia, palavras são energias. Nossa música e nossas letras são comumente positivas e oferecem, para quem quer ouvir e se permitir sentir, boas vibrações e boas reflexões. Nesse momento e principalmente pós-pandemia, onde teremos que reconstruir e reinventar muita coisa, tudo que nos eleve será de muita valia. Desse jeito que gostaríamos de poder contribuir, com positividade musical. E como sempre, estamos abertos a outros artistas para trocas e ajudas. Estamos sempre disponíveis para fortalecer a cena.

Por fim, muito se especula sobre como será o convívio social num período pós-quarentena e os seus impactos em toda a cadeia musical. Quais são as suas expectativas para esse novo capítulo?

Acredito que tudo voltará ao “normal”, infelizmente. Mas espero estar errado. As velhas más práticas do mercado irão logo se assentar como sempre se assentou. Tudo de ruim de outrora ressurgirá como fênix. Mas o que há de bom sempre estará aqui também. Muita gente talentosa se descabelando para existir e se estabelecer.

Texto: João Depoli | @joaodepoli.

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