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Rodrigo Lima (Dead Fish): “Não vou me adaptar nunca”.

Conversamos com o vocalista da maior banda de hardcore do país sobre sua adaptação aos primeiros meses dessa pandemia
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Depois de entrevistarmos os representantes do Mukeka di Rato (Fabio Mozine e Sandro Juliati), não podíamos deixar de falar com uma das figuras mais emblemáticas do underground capixaba: Rodrigo Lima. Natural de Vitória, ele é o responsável pelas vozes e letras do Dead Fish, que neste ano completa 30 anos de estrada e ainda mantém o posto de mais importante banda de hardcore do país.

Ainda assim, no ano passado Rodrigo e companhia tiveram que interromper indefinidamente a turnê do voraz ‘Ponto Cego’ (2019) por conta das recomendações de isolamento social. Sem uma previsão de retorno aos palcos, eles aproveitaram o momento para lançar o disco ‘Lado Bets’, uma compilação de raridades, sobras de estúdio e faixas escondidas que surgiu da necessidade de se manter produtivo num momento tão inóspito. Além de participar de diversas entrevistas e lives, Lima também voltou a se envolver com sua outra banda, Oelefante, que no último dia 08 lançou o single “Moedas”.

Confira abaixo a conversa que tivemos e saiba quais são suas reflexões sobre esses últimos meses de pandemia. Aproveite também para ler as entrevistas com outros artistas capixabas que participaram da série Quarentalks clicando aqui.

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Rodrigo Lima ao vivo em live feita no Hangar 110 (Crédito: Lucca Miranda).

João Depoli: Nós brasileiros acompanhamos com relativa antecedência a evolução dessa pandemia ao redor do mundo. Ainda assim, o ato de entrar em quarentena provou-se ser algo mais fácil de ser compreendido na teoria do que na prática. Você acredita que estava preparado para isso?

Rodrigo Lima: Eu pessoalmente achava que estava preparado, mas não esperava uma gestão — ou a total falta dela — por parte desse desgoverno assassino, que no fim das contas se sai mais assassino que o previsto. É um caos total. Eu pessoalmente, depois de cento e vinte dias de cárcere com essa quantidade de mortes e de subnotificação, começo a entender que tudo em uma quarentena tem limite, [e] que aceitar esse governo como uma piada de mal gosto é errado. Eles são criminosos e praticam a necropolítica. Começo a procurar saídas, principalmente pra minha filhota, que já está presa a mais tempo que o Queiroz ficou em Bangu. É uma doideira, e digerir não é possível — mesmo estando aqui no meu privilégio do isolamento. Procuro transformar minha raiva em tristeza pra tentar viver um luto de algo que não voltará mais, mas não é simples. Não pra mim.

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Como você tem lidado com o fato de que parte de suas atividades, planos e até mesmo fontes de renda foram reduzidas, adiadas ou até mesmo extintas?

Todas as minhas atividades foram adiadas ou canceladas. Eu vivo da minha banda e faço trabalho de cozinha vegan como mais satisfação pessoal e desenvolvimento mesmo. Basicamente não tenho lidado com nada, é o que é. Não tenho mais fonte de renda até o ano que vem. Tinha uma pequena reserva que me ajuda a pagar as contas e a viver, mas isso não vai bastar de 2021 pra frente. Tenho a imensa sorte de minha companheira ter renda e estar em home office, mas dentro do distanciamento social, que é mandatório, eu e a banda estamos nos virando, pensando numa saída. Eu tenho feito lives com os amigos pra não enlouquecer e a banda [vem] tentando voltar a ter uma renda básica, que era o que o Governo deveria estar cuidando nesse momento.

Desde que entramos nessa, vimos que o isolamento teve diversos reflexos nas pessoas. Enquanto uns não notaram muita diferença em seu cotidiano, alguns viram seus problemas com depressão sendo amplificados, outros passaram por crises de ansiedade e mais. Como tem sido a sua adaptação a esse período?

Não vou me adaptar nunca, não faz o menor sentido me adaptar. Espero que passe e logo — o que é uma grande enorme ilusão. Tenho visto amigos em completa desolação e solidão e outros superprodutivos, escrevendo, estudando e/ou trabalhando em coisas novas de casa. Mas eu, como pôde perceber, sou ansioso, então estou forte na terapia, que já fazia, voltei pra Yoga e tem sido ótimo, mas ainda me falta. Compenso dando mais suporte ainda pra minha pequena. Ela não merece isso tudo, então faço de tudo pra amenizar a situação pra ela, que por tabela ameniza pra mim. De jogar videogame a pintar com guache as cartolinas espalhadas pela casa.

“Procuro transformar minha raiva em tristeza pra tentar viver um luto de algo que não voltará mais, mas não é simples. Não pra mim”.

Enquanto alguns defendem que o isolamento deve ser absoluto, outros o enxergam como um exagero e toda essa discussão parece apenas amplificar esse período de extrema divisão social que já vivemos. Nesse contexto, o que você acha que esse momento significa para nós como sociedade?

Se tivéssemos feito o dever de casa e um isolamento total desde março, com uma estrutura boa de saúde emergencial, posso te garantir que não estaríamos vivendo essa bizarrice de pico de infecção com todo mundo na rua tocando o foda–se pra si mesmo. Apostaria minha mão direita que já poderíamos estar pensando em uma abertura boa e ética.

Acha que é possível tirarmos algo positivo de um período como esse?

Sempre é possível. Se o fim de uma guerra mundial teve, por que uma pandemia brutal num país desgovernado por fascistas não teria? Só não consigo ver algo consistente imerso nesse mar de negacionismo… Mas, como dizem-nos os Monty Python: “always look on the bright side of life”.

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Num foco mais pessoal, o que você descobriu sobre si mesmo ou aprendeu nesse período de introspecção?

Pouca coisa. Eu já me tratava desde muito antes da pandemia. O que descobri é que sinto uma falta enorme de sol e de estar em espaços mais abertos. E até do mar, que pela primeira vez na vida sinto muita falta.

“Em algum momento talvez um show da minha banda possa ser um grande ‘Ufa!’ mental e físico pra todo mundo”.

Quando se trata de compor ou trabalhar num projeto criativo, muitas pessoas naturalmente buscam um certo isolamento. Esse período tem sido favorável para você nesse sentido?

Não produzi nada consistente nos últimos meses, apesar de ter trabalhado muito em projetos isolados no decorrer, mas não escrevi nada consistente e nem li muita coisa. Preciso cuidar da filhota e isso toma 90% do dia, e ok também. Tenho aprendido muita coisa.

Como você espera que o seu trabalho possa contribuir tanto no período durante quanto no pós-quarentena?

Em algum momento talvez um show da minha banda possa ser um grande ‘Ufa!’ mental e físico pra todo mundo — público, banda e equipe.

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Ric Mastria (esq.), Rodrigo Lima, Marcão e Igor Tsurumaki (Crédito: Divulgação).

Por fim, muito se especula sobre como será o convívio social num período pós-quarentena e os seus impactos em toda a cadeia musical. Quais são as suas expectativas para esse novo capítulo?

Não sei te responder isso…. Estamos eu e banda e equipe pensando isso nesse momento. Fomos os primeiros afetados e seremos os últimos a reestabelecermos uma normalidade… Talvez a internet seja uma saída, apesar de eu ser cético quanto a isso. As pessoas estarão ávidas ao ar puro, ao convívio.

Texto: João Depoli | @joaodepoli.
Foto de capa: Lucca Miranda | @luccamiranda.

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