Rodrigo Novo: “Essa pandemia nos mostra o quão vulneráveis somos.”

Leia na íntegra o papo que tive com Rodrigo Novo sobre esse período de quarentena e os seus desdobramentos atuais e futuros
Rodrigo Novo (Crédito: Heloisa Amorim).
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Rodrigo Novo é um cantor e compositor que fez sua estreia em 2017 com o lançamento de Lá e Cá, um EP com cinco canções pautadas no folk e na MPB. Atualmente isolado num sítio no interior, o músico segue com os preparativos de seu primeiro álbum cheio, que até o momento conta com participações de nomes de peso do cenário capixaba, como André Prando, Ana Müller, Henrique Paoli, A Transe e mais.

Confira abaixo a íntegra da conversa que tivemos e saiba quais são suas reflexões sobre esses últimos meses de pandemia. Aproveite também para ler as entrevistas com outros artistas capixabas que participaram da série Quarentalks clicando aqui.

João Depoli: Nós brasileiros acompanhamos com relativa antecedência a evolução dessa pandemia ao redor do mundo. Ainda assim, o ato de entrar em quarentena provou-se ser algo mais fácil de ser compreendido na teoria do que na prática. Você acredita que estava preparado para isso?

Rodrigo Novo: Preparado mesmo, na prática, não estava — como a maioria, imagino. [Estou] entrando nos vários fatores que a situação nos colocou, como a reformulação da prática do trabalho, os cuidados para com o vírus e o convívio, as finanças etc. Como muita gente, eu estava entendendo que a quarentena chegaria até nós no Brasil, e que ela era necessária, devido às informações que tínhamos de outros países que já estavam nessa crise de saúde, como a Itália. Com a chegada [dessa] crise por aqui, me senti perdido e ansioso com diversas questões em que necessitamos do contato humano trivial da vida, como ir ao supermercado, encontrar pessoas que fazem parte da minha vida, trabalhar etc. Ao mesmo tempo me senti com medo, pois já via que o nosso país em sua governança não estava dando a devida atenção ao problema. Então acredito que, basicamente, ansioso, confuso e frustrado seriam as palavras mais assertivas.

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Como você tem lidado com o fato de que parte de suas atividades, planos e até mesmo fontes de renda foram reduzidas, adiadas ou até mesmo extintas?

Desde o começo da pandemia eu já vinha pensando em continuar meu projeto atual, que é a produção de um disco, e outro trabalho que exerço, [além de] outras coisas que envolvem recursos financeiros. [Foi] bem confuso no começo, mas depois as coisas foram se adequando, [embora elas tenham sido] atrasadas — e não tinha como não ser, por também depender de outras pessoas, com diferentes problemas perante a pandemia. Estou com a fonte de renda bastante reduzida, mas conseguindo me manter minimamente com o auxílio, vencimentos adiados etc. Também estou com o privilégio de me isolar no sítio de minha companheira, onde podemos viver de forma bem mais simples do que antes da pandemia e com os benefícios do cultivo da terra. Isso nos ajudou absurdamente.

Desde que entramos nessa, vimos que o isolamento teve diversos reflexos nas pessoas. Enquanto uns não notaram muita diferença em seu cotidiano, alguns viram seus problemas com depressão sendo amplificados, outros passaram por crises de ansiedade e mais. Como tem sido a sua adaptação a esse período?

No começo foi mais difícil. Realmente me percebi mais ansioso, confuso e à flor da pele. Fui me adaptando à medida que a rotina foi ganhando nova forma e vi que era possível ficar bem durante a pandemia — mas não foi nada fácil. Acho que minha força motriz se encontra bastante em minha prática pessoal de Yoga, que faço há alguns anos e que me ajuda muito a lidar com minhas ansiedades e deixar meu bem-estar mais estável e resiliente.

“O momento é muito importante e eu acho que cada vez mais estamos enxergando nosso lugar nesse planeta”.

Enquanto alguns defendem que o isolamento deve ser absoluto, outros o enxergam como um exagero e toda essa discussão parece apenas amplificar esse período de extrema divisão social que já vivemos. Nesse contexto, o que você acha que esse momento significa para nós como sociedade?

Da maneira que vejo, as pessoas continuam a se dividir de acordo com suas prioridades, [sejam] a favor das pessoas ou a favor do capital. Uma pandemia como essa só deixa esses discursos menos mascarados para as pessoas que se expressam. Mas o momento é muito importante e eu acho que cada vez mais estamos enxergando nosso lugar nesse planeta, nosso papel como habitantes dessa grande casa e nossa visão de comunidade perante nossos irmãos humanos e não humanos. Eu penso muito como o ser humano se preocupou tanto em progredir no âmbito material [enquanto] vamos cada vez mais enrijecendo nosso senso de uso e compartilhamento de recursos naturais e nos multiplicando. Essa pandemia nos mostra o quão vulneráveis somos — e como não estamos nos fazendo necessários em morar aqui.

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Rodrigo Novo (Crédito: Heloisa Amorim).

Acha que é possível tirarmos algo positivo de um período como esse?

Com certeza. O aprendizado pode ser enorme e fazer muito bem para nós enquanto humanidade. Vemos muitas coisas positivas que esse período nos traz, [como] as reformulações constantes de nossa forma de vida, de trabalho e das relações entre nós mesmos. Isso pode trazer grande valorização para várias funções que exercemos e precisamos e que muitas vezes ficam esquecidas ou negligenciadas — como exemplo dos artistas, que se fazem tão necessários nesse momento em que grande parte das pessoas estão confinadas e consumindo tanta forma de arte. Outro aprendizado que julgo importante e positivo seria aprender a priorizar sempre as pessoas, a saúde e a sustentabilidade desse planeta. Se isso não for feito de maneira consciente, não existe vida possível.

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Num foco mais pessoal, o que você descobriu sobre si mesmo ou aprendeu nesse período de introspecção?

Sim, algumas coisas mudaram. Eu percebi que não sou tão dependente assim da dinâmica fugaz da cidade como achava que era. Claro que gosto muito de onde moro normalmente, cidade de Vitória, mas achei que sentiria mais falta de estar sempre em movimento por ela, como antes. De uma forma geral, me percebo mais simples, precisando menos de coisas que achava serem necessárias. Outra coisa, acho que agora me vejo mais fortemente como produtor de cultura, através da música. Tenho trabalhado mais esse meu lado.

“Percebi que não sou tão dependente assim da dinâmica fugaz da cidade como achava que era”.

Quando se trata de compor ou trabalhar num projeto criativo, muitas pessoas naturalmente buscam um certo isolamento. Esse período tem sido favorável para você nesse sentido?

Sim. Tão sendo favoráveis, pois consigo dedicar mais tempo para isso, inclusive para aprender coisas que há um tempo venho postergando, como mexer em programas de áudio, fazer pequenas produções musicais em casa ou gravar demos e pré-produções. No momento venho planejando o lançamento de meu álbum que está previsto para esse ano, mas que ficou meio abalado com a pandemia. Algumas coisas atrasaram, mas está perto. Venho buscando formas de fazer isso acontecer do jeito que quero. Enquanto isso, escrever projetos para editais culturais que estão acontecendo também faz parte da rotina criativa. Além disso, venho publicando alguns vídeos cantando e tocando, e compondo uma música nova. Espero que venham outras também, mas não é a prioridade no momento.

Como você espera que o seu trabalho possa contribuir tanto no período durante quanto no pós-quarentena?

A música mexe com as emoções [e] traz lembranças. É como se fosse um teletransporte que move o ouvinte com diferentes sensações. Algo imaterial com grande potência. É útil para as pessoas se reconectarem com alguns sentimentos e se abstraírem de outros à flor da pele vividos agora — sejam preocupações com o futuro ou ansiedades vindas com tantas mudanças no que era habitual em nossas rotinas diárias. Espero que com minhas músicas e outras que interpreto eu possa [trazer] leveza, calma e autorreflexão e dar oportunidade para se reviver tais qualidades, seja agora ou quando acabar essa quarentena.

Rodrigo Novo (Crédito: Heloisa Amorim).

+ Leia também: “Escute esse disco”, por Rodrigo Novo.

Por fim, muito se especula sobre como será o convívio social num período pós-quarentena e os seus impactos em toda a cadeia musical. Quais são as suas expectativas para esse novo capítulo?

Eu acho que deve acontecer uma transição. Não imagino que retornemos tão rapidamente para a rotina normal de shows, festivais e aglomerações. Acho que será gradual, mas em algum momento se normalizará. Creio também que o consumo de música e shows online possam se tornar mais comuns do que antes, mas não imagino que tão frequentes como vemos agora na quarentena. Talvez um equilíbrio entre as duas formas. Acho que seria interessante.

Texto: João Depoli | @joaodepoli.

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